Os números impressionam: 8.510.417,771 quilômetros quadrados marcam a extensão territorial do Brasil. 5.568 municípios, 203 milhões de habitantes em um território de dimensões continentais. Ao mesmo tempo, são dados superficiais e que não revelam a dimensão exata de um país de contrastes. Dentro do Brasil há de tudo e mais um pouco, principalmente quando falamos da desigualdade que atinge nossa população.


É nesse perfil que o economista Pedro Fernando Nery mira em seu livro “Extremos” (Zahar). Doutor em Economia do Meio Ambiente pela Universidade de Brasília, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e Diretor de Assuntos Econômicos e Sociais da Vice-Presidência da República, o autor visitou cantos do Brasil para ver de perto o que as planilhas analisadas em Brasília revelavam.


A conclusão é de que “temos toda a riqueza e toda a pobreza do mundo no Brasil”. “Esse é o tamanho da nossa desigualdade. Nossos ricos ombreiam com ricos americanos, chineses ou franceses. E nossos miseráveis pareiam com pobres congoleses, indianos ou uzbeques”, descreve o economista logo no início do livro.


A leitura vai além de um emaranhado de dados econômicos e começa, talvez, pelo maior contraste. Na região do bairro de Pinheiros, em São Paulo, o autor vai de encontro às pessoas mais ricas do Brasil. É lá que estão os “farialimers”, apelido dado pela internet aos que mandam em boa parte do capital brasileiro, frequentam a badalada Avenida de mesmo nome, recheada pelas maiores empresas e escritórios do país.

 




Pinheiros é o lar de quem paga menos imposto no Brasil. Em 2021 quem ganhava entre 15 e 20 salários mínimos pagava uma alíquota efetiva de 11% - o quanto se pagou de IR em relação à renda recebida -, enquanto quem ganhava 320 salários mínimos pagava somente 5%. Quem nasce nessa região, podemos dizer que tirou a sorte grande na loteria, uma teoria econômica que mostra que a trajetória de desenvolvimento está atrelada ao local de nascimento.


De Pinheiros viajamos junto ao economista para Ipixuna, um município do Amazonas, quase na divisa do Acre, acessível apenas pelo rio Juruá. O economista humaniza a mazela da população ao acompanhar a nova mãe da cidade, Thaynara - nome fictício de uma pessoa real - que resume: “Tudo é ruim em Ipixuna”, e revela que teve dengue, malária e covid durante a gestação. Tão isolado das cidades grandes, o município carece de tratamento adequado de esgoto, acesso à água, educação, saúde, e até corpo de bombeiros, cenário comum aos municípios da região. Podemos dizer que aqui, a nova criança teve azar na loteria.


É fácil pensar que o isolamento pela floresta amazônica inibe o desenvolvimento da cidade. Como crescer uma cidade que preserva 98% do bioma? Abrir rodovias, empreendimentos minerários e outras formas de extrativismo esbarra no dilema da conservação. Mas é pelas crianças que a literatura econômica mostra saídas inteligentes e o livro desenvolve uma linha de pensamento que valoriza as políticas públicas da primeira infância.


Em um país que nas últimas décadas criou e desenvolveu o principal programa de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família, o caminho talvez seja expandir a distribuição para os primeiros anos e melhorar as perspectivas de superar a pobreza ao longo da vida.


Segundo Pedro Fernando Nery, a pobreza é em parte um fenômeno etário. Em números absolutos, são cerca de 20 milhões de crianças e adolescentes vivendo abaixo da linha da pobreza, problema ainda mais grave na população negra e nas regiões norte e nordeste. É de se pensar que sem acesso a condições mínimas de desenvolvimento, a criança não vai conseguir superar a pobreza em que nasceu. Em Ipixuna, por exemplo, não há creches para crianças de 0 a 3 anos.


De volta a São Paulo, vamos ao bairro do Morumbi, o local com os maiores índices de longevidade. É lá em que banqueiros com patrimônios superiores a R$ 100 bilhões moram, é lá também a principal unidade do Hospital Albert Einstein. O bairro, no entanto, faz fronteira com Paraisópolis, uma das maiores favelas do país, e nos últimos anos tem se desvalorizado.

 


Estudos econômicos indicam uma estreita relação entre a renda e a longevidade. Ricos possuem mais acesso a equipamentos de saúde e, portanto, consomem mais saúde. Morumbi é o lar das maiores mansões e contrasta com o Mocambinho, na periferia de Teresina, no Piauí, bairro que registra a pior longevidade.

 

Lá o leitor se depara com a violência que assola os adolescentes e jovens adultos, mas também a alta mortalidade de bebês. Sem muitas perspectivas, as mães encontram dificuldades para encontrar emprego e dar uma vida digna aos filhos, ao mesmo tempo em que as opções são limitadas devido às altas taxas de criminalidade. Chegamos ao problema do patrimônio e do emprego.


No Brasil, grandes fortunas não são tributadas, mas o imposto sobre elas poderia estimular o crescimento se a arrecadação for direcionada para quem precisa. Ao mesmo tempo, locais subdesenvolvidos não atraem as empresas que poderiam gerar emprego para a população local, que cai na informalidade ou nas novas modalidades do que entendemos como ocupação.

 


Outros extremos citados no livro, expandem a discussão de renda, patrimônio, infraestrutura, emprego e saúde com novas variáveis. No Distrito Federal, por exemplo, temos a unidade mais rica da federação, com um número muito alto de servidores públicos e os principais cargos do funcionalismo elevando a renda média para patamares exacerbados. No Maranhão nós temos o estado mais pobre, com pouca diversidade econômica.


Em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, temos a cidade com o maior número de aposentados, enquanto em Severiano Melo, no Rio Grande do Norte, teve o maior número de beneficiários do Auxílio Emergencial na Pandemia. A desigualdade no Brasil é multifacetada. Ela não só abraça diferentes pessoas da estratificação social, como ela é resultado de uma equação com diversos fatores. Em entrevista ao Pensar, o economista Pedro Fernando Nery tentou esmiuçar essa equação.

 

Isolada no Amazonas, Ipixuna carece de infraestrutura e tem como principal acesso o Rio Juruá

Defesa Civil do AM/Divulgação

 

Você vai para lugares muito isolados como Ipixuna, ao mesmo tempo que também passeia por São Paulo. O que esses extremos te revelam sobre o Brasil?

 

Eu acho que os extremos mostram os abismos que a gente tem no Brasil. Um país que é referência de desigualdade no mundo. Os extremos revelam não só a desigualdade, mas um pouco de injustiça. É muito duro a gente aceitar que possa haver tanta prosperidade e tanta miséria convivendo em um mesmo território.

 


São extremos de desenvolvimento como a zona oeste de São Paulo, com a Avenida Faria Lima, até Ipixuna, que é um município na fronteira entre o Amazonas e o Acre. Em um lugar você tem todo tipo de consumo supérfluo e no outro você não tem os serviços públicos ou privados mais básicos, como as creches, saneamento básico, corpo de bombeiros, estradas.


E o livro vai seguir nessa pegada. A gente vê a prosperidade das mansões do Morumbi, o bairro que tem a expectativa de vida mais alta, até a desgraça que existe no Mocambinho, o bairro de Teresina que tem a expectativa de vida mais baixa, muito afetado pela mortalidade infantil, uma onda de criminalidade que mata os mais jovens.

 

Eu acho que os extremos que ajudam a gente a colocar rosto, ou pelo menos a desenhar essa realidade de uma forma mais enfática. Vamos dizer que ajuda a visualizar os números que a gente já se acostumou tanto a falar, eu acho que é importante a gente não perder o inconformismo e capacidade de indignação. Trazer essa história e escrever essa geografia, fazer esse perfil, pode ser uma provocação interessante ao leitor.


Eu tive muito a impressão que cada dupla de extremos dá os pilares da desigualdade do Brasil. Você consegue dizer qual é o principal gerador de desigualdade no Brasil hoje?


É difícil escolher uma coisa só. Acho que tem uma parte da desigualdade que é artificial, que é diferente da desigualdade que é gerada ou mantida pelo Estado, como um sistema tributário ruim ou um gasto público mal direcionado, com um desenho regulatório ruim de leis. Mas existe uma fonte de desigualdade que é quase como se fosse natural, uma desigualdade que vem das famílias, que vem da própria loteria.


Alguns de nós nascemos em famílias muito pobres que vão lidar com com muitas privações, desde o acesso a coisas básicas como água, ou coisas que também são tomadas como básicas, como a estrutura familiar, passando por muita exposição a violência e até doenças. Outros de nós nascem em um ambiente familiar mais estável, com acesso às creches, acesso ao estímulo de brinquedos ou livros. A gente precisa prestar atenção também para essa desigualdade que vem muito da escola, que vem das famílias com trajetórias e histórias diferentes.


Aqui nós temos chamado muito de políticas para a primeira infância. É algo relativamente moderno, ou novo do ponto de vista da ciência econômicas, porque a gente não prestava tanto atenção ao que acontecia dentro de casa ou nos primeiros anos de vida, e a gente sabe cada vez mais que isso importa tremendamente pro futuro das pessoas. Olhar com carinho para esses primeiros anos de vida é algo que a gente precisa fazer.

 

Parece que Ipixuna é um lugar que sintetiza muito essa loteria do nascimento, um lugar sem infraestrutura, muito pobre, ao mesmo tempo no meio da Amazônia. Como desenvolver um local tão isolado e dentro deste dilema da preservação ambiental?


Essa é a pergunta fundamental. Eu acho que existe uma certa preguiça da gente enquanto sociedade em lidar com o sistema da pobreza na Amazônia. A pobreza no Norte do Brasil tem a mesma intensidade que tem no Nordeste, por exemplo, e a gente não costuma discutir muito dessa forma. Existem respostas simples, por isso eu digo preguiçosas, relacionadas a esse problema que é a dificuldade que a gente tem de desenvolver em uma área do planeta que a gente quer preservar por conta das mudanças climáticas. São respostas como 'vamos desenvolver a biodiversidade, vamos desenvolver o turismo', e me parece que isso sozinho não tem a possibilidade de trazer renda para 30 milhões de pessoas.


Acho que são duas possibilidades que a gente precisa focar. Uma é a transferência de renda. Nos últimos anos houve avanço grande nesse conceito de transferência de renda por meio do Bolsa Família, mas talvez olhar para algum critério verde, premiar municípios que preservam mais a floresta, gerar pressão sob os prefeitos e gestores para que preservem e, de certa forma, indenizar as famílias que vão viver em um lugar isolado e que não pode se desenvolver, porque no final a gente precisa cuidar do clima e beneficiar não só o Brasil, mas o planeta como um todo. A segunda questão, é que pode ser até algo um pouco sensível, é pensar o que nós faríamos na mesma situação. O que uma pessoa como eu, como o leitor, faria se fosse parar em um lugar como Ipixuna? A resposta é migrar. Faz parte da trajetória das famílias brasileiras e faz parte do desenvolvimento de países que cresceram muito nos últimos anos, como a China, é a migração para as cidades mais prósperas.

 

Acho que a gente precisa preparar as cidades grandes para receber uma parte da população que mora em áreas inviáveis, tanto por conta dos efeitos diretos das mudanças climáticas, como o sertão do Nordeste, quanto pelos esforços necessários para combater a mudança climática que seriam as cidades da Amazônia. Se eu tivesse com a minha família em lugar como esse, eu ia buscar ir para uma cidade maior, com mais infraestrutura. Eu acho que a gente precisa ser generoso nesse sentido e preparar as nossas cidades maiores para acolher essa população.

Mapa do economista Pedro Fernando Nery

reprodução


É claro que não se trata de esvaziar uma cidade como Ipixuna, porque as pessoas vão nascer ali, mas passa um pouco sobre o que você fala do fator habitação? Preparar a cidade para receber uma massa de pessoas novas é também uma questão de moradia, de imóveis desocupados?


Eu acho que sim. Belo Horizonte é um exemplo conhecido pela ociosidade. Isso é [um problema] muito grande do ponto de vista econômico, e também social, você ter imóveis subaproveitados. Sejam aqueles já construídos que estão com poucas pessoas, ou terrenos em que moram apenas uma família. É claro que a gente passa por quem quer ter apenas uma única casa no terreno, mas a gente não pode priorizar esse tipo de habitação no centro das grandes cidades onde estão as oportunidades de emprego e educação. Quando a gente olha onde foi o crescimento econômico dos últimos anos, nas últimas décadas, conseguimos ver que foram nos países asiáticos que não tinham muitas restrições nas regras de construção das suas cidades.


Esse é um debate bem importante para a eleição municipal deste ano. O livro convida um pouco o leitor também a pensar em desigualdade não só do ponto de vista do Governo Federal, mas também para outras esferas do governo. Um prefeito, por exemplo pode fazer uma diferença enorme, e também o vereador, quando a gente considera que está sobre o guarda-chuva dele as políticas de creches e as políticas de zoneamento urbano, de plano-diretor, a gente tem aprendido cada vez mais que isso tem um impacto espetacular sobre a trajetória de vida das pessoas. Faz uma diferença muito grande morar perto não só do emprego e serviços, mas de outras pessoas que são mais prósperas que você, e assim aprender hábitos e comportamentos diferentes.


No Maranhão você visita o programador Victor. Nascendo em um lugar isolado, com dificuldades de infraestrutura, acesso à internet, equipamento, ele precisa mudar. Qual o peso da perda de talento na propagação da desigualdade?


Eu acho que esse é um exemplo que ilustra não só como a desigualdade aumenta quando os talentos são prejudicados, mas como a economia perde também. Essa é a história de um menino chamado César, no livro dos personagens são anonimizados, mas ele me pediu para poder falar o nome dele, ele quer dar nome a história.

 

Ele é um garoto que viralizou na pandemia a pandemia, e que nos últimos anos estava vivendo no povoado de Livramento, uma área muito pobre do do Maranhão, e tinha esse interesse grande na programação. Ele não pensava que trabalharia com isso, mas tinha quase essa obsessão. Ele programava a partir de celulares, não tinha computador, mas também não tinha dinheiro para comprar celular, usava aparelhos usados e quebrados que estavam na assistência técnica.


Eventualmente as pessoas conhecem ele na internet, ficam impressionadas com essa história e vão ajudar ele a conseguir se inserir nesse mercado, e ele vai ser um profissional disputado por várias empresas e morar em uma grande cidade. Ilustra como uma pessoa muito talentosa, muito esforçada, pode não se desenvolver plenamente porque ela simplesmente nasceu no lugar errado. Às vezes acham que faltou esforço das pessoas, mas esse é um caso que ilustra bem como isso pode não ser verdade. Mais do que isso, ilustra como todos nós perdemos com a desigualdade. A desigualdade é uma forma ineficiente de organizar a sociedade.

 

O caso de César, ou Victor, mostra como a gente quase perdeu um programador brilhante, mas como ele tem muitas outras pessoas por ai, meninas que poderiam ser médicas e que cuidaram dos nossos doentes, cientistas que poderiam encontrar a cura para para problemas que a gente enfrenta, ou grandes empresárias, engenheiras, artistas. A gente precisa pensar a desigualdade não só como algo errado do ponto de vista ético, mas como uma distorção para o nosso próprio processo de crescimento econômico.

 

Trazendo um pouco para o nosso atual contexto, você vê no horizonte uma reforma do imposto de renda e, finalmente, a tributação das grandes fortunas?


Eu sou otimista quanto a possibilidade do Brasil tributar mais a renda. Eu acho que existe um slogan que deve ser colocado, a exemplo da campanha eleitoral, que era "incluir o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda". Acho que o pobre de forma contundente foi incluído no orçamento, e já houve um esforço para incluir o rico no imposto de renda.


A Câmara aprovou, em 2023, mudanças na tributação das offshore (fundos de investimento no exterior), por exemplo, mas faltam medidas mais contundentes, como a tributação de lucros e dividendos. Eu acho que esse será o próximo grande passo da reforma tributária, depois que a regulamentação da reforma do consumo for discutida. Eu acho que existe espaço para otimismo quando a gente pensa que nos últimos anos fizemos muita coisa que se imaginava que não seria possível, por exemplo, pactuar uma reforma da Previdência, ampliar as transferências de renda com o Bolsa Família.

 

Eu acho interessante lembrar que no governo anterior chegou a se discutir uma tributação da renda dos mais ricos, embora ela não tenha sido discutida até o final, então, eu acho que a sociedade está está madura, até porque a gente tem um problema de desequilíbrio fiscal. Se a gente tem déficit, a gente quer controlar a dívida, para onde a gente vai? Já reformamos a previdência, o funcionalismo dá uma apertada com a questão dos reajustes, vamos deixar quieto o caro que ganha R$ 8 milhões e não paga imposto de renda sobre esses recursos?


Como você avalia a reforma tributária sobre o consumo nesta ótica da desigualdade?


É uma reforma muito boa, embora o aspecto dela sobre a desigualdade não seja fácil de entender numa primeira vista. Ela ajuda muito os mais pobres no combate à desigualdade ao propor a uniformização das alíquotas. Hoje, o consumo de mais pobre é mais tributado do que o consumo dos mais ricos, e existe também uma injustiça na forma como os recursos são partilhados entre os estados. Agora, pouco a pouco, os estados mais pobres vão receber mais. A gente chama muita atenção na proposta de regulamentação da reforma tributária enviada nesse mês de abril pelo governo, é o tal do cashback que está vindo com muita força.

 

Ele vai afetar cerca de 70 milhões de pessoas, vai devolver integralmente o imposto pago sob o gás de cozinha, deve vir metade automaticamente para conta de luz e água, 20% para outros produtos, inclusive sob produtos de supermercado. Pode ser que nos próximos anos, quando a gente estiver discutindo política social no Brasil, a gente não fale mais só sobre o Bolsa Família, mas comece a falar mais sobre os CashBacks. A gente tá caminhando para fazer um esforço não só para tributar mais os mais ricos, mas também de devolver parte do que os mais pobres já pagam sem perceber.


Hoje o Bolsa Família é uma ferramenta para elevar o patamar social das pessoas?


Com certeza. Eu acho que existe um mito muito grande de que não existe porta de saída no Bolsa Família, de que as pessoas ficam acomodadas, mas a gente percebe que a porta de saída se dá pela criança. Uma criança que tá passando fome ou tendo doenças cronicamente por falta de acesso à água potável, ela não vai se desenvolver adequadamente, ela vai chegar na escola com com vários atrasos nas suas habilidades cognitivas e não cognitivas, ela não vai ser o melhor aluno, ela não vai chegar bem formada no mercado de trabalho. Então, com essa população de base, seria muito importante a gente ver que cerca de 80% da primeira geração de beneficiários do Bolsa Família, que recebiam o programa quando eram crianças, não recebem mais o benefício depois que ficam adultos.


E mesmo para o adulto, você pode ter um empurrão para entrar no mercado de trabalho. Sabemos que tem gente que é tão pobre que não tem dinheiro para pagar uma passagem de ônibus para ir ao centro entregar currículo, às vezes não teve dinheiro para imprimir o currículo, às vezes não tem dinheiro para ter um sapato apresentável. Por isso que algumas evidências mostram que pessoas que recebiam transferência de renda passaram a entrar no mercado de trabalho.

 

Às vezes a pessoa está em uma privação tão grande que ela não consegue nem fazer o planejamento básico de que hoje vai procurar emprego, como vai procurar emprego, porque está preocupada em conseguir comida para amanhã. Agora, a gente sabe também que houve um aumento substancial no valor pago pelo programa, e pode ser que essa evidência comece a mudar nos próximos estudos. O valor médio pago pelo Bolsa Família era de R$ 200 antes da pandemia, e agora está na média de R$ 600/700.

 

Acho que seria até natural que com a ampliação do valor desse benefício haja alguma mudança no comportamento dos beneficiários em relação à busca de emprego. Mas de uma forma geral, a diferença do Brasil para outros países é um programa social bastante vitorioso, na verdade a gente deveria não querer reduzir o Bolsa Família, mas quer ter outras políticas públicas que sejam tão boas quanto ele.


A educação é um fator muito citado no livro. Como você avalia os rumos dela no Brasil?
Uma das principais mudanças em relação ao governo anterior e ao atual governo é justamente na educação. Se tem o programa pé de meia e os ajustes no novo ensino médio que estão voltados para permanência desse jovem no ensino.

 

A gente observa uma piora desde a pandemia na permanência no antigo segundo grau e a gente vê que boa parte, por exemplo, dos jovens adultos negros não terminaram o ensino médio, isso é muito ruim para o país. É necessário realmente cultivar esse tipo de política. O Ministério da Educação está também com um programa de escola em tempo integral, o que ajuda na formação dos alunos.


O que eu queria destacar, também, em relação à educação é que a gente não pode esquecer que uma parte importante do sistema educacional está no município, que é responsável pelas creches. Embora a gente que está fora da educação tende a não pensar tanto na creche, é justamente aí que a ciência econômica tem mostrado maiores retornos para a sociedade. É relativamente barato construir e manter a creche, e tem um impacto tremendo na vida das pessoas, não só porque a mãe passa a poder trabalhar, mas se tem uma criança que estaria sendo mal cuidada, largada em casa, passar a poder ser estimulada, bem nutrida e ter acesso a brincadeiras de qualidades. São resultados bem impressionantes da literatura internacional e nos últimos anos muitos países estão se voltando para isso e dedicando uma parcela maior do seu orçamento para algo parece relativamente simples e dissociável das questões da economia, mas que não é.

 

Capa do livro "Extremos - Um mapa para entender as desigualdades no Brasil"

reprodução

 

“Extremos - Um mapa para entender as desigualdades no Brasil”
•De Pedro Fernando Nery
•Editora Zahar
•368 páginas
•R$ 119,90 (R$ 39,90 - ebook)

 

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