Pollyanna de Mattos Vecchio
Especial para o EM
“Sagração do oceano” é o novo livro de Cláudio Bento. Nele o poeta mineiro mergulha nas profundezas do tema das águas, trazendo à tona a riqueza e complexidade desse elemento tão presente na literatura, explorado por diversos escritores. Fernando Pessoa, por exemplo, personifica o oceano em seu poema “Mar português”, tratando-o como um ente que influencia a história, a cultura e o destino de Portugal. Em “Morte e vida Severina”, João Cabral de Melo Neto usa o rio Capibaribe para simbolizar a vida e a morte, a esperança e a desilusão, refletindo as dificuldades enfrentadas pelos habitantes da região durante sua migração do sertão ao mar.
Mas o oceano de Cláudio Bento é mineiro. Natural do Vale do Rio Jequitinhonha, o poeta estabelece uma conexão profunda com as águas através de suas memórias de infância relacionadas a esse rio e também da comparação da imensidão oceânica à imensidão do sertão. As reminiscências da infância vivida nas margens do rio e a influência que essa experiência teve na vida do poeta nascido e criado longe do mar oferecem um novo olhar sobre a temática das águas.
O título reúne, junta com rara felicidade, dois substantivos, duas palavras respectivamente feminina e masculina. Isto pode simbolizar, por exemplo, a fecundidade da própria poesia, sua capacidade de sempre gerar novas formas de ver e sentir o mundo. Ao optar pela palavra Sagração, o poeta eleva o ato poético de fabricar poemas a um lócus não só sensível, mas espiritual, como se tratasse e, de fato trata, de uma cerimônia povoada de ritos, mitos e significações. Já em alto mar da poesia, cabe ao leitor lançar seu barco em busca dos melhores peixes, os mais ariscos e valentes. Através de uma leitura aberta, poderá pescar, recolher imagens frescas da existência concreta. Metáforas vivas criadas por um poeta que não apenas as sonhou, como viveu às margens do rio da sua aldeia, o Jequitinhonha, de cujas armadilhas podem sair surpreendentes descobertas.
Tendo sido um menino “fadado a observâncias”, como ele mesmo se descreve no poema “Observatório do Menino”, em “Sagração do oceano” Cláudio Bento reafirma sua capacidade de extrair poesia das pequenas coisas, de valorizar as experiências interioranas, e de resgatar elementos regionais e afetivos que enriquecem sua poesia, dentre eles o hábito de brincar nas margens do rio, momentos particulares experimentados na intimidade da escrita ou na exposição ao sol ardente de alguma praia circunvizinha. Praia de rio, praia de mar. Lugares por onde o menino poeta corria, colhia conchas, nadava e soltava papagaios coloridos.
Não é preciso ver o mar para sentir sua presença. É isso que Cláudio Bento nos propõe nos poemas desse novo livro, pois, em suas palavras:
O menino que eu era
Também sonhava o mar
E o mar era uma grande lagoa azul
Rodeada de areia branca
(...)
Eu era menino
Mas sabia que o vento
Que varria
O meu quintal
Vinha
Do oceano
Mesmo com ferrenhas disputas ideológicas e editoriais por espaço, com a internet e a respectiva emergência das redes sociais, os poetas, individual ou organizados em coletivos, viram-se livres o bastante para experimentar novos temas e soluções, e, assim poderem se expressar, da forma que melhor lhes convém. Nunca se escreveu e leu tanta poesia no Brasil. E o que seria a poesia senão saudade sentida e imaginada, transfigurada pelas palavras. É claro, a poesia também é luta, fábula, lua, fragilidade e força bruta. Perfume e música. E tudo isso há na poesia manuelina de Cláudio Bento.
“Sagração do oceano” é uma obra que consagra não só o oceano, mas o próprio poeta Cláudio Bento como um dos maiores representantes da poesia mineira contemporânea. Trata-se de um livro que nos mostra um poeta que, conforme nos ensinou Manoel de Barros, é poderoso por descobrir a riqueza das insignificâncias. Vale a leitura, ou melhor, o desfrute.
Pollyanna de Mattos Vecchio é escritora e doutora em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG
“Sagração do oceano”
De Cláudio Bento
Arejo editorial
104 páginas
R$ 42,00
Lançamento neste sábado (20/04), às 19h, no Restaurante Taboca, Pão de Queijo e Cia, na Rua Goiás 14, Centro, Belo Horizonte.