Meu livro de poemas “Casa dos ossso”, publicado com a então nova editora independente Macondo de Juiz de Fora, chegou inesperadamente em 2018 à lista dos semifinalistas do Prêmio Oceanos. Foi a primeira vez que isso acontecia, desde minha estreia, em 2001, quando publiquei, já no Brasil (a autora nasceu na Suíça, onde morava até então), o livro bilíngue “Inventário de vozes” pela querida editora Mazza, de Belo Horizonte. Esse livro apresentava a versão italiana e a versão por mim traduzida em português, lado a lado, prática que abandonei dali a pouco, optando pela versão unicamente em português.


A indicação foi uma baita surpresa para mim, pois nunca projetei meus livros e meu trabalho lento com a poesia nesse âmbito. “Casa dos ossos” teve uma primeira tiragem de 150 exemplares: 150 leitores num país-continente, 150 gotas de água num Oceano.


Desde que comecei a publicar, segui meu caminho lento, morando em Juiz de Fora, sem frequentar os circuitos das capitais (até porque tinha filhos pequenos e uma vida de trabalho na universidade). Mas cuidei de sempre priorizar a escrita, porque era/é uma necessidade incontornável: a escrita literária, sim, mas, junto com ela, a saúde, a alegria, o prazer e a liberdade de escrever. O que acho e como devo escrever. Acredito que minha participação na histórica Flip de 2017 foi fundamental, nesse sentido, pois ali um pouco do meu trabalho chegou a um público maior.


Em 2021, foi a vez do livro “O mundo mutilado”, publicado pela linda editora Quelônio, de São Paulo, chegar no susto entre os cinco finalistas do Jabuti. Susto bom, por certo, mas susto, pois o livro circulou bastante, mas longe dos meios de certa oficialidade (imprensa, as revistas literárias mais cobiçadas, etc). Foi lido, muito bem lido, aliás, nas universidades, levado pela escuta atenta de alguns colegas de profissão, excelentes leitores de poesia. Saíram algumas resenhas em revistas online, e trechos do livro foram publicados em inúmeras revistas literárias online e blogues. O país estava mergulhado na pandemia e o isolamento não mudou muito a vida do livro, na verdade, pois circulou independente de eu circular - como vinha fazendo devagarinho desde sempre.


Trabalho com a escrita poética em todos os campos de atuação de minha vida, desde meus 20 anos: como professora, como pesquisadora universitária, como tradutora e, mais recentemente, com as oficinas de escrita criativa na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – além, claro, da atividade como poeta. Gosto bastante desse caminho subterrâneo, de quem olha tudo a 360 graus, meio lateralmente, com certo recuo, inclusive auto-crítico.


Esse ano, 22 anos após minha primeira publicação e muitos livros depois, “O gosto amargo dos metais” (talvez meu livro mais ancorado no chão dessa terra brasileira) chegou à final do prêmio Oceanos publicado pela editora 7Letras, uma editora que tem uma história importante na cena literária nacional. Mais uma vez, sem resenhas, matérias ou notas em jornais ou revistas especializadas de grande circulação, que supostamente deveriam mapear a diversidade da cena poética nacional. Curioso que nem em ocasião de minha participação como convidada oficial à Flip em 2022 (maior festival literário e midiático nacional) isso aconteceu, nem quando o livro havia sido recém-lançado, um livro com uma temática bem atual e global, sobre a deriva ambiental/ecológica do planeta. Um silêncio que, no entanto, nunca me preocupou, pois não escrevo me pautando pela hipotética recepção (ou falta de recepção) da “crítica literária” de jornal, e também porque vejo que é uma característica comum à maioria dos livros de poesia que se publicam no Brasil (e não só no Brasil) por editoras independentes ou que por várias razões não conseguem acompanhar o ritmo acelerado do marketing cultural.


O livro, no entanto, passou por vários júris que o avaliaram e construíu assim seu pequeno rastro feliz. Em 2021, no Brasil, um júri às cegas composto por três jurados leu o manuscrito de forma anônima e o escolheu como vencedor para o Prêmio Cidade de Belo Horizonte. No começo de 2023, um júri composto por oito críticos, na Suíça, escolheu a versão italiana do mesmo livro, por mim recriado, “Verso la ruggine”, para atribuir-lhe o prestigioso Prêmio Suíço de Literatura. Ainda na Itália, chegou na lista dos cinco livros finalistas para o prêmio Franco Fortini, escolhido por um corpo de nove jurados, entre críticos e poetas.


Já para o Prêmio Oceanos são várias etapas de avaliação e vários jurados distintos, não só brasileiros. Conto isso para partilhar a minha leitura disso tudo: há sempre mil fatores que interferem no caminho de um livro, principalmente num país ainda tão desigual como o nosso. Mas não posso dizer que a imprensa, o peso da editora, as resenhas “que contam” sejam uma garantia para nada. No meu caso, pelo menos, não foi nada disso que aconteceu – por isso, o meu susto. Até porque prêmio é um feliz acidente de percurso, mas acredito mais no tempo como uma peneira que mostra quais poéticas seguem tensionando nossa contemporaneidade.


Cada livro tem seu percurso e acho que o que importa - o que importa mesmo, na minha visão - é a convicção íntima, a persistência e a centralidade da escrita na nossa vida. A leitura dos pares e ser atravessado pelo próprio tempo histórico. E fazer desse lugar criativo um lugar de constante experimentação de si e de liberdade.


Dito isso, me considero extremamente sortuda e feliz e grata à vida por ter chegado à final do Oceanos junto com poetas-amigos cujas obras e trajetórias admiro e respeito profundamente e que foram muito marcantes para meu percurso humano e poético – ainda em formação. Foi maravilhoso estar entre eles e contribuir para diversificar as dicções poéticas e os olhares sobre o mundo que faz da língua portuguesa sua casa. A roda segue, a poesia vive, e que possamos fazer desse girar um espaço de vivências transformadoras. 

 

Poeta, tradutora e professora do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas da Faculdade de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Prisca Agustoni é autora de livros como “Inventário de vozes”, “Casa dos ossos” e “O mundo mutilado”. O texto acima foi publicado nas redes sociais da escritora antes da divulgação do resultado do Prêmio Oceanos, atribuído a Agustoni por “O gosto amargo dos metais” (7Letras) e entregue no último dia 7 de dezembro, na sede do Instituto Itaú Cultural, em São Paulo.

 

O gosto amargo dos metais
Prisca Agustoni
Editora 7 Letras
80 páginas
R$ 46

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