André di Bernardi *

Especial para o EM

 

O poeta e escritor Luiz Edmundo Alves lança no próximo sábado (1º/6) “O vinho que sobrou”, pela editora Quixote + DO. Ele tem uma dezena de livros e poemas também publicados nos mais importantes suplementos e revistas literárias. Mostra neste seu novo trabalho que sua lâmina poética continua afiada como nunca. Baiano de Vitória da Conquista, Luiz Edmundo graduou-se em psicologia, morou três décadas em Belo Horizonte e atualmente vive em Almenara, no Vale do Jequitinhonha.


Cabem na poesia de Luiz Edmundo Alves búzios que guardam o barulho do mar, ou seja, aquilo que liberta para o muito além da liberdade e da maresia, como também cabem nesse processo, nesse belo fazer literário, asfixias, cenas preciosas e únicas de alguns bairros de Belo Horizonte, bem como minúcias e doses do melhor vinho. Luiz Edmundo mostra que é possível fazer boa poesia a partir de um caderno de resquícios, por exemplo.


O livro traz poemas longos, mas como todos os bons poemas longos deveriam ser. Extensos de si mesmos, como é extensa a palavra desejo, signo que norteia de certa forma as intenções poéticas de Luiz Edmundo. A palavra, a fruta, o vinho, o signo desejo, quando o poeta mastiga – ou bebe – consoantes e vogais reunidas, como se do melhor vinho fossem elucidadas as gaivotas e as orquídeas sazonais. “A poesia apenas depura a dor aguda, /depura as fragilidades /depura as sutilezas da linguagem, /poesia é gesto de utilidade pessoal,/escudo de vento para as tragédias coletivas. Ou para amarguras.”


Febre

 

É sempre perigoso, será sempre sensível um poeta que sente entre febres e intempéries diversas, mas sem o peso de nuvens plúmbeas. As questões infinitas da memória também perpassam a poética de Luiz Edmundo, que foi um menino simplório, segundo ele próprio, que o bisavô esperava na porta da escola. Luiz Edmundo sabe que um poeta nunca diz tudo, mas o que tem de “precário” nesse “vazio” serve demais para a própria poesia, que se alimenta do próprio ar, do vasto vento, dentro de um furacão, do puro desejo de linguagem.


O signo do desejo perpassa e percorre e alucina todo o fazer poético. E o desejo é mesmo recorrente na poesia de Luiz Edmundo. Mas a palavra desejo modulada de linhas curvas, quando cada palavra, desejante e desejada, é dita e sonhada de forma diferente, mas sem, contudo, perder em termos de altura e larguezas.

 




Realidade rediviva

 


Pois bem, segundo Luiz Edmundo, frequentemente a imaginação dilacera a realidade. Sim, mas, contudo, a mesma imaginação serve e atua como o kintsugi japonês, que tece com fios de ouro a porcelana em frangalhos, tornando o artefato, a própria porcelana/realidade rediviva, tanto mais bela e mais valiosa dentro do tempo contínuo.


A poesia também serve para “remover as palavras daninhas do entorno da palavra adeus”. A meu ver, um dos versos mais lindos do livro de Edmundo Alves. Os livros são também “canteiros de papel”. O que fica dos amores findos, dos restos dos vinhos tintos, a língua retém para sim algum sentido? De todas a vivências, “um vislumbre de frutas”.


Sim, o desejo, esse “arder em perguntas”, como disse Antonin Artaud. Perdição, fome, sede é desejo. Se o absinto é sinônimo de céu, o vinho é sinônimo de espelhos. Quem bebe um poema lembra de si mesmo, nos melhores dias. Atua nisso tudo o desejo de que nossa ilusão permaneça, seja ela como for.


Cada poeta desenvolve ao longo do tempo um sistema de pontos e contrapontos, numa dialética diante do abismo da escrita. Beber do vinho que sobrou reúne num mesmo sorver passado e presente, a melancolia do fim e as possibilidades de inúmeros inícios.

 


Paralelas


Luiz Edmundo sabe lidar com as sutilezas da poesia com quem escreve com uma alegria própria e adquirida. O infinito dos poetas é feito de paralelas assimétricas. Por isso – talvez – a existência do vinho. O vinho sabe vestir o ambiente mais espúrio com o seu luxo prodigioso, já disse Baudelaire bem antes. E continua valendo a premissa. O vinho que sobrou dessa festa infinita prolonga o rubro das rosas. Portanto, diz Edmundo Alves, “vamos ouvir Sweet Dreams e beber o vinho que sobrou”. Quem sabe, sem avisar, surge a primavera de um belo livro de poemas?


Ainda e sempre, a fogueira do desejo. No último gole, a lembrança da festa anterior. Como já disse Gilberto Gil, “um copo vazio está cheio de ar”. A dialética, a dinâmica infinita da sede e da falta. O livro de Luiz Edmundo trata de temas como a pandemia, o amor, a solidão, a morte, o desamparo, a infância. É dele também “Fotogramas de agosto”, “Zuns zum zoom” e “Álbum de percepções”, dentre muitos outros.


Em tempo: para o bem da poesia, Luiz Edmundo deixou de ser abstêmio por um tempo em função do livro que está lançando.

 

 

André di Bernardi é jornalista, escritor, autor desete livros de poesia

 

CApa do livro O VINHO QUE SOBROU

reprodução

 

O VINHO QUE SOBROU
• Luiz Edmundo Alves
• Quixote + Do
• 103 páginas
• R$ 45
Lançamento: Dia 1º de junho, a partir das 10h30, na livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinh, 274, Savassi, BH)

 

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