O pernambucano Mario Pedrosa (1900-1981): primeiro volume da obra crítica abrange os textos de juventude e que vão até o começo dos anos 1950 -  (crédito: Canal Curta)

O pernambucano Mario Pedrosa (1900-1981): primeiro volume da obra crítica abrange os textos de juventude e que vão até o começo dos anos 1950

crédito: Canal Curta

JOÃO POMBO BARILE

ESPECIAL PARA O EM

 

Em menos de seis meses uma antologia e uma exposição. Desconfio que Mario Pedrosa anda mesmo na moda outra vez. Excelente notícia. Um dos mais importantes intelectuais da história brasileira, este crítico pernambucano, que sabia mesclar com rara sabedoria política e artes, merece mesmo ser mais conhecido (e estudado) pelas novas gerações de curadores tupiniquins.


“De fato, nos últimos anos, tem aumentado a procura por textos e o interesse pela obra dele”, constata Quito Pedrosa, neto de Mario, que além de coordenar a nova antologia, trabalhou como consultor da “Ocupação Mario Pedrosa”, organizada por Marcos Augusto Gonçalves, em exposição até 18 de fevereiro no Itaú Cultural em São Paulo.

 

 

Para ele, o interesse se deve, em parte, ao caráter atemporal da obra do avô. “As questões fundamentais na reflexão sobre o fazer artístico, sobre percepção estética, sobre a autonomia ou a função social da arte ainda estão vigentes. No campo da análise política, meu avô representa uma alternativa às visões mais ortodoxas e sua militância ao longo de toda a vida é uma inspiração para muitas pessoas”.


Quito acredita ainda que a redescoberta dos brasileiros pela obra de Mario possa estar relacionada a publicações, feitas na última década, de textos e relatos de sua trajetória. Uma grande fortuna crítica surgida nos últimos anos: edições como a do MoMA, de Nova York, ou do Centro de Arte Reina Sofia, de Madrid: “Estas publicações, em inglês e espanhol, sem dúvida alguma ajudaram na divulgação de sua obra no Brasil”.


Outra razão desse interesse apontada por Quito está relacionada à visão que Mario tinha sobre as culturas originárias. A percepção sobre a nossa formação histórica e o constante desejo por um caminho independente da influência eurocêntrica vêm ao encontro a certos questionamentos das novas gerações. “Afinal nosso processo de independência, seja das matrizes coloniais, seja dos interesses das potências mundiais, ainda está em curso”, afirma.

 

Organização de legado

 

As primeiras antologias de textos de Mario foram feitas por Aracy Amaral para a editora Perspectiva, com o crítico ainda vivo. Mais tarde, Otília Arantes organizaria treze volumes, dos quais apenas quatro seriam realmente publicados pela Edusp. “Como essas edições estavam esgotadas, senti a necessidade de fazer uma nova reunião”, conta.

 

Ao longo dos últimos anos, Quito esteve empenhado em organizar o acervo de todos os textos do avô. E acabou se deparando com quase 700 artigos, ensaios e conferências, apenas relativos à crítica de arte ou similares. Já os textos políticos têm mais ou menos o mesmo volume do material de arte.

 

“Grande parte de sua produção de juventude, não publicada, foi apreendida e destruída pela ditadura do Estado Novo. Em breve, todo este material será disponibilizado para consulta em formato digital. O site, organizado por mim e minha esposa Lucia, contará com os textos desta nossa pesquisa, além, dos textos sistematizados em trabalhos anteriores feitos pela Aracy Amaral, Otília Arantes, Dainis Karepovs e Catherine Bompuis”.



Para a nova antologia, publicada pela Companhia das Letras em dois tomos, Quito conta que seguiu o critério cronológico. O volume um, que já se encontra nas livrarias, abrange os textos de juventude do pernambucano de Timbaúba, nascido em 1900, e que vão até o começo dos anos 1950.

 

“Neste primeiro volume, quis ressaltar sua vinculação com o Modernismo brasileiro, através de artigos sobre Mario de Andrade e Villa-Lobos e com a formação marxista, que se faz presente nos primeiros textos de crítica de arte, sobre Käthe Kollwitz e Portinari. Ele traz ainda uma crítica de cinema, para o semanário ‘O Homem Livre’, periódico da Frente Única Antifascista que Mario dirigiu, na união de comunistas, anarquistas e trotskistas contra o integralismo”.

 

Quito explica, por fim, que a sequência de artigos dos dois livros, tenta ilustrar o percurso trilhado por Mario. E que vai desde uma visão mais engajada da arte até os estudos de psicologia da forma e a produção artística de internos de Centros psiquiátricos e crianças.

 

“À medida que aumenta sua percepção sobre a importância da autonomia da arte, para que ela não ficasse submetida à propaganda ideológica (no caso de regimes autoritários ou projetos imperialistas) ou às ingerências do mercado e da publicidade, sua visão de arte vai se tornando cada vez mais complexa. Os textos desse segundo período fazem parte do próximo volume, que deve ser lançado ainda neste semestre”, explica o organizador. Os dois volumes, no total, vão reunir aproximadamente 110 artigos.

 

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Trechos

 

O que disse Mario Pedrosa

Mário de Andrade, escritor brasileiro


“Me vi na obrigação de escrever estas tiras provocadas pelo último livro de Mário de Andrade – “Amar, verbo intransitivo”, que venho de receber. É uma obrigação que não vem nem da nossa amizade nem de qualquer imposição de fora.

É obrigação porque se trata de Mário de Andrade e eu estou atualmente na Paraíba. Aqui ninguém conhece Mário senão de oitiva: os livros dele ainda não chegaram até cá.

 

Ora, hoje, seja qual for o juízo que se faça, depois, dele e do valor da obra dele, um sujeito mais ou menos interessado pelas cousas literárias da terra não tem razão de ignorá-lo. Se tem de contar com ele nem que seja para, depois, dar vaia nele.”


Villa-Lobos e seu povo: o ponto de vista brasileiro


“Um poeta francês muito reconhecido, também crítico de arte excessivamente esteta, disse, a propósito da música de Villa-Lobos, que não podia admiti-la porque não gostava da brutalidade. Mas... pode-se, por exemplo, exigir da Sagração que seja bonita? É razoável querer que todo mundo cante com a sutileza de Debussy? O músico não é uma caixa de música que depende apenas da mão que gira a manivela. Ele não canta em abstrato.

 

Ele é possuído. Ele é inspirado. E a inspiração é igualmente nobre ao exprimir tanto a doçura e a suavidade quanto a violência ou a selvageria. O gosto não se encontra na fonte primeira da poesia, ele não irrompe com a inspiração.

 

Ele é posterior. Só o encontramos depois. Na estética. O que significa que se não se entender o Brasil, não se pode compreender Villa-Lobos. E um pouco como pedir a um cacto rosas silvestres, e não a sua bruta flor vermelha.

 

Pois a arte de um artista inconscientemente marcado pela forma de sentir de seu povo, tão profunda e tão fatalmente saturado da natureza de seu país como Villa, não pode ser delicada ou fina, mas deve ser o que ela é: impetuosa e selvagem, sensual e sentimental, luxuriante e plena”.

 

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Capa do livro "Obra Crítica, Volume 1: Das tendências sociais da arte à natureza afetiva da forma  (1927 a 1951)"

"Obra Crítica, Volume 1: Das tendências sociais da arte à natureza afetiva da forma (1927 a 1951)"

reprodução

 

“Obra Crítica, Volume 1: Das tendências sociais da arte à natureza afetiva da forma
(1927 a 1951)”
• De Mario Pedrosa
• Organização de Quito Pedrosa
• Companhia das Letras
• 456 páginas
• R$ 119,90

 

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