Ziraldo -  (crédito: fotos e ilustrações: reprodução do livro

Ziraldo

crédito: fotos e ilustrações: reprodução do livro "Ziraldo em cartaz"

 

Ricardo leite

Especial para o Estado de Minas

 

Em uma ocasião, Ziraldo contou-me que ser affichiste (cartazista em francês) fora um dos seus primeiros sonhos. Por que desejaria ser um cartazista? Eu podia entender a sua atração pelo glamour do affiche. Afinal, começara a sua vida profissional na década de 1940, época em que a cultura europeia, em especial a francesa, ainda predominava no mundo.

 

Mas isso não seria suficiente para despertar o interesse naquele jovem do interior de Minas Gerais, se não existisse demanda por produção de cartazes no Brasil e devido à qual ele vislumbrasse a possibilidade real do projeto.


Nos anos 1950, expandiu suas fronteiras e foi para o Rio de Janeiro. A partir desta época, solicitações e realizações se deram em ritmo crescente, e ele percebeu que ser apenas affichiste não era mais suficiente. Seu talento o levou a experimentar diversos meios de expressão gráfico-visual.

 

Hoje, transcorrido quase um quarto do século XXI, podemos dizer que Ziraldo foi, e provavelmente sempre será, o maior artista gráfico brasileiro, como eram denominados os designers até poucas décadas atrás.

 


Mais de meio século depois, e com uma produção impressionantemente extensa, Ziraldo alcançou a posição de ícone. Tornou-se ele próprio seu maior personagem. Hoje, podemos afirmar que a maioria dos brasileiros o conhece.

 

Poucos participaram tão intensamente da construção do comportamento contemporâneo brasileiro como Ziraldo. Seja como cartunista, jornalista, escritor ou cartazista, seus trabalhos são, hoje, registros das profundas mudanças sócio-culturais ocorridas na segunda metade do século 20. Por isso, sua obra pode também ser apreciada como uma crônica visual da história recente do Brasil.


Entre aquelas peças visuais que despertaram alguma emoção dentro de nós, nas últimas décadas, quase sempre houve um trabalho de Ziraldo. Por ser dono de um estilo único, seu desenho virou marca registrada de seus projetos e sua assinatura, por si só, um logotipo. Durante esses anos, aos poucos, criação e criador se confundiram. Ziraldo faz uma peça de design ou é feito um Ziraldo em cada peça?

 


O diferencial que faz o design ser genial é o talento criativo do designer. E criatividade Ziraldo tinha de sobra. Recentemente, entre os mais jovens, Ziraldo tornou-se muito conhecido por sua obra literária infantil, que lhe deu enorme projeção entre muitas gerações de crianças, especialmente após o lançamento de seu livro “O menino maluquinho”, em 1980, que já ultrapassou a impressionante marca de 2 milhões de exemplares vendidos.

 

Autor e ilustrador de dezenas de livros para crianças, que fazem parte de infâncias passadas e presentes, sua bibliografia inclui alguns clássicos, entre eles, seu primeiro e bem-sucedido livro infantil: “Flicts”, lançado em 1969, um surpreendente experimento com a cor.


Outros o conhecem como cartunista que, por intermédio do humor e do jornalismo – Pif-Paf, de Millôr Fernandes, O Pasquim, Bundas, Palavra e, recentemente, O Pasquim 21, escreveu alguns capítulos da história da imprensa brasileira. Sem falar, como vimos antes, de suas incontáveis colaborações para as revistas A Cigarra, na qual publicou seus primeiros cartuns, e O Cruzeiro.

 

 

Ao longo dos anos seguintes, teve trabalhos editados em muitas publicações nacionais e internacionais. Entre elas, podemos destacar: Visão, Quatro Rodas, Playboy, Manchete, Jornal do Brasil, Folha de Minas, New York Times, Esquire, Plexus, Private Eye, Planète, Penthouse e capas para a revista Mad, edição americana.


Muitos o reconhecem como autor de uma das mais brasileiras histórias em quadrinhos (HQ) já publicadas: “A Turma do Pererê”, ou como o criador de personagens geniais: Jeremias, o bom; Supermãe; Mineirinho; os Zérois etc. Alguns de nós sabem que são de Ziraldo os cartazes da Feira da Providência, que ele criou dezenas de logotipos e símbolos para campanhas e/ou empresas e que teve programas que estiveram entre os pioneiros talkshows na televisão brasileira.


Multifacetada, inquieta e genial, sua obra o coloca entre os maiores do mundo, publicado em muitos países. Pare um minuto, reflita, e terá a certeza de que, ao apreciar os trabalhos assinados por ele, qualquer brasileiro terá a certeza de que a sua vida foi muito mais afetada pela arte e o design de Ziraldo do que poderia supor. Portanto, afirmo: Ziraldo será eterno! E é o maior designer brasileiro.

 

 

Autor de “Ziraldo em cartaz”, Ricardo Leite é formado em Design Gráfico, pelo curso de Comunicação Visual da UFRJ, além de graduado também em Jornalismo e Publicidade e Propaganda pela Universidade Estácio de Sá, em 1979. Desde 1994, é professor da UniverCidade, no Rio de Janeiro.

 

Capa do livro "Ziraldo em cartaz"

Capa do livro "Ziraldo em cartaz"

Reprodução

 

“Ziraldo em cartaz”
• Ricardo Leite
• Editora Senac Rio
• 292 páginas
• R$ 76,50

 

Sempre em cartaz

 

Confira algumas das peças gráficas que Ziraldo criou para filmes e eventos culturais, acompanhados pela explicação do autor e incluídas no livro de Ricardo Leite

 

“As duas faces da moeda”

“Eu trabalhava com os meus ídolos. Aqui teve influência do Piati, que é um suíço que tinha esse estilo de traço grossão. Domingos adorava esse cartaz...”

 

“Rio, verão e amor”
(Watson Macedo, 1966)

 

“Com esse filme, eu aprendi a fazer roteiro de cinema. O Watson Macedo viu a revista do Pererê e falou: ‘Peraí, esse cara pode fazer roteiro de cinema. Quero conhecê-lo.’ E foi lá em casa... ‘Você é roteirista de cinema, cara. Você tem o timing, e tal. Eu vou te contar uma história e você faz o roteiro.’ Não me deu nem sinopse. E fiz o roteiro todo, nos detalhes. Ele disse: ‘Genial! Sabia que você iria acertar! Agora, esse filme que você escreveu eu não sei fazer... Mas, eu quero este nível! Vamos fazer o seguinte: vou pegar o roteiro e piorar ele. Aí você melhora. Pego de volta e pioro. Aí você melhora...’ E tem um pequeno detalhe: essa é a última chanchada do Watson Macedo, ele morreu logo depois. E é a única chanchada em cores.”

"o Assalto ao trem pagador"

"o Assalto ao trem pagador"

REprodução


“o Assalto ao trem pagador”

(Roberto Farias, 1962)

“O Diário da Noite estava na moda na época... Onde existisse um muro com o cartaz havia dez, 15 pessoas diante dele. Tinha acontecido o assalto, e as pessoas achavam que havia alguma novidade. Eu nunca fiz um cartaz mais eficiente do que esse!”

 

“Um ramo para Luísa”
(J.B. Tanko, 1965)

“O cartaz era só a mão com a flor. O cara falou: ‘Não! Eu quero aquela foto igual a que tem nos Cafajestes’. Dei um jeito de incluir a ideia original. Eu não podia perder isso! Era o Saul Bass da minha vida... Mudei o estilo do desenho das flores para acompanhar a coisa dura da foto alto-contrastada.”

 

“Os fuzis”
(Ruy Guerra, 1964)

“Ainda não era um cartazista com o meu estilo. Queria fazer um cartaz com impacto! Anos depois eu vi o trabalho do Neville Brody e vi que este cartaz podia ser dele. O desenho... A tipografia... Ele podia ser meu filho.”

 

No war
“Mandei esse cartaz para um concurso internacional e não foi nem classificado... Achei uma injustiça! Tirei a guerra do alfabeto!”

 

“Festival Internacional da Canção Popular”
(Rio, 1966)

“‘Qual é o canto que o mundo inteiro conhece?’, perguntei para o (Augusto) Marzagão. Respondi: ‘Só tem um — O do galo! Tem galo cantando na Groenlândia. Tem galo cantando no Polo Sul. Tem galo cantando em todo lugar.’ Marzagão falou: ‘Faz o galo!’ Enquanto existiu o festival, o Marzagão não abriu mão do galo nos cartazes. Por isso, em todas as edições têm o mesmo desenho. O original, inclusive, está com ele.”