Mirian Chrystus - Especial para o EM
Em 1975, Ano Internacional da Mulher, Branca Moreira Alves e outras feministas do Rio de Janeiro organizaram o Seminário da Associação Brasileira de Imprensa, "Pesquisa sobre o papel e o comportamento da mulher brasileira", considerado o marco inicial do feminismo da "segunda onda " como movimento político organizado no Brasil. Ele gerou muitos outros seminários, inclusive o mineiro "Mulher em debate", realizado no DCE da UFMG no mesmo ano. Em plena ditadura militar, foram discutidos nos dois eventos temas como o voto feminino no Brasil, contracepção, o Movimento Feminino pela Anistia, a participação da mulher no campo da ciência - todos abordados numa perspectiva crítica de esquerda. Celso Furtado, autoexilado em Paris, veio especialmente para o encerramento do seminário do Rio.
Os seminários do Rio e BH foram uma grande ousadia de jovens feministas: naquele mesmo ano o regime militar prendeu e matou por tortura o jornalista Vladmir Herzog nos porões da OBAN, em São Paulo.
Branca Moreira Alves é uma feminista histórica, atuando desde 1972, formada em História e Direito, com mestrado em Ciência Política e autora do clássico "Ideologia e feminismo: a luta da mulher pelo voto no Brasil".
Ela participa do Sábado Feminista, "Feminismo e política: conquistas, desafios e violência", neste sábado (15/6), juntamente com Marlise Matos, professora e pesquisadora do DCP-UFMG, coordenadora do Nepem UFMG - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher, que completa 40 anos em setembro. O evento é uma parceria da Academia Mineira de Letras, o Movimento Quem ama não mata e o Nepem UFMG.
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Quando fizemos uma entrevista, em 1977, para o jornal De Fato, de imprensa alternativa, você contou que se encontrou com Bertha Lutz na década de 1970. Qual foi a importância desse encontro?
Não só a "encontrei" como devo a ela o tema da minha tese, a luta pelo voto feminino no Brasil e o acesso aos arquivos e companheiras que moravam no Rio e que pude entrevistar. Ela me fez um apelo muito emocionado: "Alguém precisa contar essa história, porque nós não tivemos tempo ".
Você afirma na sua tese, que se tornou livro em 1980:" As mulheres são a grande massa silenciosa da História ".
Massa silenciosa porque as mulheres são afastadas da vida social, intelectual e política, mantidas pelos homens como seu terreno inato e de direito. Através dos séculos e nas diversas sociedades esse alijamento teve suas variações, em alguns momentos e locais foi mais proeminente, em outros menos, mas o lugar da mulher sempre foi menos influente e respeitado.
Na sua dissertação de mestrado para a ciência política, publicada em 1980, você afirma que liberais e conservadores do século XIX, no Brasil tinham a mesma concepção do que deveria ser o papel da mulher na sociedade.
A quase total unanimidade tanto dos opositores quanto entre os que apoiavam o voto feminino, usou do mesmo argumento da "natureza feminina" que seria terna e pura e de sua missão materna. Para uns, essa missão estava sempre em contradição com o exercício do sufrágio e da participação na vida política. Para outros, seria justamente por essa natureza que a sua participação contribuiria para a moralização da vida política.
Como as feministas brasileiras se organizaram estrategicamente para enfrentar essa resistência de liberais e conservadores?
Se você quer dizer as "sufragistas", elas também, como nos Estados Unidos, na Inglaterra, usaram desta mesma argumentação como estratégia para convencer o máximo de parlamentares. Era preciso andar na corda bamba porque dependiam do Parlamento para que votassem a lei ou a reforma constitucional necessária.
Em um determinado momento, você afirma: "o sufragismo sufocou o feminismo". O que isso quer dizer?
Havia diversas correntes de pensamento entre as sufragistas como as socialistas que questionavam as premissas religiosas, as que participavam de ligas anti-alcoólicas ou dos movimentos pacifistas, que tiveram de restringir suas demandas para se concentrar no principal, o direito ao voto, que lhes abriria a possibilidade de exercer maior influência através da participação política.
Pela ausência de rebeldia, de uma crítica mais ampla ao lugar da mulher na sociedade, o feminismo da primeira onda (pelo voto feminino e educação) é muito criticado pelos movimentos feministas contemporâneos.
Olhar o passado com os olhos do presente não é uma boa metodologia histórica.
Mas como você encara as críticas, especificamente fortes do feminismo negro, à ausência de defesa de pautas para a população negra na década de setenta?
Vejo como uma crítica que ignora a história daquelas décadas.
E o panorama geral e feminista, hoje, com a ascensão e fortalecimento da extrema direita no Brasil e no mundo?
Vejo como um enorme perigo, principalmente frente à influência das redes sociais com sua capacidade de multiplicação de notícias falsas criadas para se contrapor à argumentação respeitosa e baseadas em fatos comprovados.
Ainda há sentido para a existência do feminismo? Ou já estamos vivendo um tempo pós-feminista?
Parece que justamente diante do crescimento da influência da extrema direita, sempre bem financiada, faz-se cada vez mais premente a organização feminista. Nossos direitos estão sendo atacados e à medida que a influência do fanatismo político e religioso se faz mais forte, corremos o risco de ao invés de avançar, perder o que já foi alcançado.
A luta das mulheres, como afirmou a filósofa Juliet Mitchell, é a "mais longa de todas as lutas"?
Nos Estados Unidos foram exatos 72 anos, na Inglaterra, 60 anos. Isso sem contar as pioneiras através dos séculos que demandaram o direito ao voto e à educação. O direito à educação foi uma reivindicação sempre reiterada pelas pioneiras através dos séculos. Com razão, porque muitas vezes sequer era permitido às mulheres aprender a ler. Estudos superiores então raramente lhes foi permitido. Pensar que as Universidades de Oxford (1096), Cambridge (1209) e Harvard (1636) levaram, respectivamente, 9, 7 e 3 séculos, para permitir o ingresso das mulheres com direito a diploma. Em momentos diversos, ao longo do século XIX, elas puderam ingressar apenas como ouvintes e até prestar exames- mas não tiveram acesso ao mesmo diploma conferido aos seus colegas. Somente no século XX, também em diferentes momentos e em diversas carreiras, alcançaram a equivalência com seus colegas masculinos.
"FEMINISMO E POLÍTICA: CONQUISTAS, DESAFIOS E VIOLÊNCIA"
Com Branca Moreira Alves e Marlise Matos.
Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1466), dentro da programação do “Sábado feminista”.
Neste sábado às 9h30 (abertura dos portões) e 10h (início da palestra). Haverá venda de livros feministas pela Livraria Quixote e camisetas do Quem ama não mata depois da palestra.