Jacobo Bergareche
Aquele foi sem dúvida o nosso pôr do sol, ali a estranha paisagem do nosso idílio encontrou sua expressão máxima. Aquela paisagem já está ligada à minha lembrança de você, mas também está ligada a muitas outras paisagens que nunca veremos juntos, e nas quais eu te evoquei ao ver cair uma tarde de céus ardentes, em um recanto silencioso a partir do qual se abre uma ampla paisagem. Nesses lugares onde nunca te verei, muitas vezes fiz todo mundo desaparecer, parei o tempo e imaginei você chegar caminhando, de longe, tão longe que no começo você era a silhueta distante de uma pessoa que caminha, não se sabe se homem ou mulher, e aí você vai ganhando um pouco de cor conforme se aproxima, já se pode intuir que você é uma mulher, começa a parecer até que pode ser você e não mais um dos outros sete bilhões de pessoas no mundo, é incrível, digo a mim mesmo, não é possível, mas quando começo a ter certeza de que é você, fico louco de felicidade: é ela, é inexplicável, mas é verdade, digo a mim mesmo enquanto você ainda não está perto o suficiente para que eu consiga ler completamente a expressão do seu rosto, que é o que acontece no último trecho que uma pessoa percorre até chegar a passos vejo a expectativa em seu sorriso, observo se seus olhos se mantêm em mim ou se você olha para o chão com aquela pequena dose de timidez e incerteza que nos inunda quando interrompemos uma longa ausência, e você finalmente me alcança, e já não consigo te ver porque você está muito perto, você está me beijando. Depois do beijo, que é bem demorado, te mostro a paisagem e ensino o nome de tudo que tem nela, o cabo, o morro, o farol, a praia, a rocha que aparece na maré baixa, conto tudo, apresento essa paisagem que faz parte da minha infância, da minha origem, porque em geral costuma ser uma paisagem cantábrica, é uma fantasia recorrente que tenho quando vou visitar minha mãe em Santander e passeio pelos cenários dos meus verões, da minha infância, frequentemente levo você lá até para mais um por do sol perfeito, numa paisagem que deve parecer dentro de mim, com a qual quero me misturar com você, contra a qual quero te ver e sobre a qual quero te ouvir falar, que você me diga o que pensou, que me responda com a expectativa da novidade, que me empreste o seu olhar para que eu veja o que eu acho que já conheço.
“Os dias perfeitos”
• De Jacobo Bergareche
• Tradução de Marina Waquil
• Mundaréu Editora
• 160 páginas.
• R$ 64
SOBRE O AUTOR
Nascido em Londres em 1976, Jacobo Bergareche é também produtor e roteirista de produções audiovisuais. Como escritor, publicou poesia, teatro e literatura infantil e um ensaio autobiográfico. Primeiro romance do autor, “Os dias perfeitos” surgiu a partir de pesquisas de Bergareche nos arquivos do Harry Ransom Center, em Austin (Texas, EUA), onde morou por quatro anos. Ele mora em Madri com a esposa e as três filhas. “Os dias perfeitos”, publicado na Espanha em 2021, narra o relacionamento íntimo entre um jornalista espanhol e uma arquiteta mexicana, ambos casados, que se encontram em Austin uma vez por ano.