Rogério Faria Tavares
Especial para o EM
Apelidado pelo cronista Rubem Braga de “mineiro do litoral”, Wilson Figueiredo chega aos cem anos, em 29 de julho, como um dos decanos da imprensa brasileira (ao lado do professor José Mendonça, nascido em 1917). Nascido no município de Castelo, no sul do Espírito Santo, Figueiró – como o chamava Hélio Pellegrino – veio ainda criança para Minas, onde morou em Raul Soares, Divinópolis, Montes Claros, Uberaba e Belo Horizonte. Nos quatorze anos em que residiu na capital, a partir de 1943, preparou-se para o vestibular de Medicina – que não chegou sequer a tentar – e começou o curso de Letras Neolatinas, sem concluí-lo.
Fisgado pelo jornalismo, por indicação de Carlos Castelo Branco trabalhou como redator e tradutor na Agência Meridional, então do Estado de Minas. Também atuou como secretário na Folha de Minas, substituindo Jair Rebelo Horta, e foi um dos idealizadores da revista “Edifício”, que circulou em quatro números ao longo do primeiro semestre de 1946, dando nome à geração a que também pertenceram Autran Dourado, Francisco Iglésias, Octávio Mello Alvarenga e Sábato Magaldi.
Encorajadas pelo amigo Mário de Andrade, suas incursões pela poesia renderam dois livros: “Mecânica do azul”, de 1946 (com capa de Burle Marx e prefácio de Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde), e “Poemas narrativos”, de 1948, ambos depois renegados por Figueiredo, que tratou de recolher rapidamente os exemplares disponíveis, desistindo de vez de viver para os versos, embora admita haver escrito outros, ao longo da vida, que jamais se animou a divulgar.
Sua opção pela carreira na imprensa consolidou-se em 1957, com a mudança para o Rio de Janeiro, onde vive até hoje. Com passagens pela Última Hora e por O Jornal, foi mesmo no Jornal do Brasil que trilhou a maior parte de seu percurso, testemunhando momentos marcantes da história do JB, como a importante reforma gráfica e editorial de 1959, iniciada por Odylo Costa, filho, Jânio de Freitas e Amílcar de Castro. Foram 45 anos de casa. Repórter, editor, colunista, cronista, editorialista e diretor, há pouco tempo começou a reunir alguns de seus textos em livros. O primeiro, de 2015, intitulado “1964: o último ato” (Gryphus, 184 páginas), traz artigos publicados meses antes e logo depois do golpe civil-militar, em uma reconstituição do ambiente político e social da época. O segundo, lançado um ano depois, “De Lula a Lula – a arte de montar governos com palavras cruzadas” (Gryphus, 128 páginas), é uma seleção do que o autor escreveu ao longo dos dois primeiros mandatos do presidente Lula, entre 2003 e 2010.
O terceiro, de 2018, é o que oferece aos leitores os saborosos perfis que Figueiredo traçou de personalidades nascidas em Minas Gerais. “Os mineiros – modernistas, sucessores & avulsos” (Gryphus, 218 páginas) tem prefácio de Humberto Werneck e focaliza nomes fundamentais da cultura do estado como Afonso Arinos, Drummond, José Aparecido de Oliveira, José Maria Alkmim, José Maria Rabelo, Marco Antônio Tavares Coelho, Orlando de Carvalho e Pedro Nava, entre outros.
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A edição ainda inclui as lembranças do jornalista sobre a Belo Horizonte de Hilda Furacão, personagem de Roberto Drummond, e seu depoimento sobre a revista que ajudou a fundar, em meados da década de quarenta: “Em 1946, como a democracia não trouxe de volta suplementos literários, sem ter onde publicar o que queria escrever, o excedente de vocações e a escassez de veículos literários levaram alguns a apostar na criação de uma revista. Foi a primeira pedra na construção. Discussões vararam noites. Não custava mais do que fé e iniciativa. Não é preciso citar nomes. O estado de espírito é o que importava. Ninguém pode explicar até hoje como foi possível conseguir contribuição de empresas para editar a revista, planejar cada edição, encomendar artigos, cobrá-los dentro do prazo das tipografias. O fato foi que os quatro números da revista resumem os últimos anos da juventude e os primeiros da vida adulta, cujo marco era o ingresso na universidade”.
Sua opção pela carreira na imprensa consolidou-se em 1957, com a mudança para o Rio de Janeiro, onde vive até hoje. Com passagens pela Última Hora e por O Jornal, foi mesmo no Jornal do Brasil que trilhou a maior parte de seu percurso, testemunhando momentos marcantes da história do JB, como a importante reforma gráfica e editorial de 1959, iniciada por Odylo Costa, filho, Jânio de Freitas e Amílcar de Castro. Foram 45 anos de casa
Rogério Faria Tavares é jornalista, doutor em Literatura e presidente Emérito da Academia Mineira de Letras
Sobre o ‘Figueiró’
Depoimentos de amigos e colegas de Wilson Figueiredo
Pique juvenil, simpatia e memória portentosa”
Humberto Werneck
(jornalista e escritor)
“Impressionou-me, de saída, seu pique juvenil, associado a uma portentosa memória, para não falar do bom humor, da simpatia e da generosidade, nem sempre encontradiça entre profissionais de imprensa, com que ele se abria em revelações, derramando histórias, aspas, pormenores, bastidores saborosos e, aqui e ali, opiniões cristalinas”.
“Mais sardônico do que cáustico”
Sérgio Augusto
(jornalista e escritor)
“Da mítica turma de intelectuais que puseram Minas no mapa do folclore literário, Figueiró foi o primeiro de quem me aproximei. Fomos colegas de redação em duas oportunidades, ambas na remotíssima década de 1960. A primeira vez na revista O Cruzeiro, quando Odylo Costa, filho, encarregado de submetê-la a uma reforma geral, montou uma equipe da qual, além de Figueiró, faziam parte Carlos Heitor Cony e Ziraldo. Wilson era meu chefe direto, mas nem parecia. Tinha a idade de minha mãe e logo me adotou como seu fiel escudeiro nas andanças que com frequência nos levavam ao Centro do Rio, sempre a se queixar dos artigos semanais que, horas depois, teria de escrever como ghost writer do dr. Britto, dono do Jornal do Brasil, nosso segundo teto em comum. Muito inteligente e divertido, mais sardônico do que cáustico, volta e meia gozava minha cinefilia, como se mais nada, a não ser ver filmes, me interessasse na vida.”
“A comemoração e um enigma”
Silviano Santiago
(escritor e ensaísta)
“Estamos comemorando o centenário do poeta e jornalista Wilson Figueiredo, que faz parte de uma notável geração de intelectuais mineiros. Outros grandes amigos meus, o romancista Autran Dourado, o historiador Francisco Iglésias e o poeta Jacques do Prado Brandão, foram seus companheiros na Belo Horizonte administrada pelo prefeito Juscelino Kubitschek. Todos eles – tendo ao lado a contista e musa Vanessa Neto – cresceram na luta contra a ditadura Vargas e o nazifascismo. E alimentaram o bom gosto literário com o fascínio pela poesia do conterrâneo Carlos Drummond de Andrade. Não é por casualidade que, terminada a ditadura e a guerra, os jovens intelectuais fundam a revista de nome ‘Edifício’. Já no título marcavam a presença do admirável poeta com dois dos seus versos geniais: “Que século, meu Deus! Diziam os ratos / E começavam a roer o edifício”. A revista Edifício lança nacionalmente o grupo mineiro. Wilson, talvez poucos saibam, publica então dois livros de poemas, ‘Mecânica do azul’ e ‘Poemas narrativos’, elogiadíssimos pelos críticos literários nos jornais e revistas da época.
De repente, o Wilson para de escrever poesia. Casa, muda-se para o Rio de Janeiro e passa a se dedicar full time ao jornalismo político. Torna-se um conselheiro, árbitro e mestre nas páginas do Jornal do Brasil. Seus antigos leitores, também apreciadores dos belos poemas do amigo Bueno de Rivera (sim, o do ‘Guia de Belo Horizonte’) passam a entoar o estribilho da canção de Moraes Moreira: “Por que parou? Parou por quê?”. Ao partir para a África, o genial poeta Arthur Rimbaud lega também esse enigma aos admiradores”.
“Alma e cabeça de jornais e revistas”
Ivan Angelo
(jornalista e escritor)
“Wilson Figueiredo, mineiro que veio de terras altas capixabas sopradas por ventos marinhos, desenvolveu seus talentos nos mais de trinta anos que morou em Minas, principalmente em Belo Horizonte; no convívio com os águias das montanhas, águias da política e das letras, aprendeu suas melhores mágicas e voltou para os ventos marinhos, agora do Rio de Janeiro, onde aplicou nas artes do jornalismo a audácia reformadora de um Juscelino Kubitschek, a sagacidade política de um José Maria Alkmim, o humor sutil de um Milton Campos e a resiliência calculada de um Tancredo Neves. Wilson, o Figueiró, foi alma e cabeça dos jornais e revistas por onde passou.”
Elogios ao poeta bissexto
O escritor Paulo Mendes Campos comenta os poemas de “Mecânica do azul”
“Há uma certa ‘decomposição’ nos poemas de “Mecânica do azul”, uma desordem propositada que vem a ser a constante da técnica de Wilson Figueiredo. O poeta não compõe os elementos com que faz esses poemas, pelo contrário, procura decompor um pensamento, um estado de espírito, uma situação emotiva. Nesta libertinagem técnica residem as fraquezas e os encantamentos de “Mecânica do azul”. Numa espécie de metafísica às avessas, Wilson Figueiredo parte do espírito para a matéria. Sua poesia está cheia de ‘coisas’, não havendo nela, porém, o ‘cotidianismo’ dos objetos familiares e sim uma náusea infinita do que é familiar”.
‘Figueiró’ sobre os outros
Trechos do livro “Os mineiros – modernistas, sucessores & avulsos”, de Wilson Figueiredo, coletânea de textos publicados pelo jornalista em jornais, revistas e livros entre 1952 e 2010
Sobre Afonso Arinos “O senador Afonso Arinos ativa a memória, mas não cede ao saudosismo. A voz não se altera. Trata-se de homem que não praticou esportes e sobre quem as multidões festivas exercem efeito inibidor. Não frequenta estádio de futebol, não brinca o carnaval, nem o atraem as praias. Não cumpre atividades sociais, exceto as indispensáveis no âmbito familiar. A sombra da doença, que lhe marcou a mocidade, ensinou o repouso, e os livros se tornaram inseparáveis no exercício da paciência requerida. Fruição completa das manhãs e nenhuma vivência noturna, fórmula correta para chegar aos 60 anos não apenas parecendo ter vinte a menos, mas pensando e agindo como um homem de 40 anos.”
Sobre Pedro Nava “Proust aberto ao acaso (depois de uma leitura completa), todas as noites, anos a fio, o ensinou a nadar na corrente da memória. De Machado de Assis apenas a admiração tardia – quando a sua influência desbastadora não mais prevaleceria – e um sentimento crítico. Muito de Eça de Queiroz, devoção inconfessável, por estar proscrito quando fez sua iniciação literária. Também todas as noites, antes de Proust, “Os sertões”, que Virgílio de Melo Franco lhe passou bem cedo e que foi para ele ‘o que a Bíblia é para os protestantes’”.
Sobre Paulo Mendes Campos “Era literariamente ambidestro. Poesia e crônica de Paulo Mendes Campos brotavam da mesma fonte pessoal e corriam em leitos separados, mas paralelos. Encontravam-se nele, não no infinito. Em verso ou em prosa, dispensava estímulos, com as exceções dos que dividiam com ele a intimidade literária. Bom de verso e de prosa, fosse escrita ou propriamente dita (a forma oral). Gostava de ouvir sem abdicar da segunda natureza do mineiro que, com a arte de contar casos, vai resistindo bravamente à televisão, sem prejuízo da qualidade”.
Sobre Hélio Pellegrino “Hélio foi mais do que poeta, psicanalista e ensaísta. Foi um ser humano especial. O tempo vem ressaltando no morto o ser humano extrovertidamente tímido, mas destemido, como ele foi conforme a necessidade. Gestos largos, nenhum vestígio de inveja. Incapaz de desejar mal a um inimigo, se é que teve algum. Concorria com ele mesmo. Viveu numa terceira dimensão.”
“Os Mineiros: modernistas, sucessores & avulsos”
• Wilson Figueiredo
• Gryphus
• 220 páginas