O ser humano é igual em qualquer latitude, costuma dizer o escritor Luís Giffoni, que ocupa a cadeira 33 da Academia Mineira de Letras (AML), Portanto, "fale de sua própria aldeia que você estará falando de todo o mundo", diz ele. Foi seguindo essa máxima que Giffoni escreveu seus 26 livros, que transitam por conto, romance, crônica, ensaio e novelas infantojuvenis, sendo reconhecido com prêmios do calibre de Jabuti, APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), Minas de Cultura – Henriqueta Lisboa, Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, entre outros.

 



 


Partindo de sua realidade atual e, principalmente, de seu perfil observador, Giffoni concebeu os 16 contos que integram “A vida, a morte e outros penduricalhos”, que chega agora pela editora Patuá e que será assunto da participação dele no Sempre um Papo deste sábado (4/5), na sede da AML.


Com ironia, lirismo, visceralidade, ousadia e certa dose de absurdo, Giffoni entrega ao leitor um retrato da vida nua e crua dentro de uma sociedade que caminha para o fracasso ao abraçar cegamente a violência. Não dá para negar que a publicação recente se aproxima do universo rodrigueano em alguns aspectos, contudo, ao contrário do “Anjo Pornográfico”, o mineiro nutre – no fundo, mas bem lá no fundo – certa esperança para com a humanidade.


À vista disso, “A vida, a morte e outros penduricalhos”, embora tenha contos que abordam a violência, não se limita a esse único tópico. Nas palavras do próprio autor, é um livro que “fala de amor, de desamor, de sexo, de desencontros, de religião e também fala da violência”.

 

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Questão de evolução


“Acho que a violência é inerente ao ser humano”, afirma o escritor em entrevista ao Pensar. “Ela foi necessária durante algum período, lá atrás, para sobrevivência do ser humano. Mas foi superada, porque é uma questão de evolução. A gente foi se instruindo, veio a civilização com o desenvolvimento da cultura e a gente descobriu que moramos em sociedade, que não poderíamos ser violentos e que deveríamos respeitar o outro. Reduzimos muito a violência na sociedade, mas ela continua aí”, acrescenta.


Em “A vida, a morte e outros penduricalhos”, o aspecto brutal e hediondo está presente nos contos “Pão de queijo”, em que a mãe de uma garota é assassinada pelo marido dependente químico, que, por sua vez, é morto pelo cunhado; “O falecido Marcondes”, um ninfomaníaco morto a facadas pela própria filha que sofreu abuso dele; “Bala perdida”, sobre um menino que, para entrar no tráfico, tem que provar sua valentia matando a primeira pessoa que aparece na sua frente; “O velho tem que morrer”, no qual um traficante espia, sem entender, a vida solitária de um idoso amante de livros e decide matá-lo; e “O profeta”, em que o considerado mensageiro divino Josué mata a esposa e enterra o corpo no quintal de casa.

 

Há, no entanto, histórias de amor. Amor que passa longe do Eros, sendo mais próximo do Ágape, aquele que é incondicional e do qual não se espera nada em troca. É o caso de “Ternura”, sobre a mãe do dono de um morro carioca assassinado por rivais que deixa tudo para trás no intuito de salvar o neto pequeno. Ou, então, em “Um coelho corre na Serra do Curral”, no qual o leitor é apresentado a uma idosa que caminha para um estado caquético, bem próximo da morte, mas não quer abandonar os sapatinhos que está tricotando para a bisneta prestes a nascer.


Quando o assunto é religião, Giffoni arrebata o leitor com situações e personagens antagonistas, crentes e descrentes em Deus, cada qual com seu argumento e cada qual com a sua própria razão, de modo que fica a cargo de quem lê decidir com quem concorda. É assim, por exemplo, nos contos “Crucifixo” e “Despedida”.


E, quando se trata de sexo, Giffoni não tem pudores em narrar uma história de um adolescente que divide sua parceira sexual (com o consentimento dela, cumpre dizer) ao amigo mais próximo, como fez em “A garota que tinha nome de música”. O conto, aliás, é inspirado na canção “Ruby Tuesday”, dos Rolling Stones, cuja história conversa com a personalidade da moça criada por Giffoni no conto.


“Eu estava querendo mergulhar, ou pelo menos abordar, esses impasses que o Brasil tem vivido atualmente, ao mesmo tempo em que procurava pontos em comum com as gerações passadas. Nisso, temos questões que são permanentes, como o amor, a morte, a raiva e os encontros que temos ao longo da vida”, ressalta o escritor.


Ele lembra que todos os 16 contos partiram de histórias reais que ele leu no noticiário. “Fui pegando, coletando e falei: ‘Gente aqui tem uma história que fala da vida, da morte, da alegria e de uma tristeza enorme. Elas partiram de situações reais, mas, claro, foram sendo modificadas para ganharem contorno literário”, lembra Giffoni.


Tais contornos literários refletem a vasta biblioteca interna do autor. Se a narrativa de alguns contos se assemelha à escrita de Hemingway, Borges, Cortázar, Lygia Fagundes Telles ou García Márquez; não é mera consciência. São autores que, além de admirar, Giffoni estudou.


“Tive uma influência muito grande, principalmente, dos autores norte-americanos”, revela o escritor mineiro. “Fui estudar a literatura norte-americana muito novo e basta dizer que fiz três anos só de literatura norte-americana. Formei com 16 anos. Então, tive uma influência muito grande de nomes como Hemingway, Faulkner, (Robert) Frost, entre outros”.


É com uma citação de Frost, inclusive, que Giffoni abre “A vida, a morte e outros penduricalhos”: “Posso resumir em três palavras o que aprendi sobre a vida: a vida continua”. Fazendo valer as palavras do romancista brasileiro Antonio Dimas, os contos de “A vida, a morte e outros penduricalhos” são como garras felinas de veludo, que, “quando você menos espera, as unhas retráteis aparecem e, logo depois delas, o risco na carne, o filetinho de sangue suficiente para incomodar”.

 
“A VIDA, A MORTE E OUTROS PENDURICALHOS”


• De Luís Giffoni
• Editora Patuá
• 188 páginas
• Lançamento neste sábado (4/5), às 10h, durante o Sempre um Papo, na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466, Lourdes, BH). Exemplares à venda por R$ 50, no local ou pelo site editorapatua.com.br

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