Uma voz, muitas vozes. Apesar da largada idêntica, uma morte violenta somente esclarecida nas últimas páginas dos livros, são bem diferentes os dois mais recentes romances lançados no Brasil da argentina Claudia Piñeiro. Em “Elena sabe”, finalista do International Booker Prize, há apenas uma narradora e é com as ações, digressões, hesitações e impressões dela que seguimos do início ao ponto final. Já em “Catedrais” a narrativa se fragmenta nas vozes de sete personagens. Em ambos, porém, prevalece o assombro com o pleno domínio que a escritora, nascida em Buenos Aires em 1960, possui de seu ofício.
Como fez a Nobel de Literatura Olga Tokarczuk de forma notável em “Sobre os ossos dos mortos”, Claudia Piñeiro insere elementos inerentes ao romance policial – um crime, uma investigação, uma resolução – apenas como plataforma de mergulho na psique humana. Seus livros não têm detetives ou oficiais como protagonistas.
São protagonizados por mulheres que, impactadas pelas mortes trágicas de pessoas próximas, procuram justiça. Ou, se não houver justiça, que elas encontrem a verdade, como dizia o escritor argentino Rodolfo Walsh (1927-1977), de “Operação massacre” (citado em “Betibu”, outro livro de Piñeiro publicado no Brasil). “Posso me colocar no lugar dessas mulheres para caminhar com elas”, diz, em entrevista ao Pensar.
Os dois livros de Piñeiro que chegaram ao Brasil em 2024 são exemplos da versatilidade e desenvoltura da escritora. A narrativa coral de “Catedrais” alterna as vozes de sete personagens envolvidos, direta ou indiretamente, na morte violenta de uma adolescente.
Os múltiplos pontos de vista reforçam, ou desfazem, laços familiares (“Minha família é a cicatriz deixada por um assassinato”, diz um dos personagens) e desnudam as hipocrisias das imposições de dogmas. É um livro muito bem arquitetado, com frases de impacto (“Já faz trinta anos que não acredito em Deus” abre o primeiro capítulo), nem um pouco reverente a instituições como a família e a religião, dedicado “aos que constroem sua própria catedral, sem deus.”
Uma mulher sob obsessão
“Elena sabe” impressiona ainda mais. Escrito do ponto de vista de uma mãe que conta o tempo nos comprimidos ingeridos para mitigar os efeitos da Doença de Parkinson, narra a obsessão dessa mulher para esclarecer a morte da única filha na igreja que costumava frequentar.
Perturbador e muitas vezes aflitivo, o livro traz questionamentos (“É possível ser algo sem um corpo que obedeça?”) sobre as limitações inevitáveis trazidas pela idade enquanto avança, sutilmente, nas ambiguidades da relação entre mãe e filha mediada pela fé. E tudo isso em uma narrativa sem diálogos e de poucos parágrafos, como se estivéssemos na cabeça dessa mulher exasperada. Sufocante e brilhante.
“Minha mãe tinha a mesma doença que a protagonista, um Parkinson muito grave, e ela sempre preferiu continuar vivendo”, revela a escritora, que dedicou “Elena sabe” à mãe, Maria Josefina (“Mas todos nós, até as crianças, a chamávamos de Cuca.”).
“Das coisas que minha mãe me ensinou, que foram muitas, valorizo o humor. Mamãe tinha uma risada muito contagiante e um senso de humor fino e ácido. Então, diante de qualquer adversidade, acabávamos rindo e isso aliviava muito as situações. E teve uma vontade de viver até o último minuto.”
Claudia Piñeiro participou, na última semana de maio, da Feira do Livro, em São Paulo, e também visitou livrarias na capital paulista. “Vou ao Brasil regularmente com a minha família, mas fazia muito tempo que eu não ia a trabalho. Foi muito bom participar da Feira de São Paulo, com curadoria e mesas bem interessantes. Gostei especialmente de conhecer pessoas do mundo literário brasileiro, como os meus editores e editoras da Primavera e Morro Branco, livreiros e escritoras como Andrea del Fuego, Carla Madeira, Natalia Timerman, Tatiana Salem Levy... Foi incrível a quantidade de bons autores e autoras que encontrei. O excesso de bagagem que eu trouxe foram livros para ler com muito entusiasmo”, conta Piñeiro, já de volta a Buenos Aires.
O livro mais recente da escritora, “Escribir un silencio” (Alfaguara), reúne artigos e conferências e ainda não foi publicado no Brasil. Entre os textos, uma descrição dos instantes em que ela se sentiu incapaz de trabalhar, procurou um hospital e descobriu que acabara de ter uma trombose. “Meu corpo se cansou de enviar sinais que eu não vi até que, inteligentemente, mandou um que sabia que eu não poderia ignorar: não conseguir escrever”, contou no artigo.
“Você acha que vão mudar muitas coisas na sua vida e depois, na verdade, não muda tanto assim. Às vezes há uma fantasia sobre o que vai acontecer depois de uma situação traumática e o que realmente acontece”, compara ao Estado de Minas. “A finitude da vida é um limite. Escrever é apostar na fantasia de que, mortos, ainda estaremos vivos”, reflete no livro.
Entrevista/Claudia Piñeiro
“Escrevo sobre mulheres com conflitos reais”
Escritora argentina revela a imagem que a levou a escrever o livro “Catedrais”, conta como se inspirou em igrejas evangélicas brasileiras para criar a série “Vosso reino”, comenta a associação entre religião e política em seu país e lembra: “No começo, a única coisa que há são palavras e linguagem”
Como surge “Catedrais”?
Como em todos os meus romances, aparece na minha cabeça uma imagem. Deixo essa imagem persistir e que os personagens comecem a se mexer, a conversar, a ver o que há naquilo. No caso de “Catedrais”, a imagem era de uma jovem que entra molhada em uma igreja, senta-se no último banco e espera um consolo que não recebe.
Deixei essa imagem macerar na minha cabeça por um tempo. Aí apareceu uma amiga que a acompanhou e comecei a pensar: ‘Quem era a família dessa menina?’ Imaginei, então, uma família muito católica. A partir desta família, pude responder à primeira pergunta.
“Catedrais” possui diferentes narradores e pontos de vista. Já “Elena sabe” é narrado sempre pela mesma personagem. O que surge primeiro em seus romances? A história, os personagens ou a estrutura narrativa?
Embora o ponto de vista e o narrador sejam as primeiras coisas que eu tento definir, a estrutura narrativa também é algo que eu penso no início da escrita, me parece que é algo parecido com o que sustenta um prédio. Não precisa estar aparente, mas tem que sustentar tudo o que está na história. Muitas vezes me deparo com livros que são muito bons e que depois desmoronam porque a estrutura narrativa não foi bem pensada. Parece-me que se deve ter em mente a estrutura narrativa antes de começar a escrever. Para não ter de modificar tudo à medida em que se escreve.
Como eu disse antes, a primeira coisa que surge, a imagem desencadeadora, é como uma semente. Quando a ‘imagem-gatilho’ aparece e eu começo a ver esses personagens, entender o que é o conflito etc., passo muito tempo pensando no ponto de vista do narrador e na estrutura, nas três coisas. Mas até eu definir quem é, qual vai ser o ponto de vista do narrador, não posso começar a escrever. Isso aconteceu comigo com “Catedrais” e fez com que demorasse muito para começar.
Eu ficava de personagem em personagem pensando no que ele teria para contar. “É Lia”. Então eu dizia: “Não, é melhor para Julián contar.” E fui indo assim até perceber que tinha de ser uma narrativa coral. Cada um deles conta o que eles sabiam sobre a história de Ana, mas não só por uma questão de ponto de vista, mas também do crescimento da personagem.
Porque dar a cada um deles a oportunidade de falar na primeira pessoa também dá a eles a possibilidade de assumir a parcela de responsabilidade que tiveram no que aconteceu com Ana. Exceto Mateo, que é um menino que nasceu mais tarde, todos os outros tiveram ou sentiram, ou não se sentiram, responsáveis em relação ao que aconteceu com Ana.
Qual a diferença fundamental da escrita literária para a narrativa audiovisual?
Na escrita literária eu sinto mais liberdade, por assim dizer. Quando você escreve para o audiovisual em geral, é para alguma plataforma ou para ir ao cinema ou para certas coisas que limitam essa liberdade. No cinema e no streaming existem um orçamento e certas regras de como você tem que desenvolver uma história.
Então, mesmo que você decida violar esses princípios, tem de conhecê-los e justificar por que decidiu fazer algo diferente. Na literatura há muito mais liberdade. Mesmo que, quando se começa a escrever, como já disse Amos Oz, você delimita o universo narrativo. Mas não são as circunstâncias, como o orçamento do filme ou da série, ou aqueles que vão rever seu texto, que vão estabelecer os limites. Então sinto que, pelo menos no meu caso, tenho muito mais liberdade quando escrevo literatura.
Acho que o audiovisual, como é produzido hoje, tem regras um pouco mais rígidas de como fisgar um espectador para que ele não mude imediatamente, ou que ele não abandone, quantas pessoas assistem a uma série (inteira), quantos minutos assistem (de um episódio), em qual episódio elas param de assistir... Essas regras não existem e não funcionam na literatura. Felizmente a literatura não pode ser organizada com as regras do audiovisual.
Muitas vezes existem coisas na linguagem (literária) que podem te atrair, independente do fato se os personagens não aparecem imediatamente. Na série de imediato você vê um personagem: o rosto dele, como ele se move, o que ele faz... Assim, em três minutos, você entendeu quem é aquele personagem. A literatura demora mais para dizer quem é aquele personagem porque tem o recurso e a riqueza da linguagem.
Como em “As ruínas circulares”, de Borges (conto do escritor argentino). Ou na abertura de “Anna Karenina”, de Tolstói, que começa dizendo que todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Dá vontade de continuar lendo, mas você ainda não viu a família, não sabe quem eles são. Em um filme ou em uma série, imediatamente você os tem na sua frente. A literatura tem outras ferramentas para prender quem está lendo até que questões relativas ao suspense, aos personagens, ao enredo também comecem a funcionar. Mas, no começo, a única coisa que há são palavras e linguagem.
Como foi a experiência de criar “Vosso reino” (série em duas temporadas da Netflix sobre um pastor evangélico que se torna um líder político na Argentina)?
A experiência de “Vosso reino” foi muito interessante para Marcelo Piñeyro (diretor, sem parentesco com a escritora) e para mim porque fomos convidados por um produtor que queria que fizéssemos uma segunda parte de “As viúvas das quintas-feiras”, um romance que escrevi (lançado no Brasil em 2007 pela Alfaguara) e que Marcelo adaptou para o cinema há muitos anos. Fomos ao encontro e dissemos que não nos interessava: eu já não tinha mais nada a contribuir com aquela história e o Marcelo afirmou o mesmo do ponto de vista da direção cinematográfica.
Mas fomos para a reunião e dissemos: “Bem, mas por que não pensamos em algo para trabalhar juntos? Já que eles nos convocaram, seria bom se a gente conseguisse uma história...”. E essa história apareceu. Naquela época era uma situação bem distante do que a Argentina poderia se tornar. Quando começamos a escrever a série, Bolsonaro ainda não era presidente do Brasil nem tinha havido aquele atentado (a facada em Juiz de Fora) que sofreu quando era candidato à presidência. E nós, em “Vosso reino”, também começamos com um atentado e coisas semelhantes aconteceram no Brasil. Poderiam pensar que copiamos, mas a gente já tinha escrito antes, então foi bem estranho.
As igrejas evangélicas brasileiras foram uma das inspirações para os protagonistas de “Vosso reino”?
As igrejas evangélicas na Argentina são bem diferentes das do Brasil e é verdade que o modelo que a gente pegou para a nossa série é mais parecido com as igrejas brasileiras do que as argentinas (embora também existam igrejas evangélicas argentinas assim). Mas é mais o modelo das igrejas brasileiras. E, claro, o pastor e a pastora (Emilio e Elena Vazquez Pena, interpretados por Diego Peretti e Mercedes Morán) são personagens fictícios. Deve haver muitos pastores que não são como eles, alguns melhores e outros piores. Além do fato de serem personagens inventados, vimos muitos vídeos no YouTube com pastores reais fazendo exorcismos e outras práticas que serviram de modelo para algumas cenas que escrevemos.
Como está a mistura entre religião e política na Argentina neste momento?
O que está acontecendo na Argentina no momento com relação às religiões e a política é bem estranho porque o atual governo tem toda uma questão quase religiosa abordada publicamente mas não de uma religião em particular. O nosso presidente estuda judaísmo supostamente porque está interessado nessa religião e vai visitar rabinos em diferentes partes do mundo.
E há uma forma de se comportar, publicamente, do presidente e de muitos de seus seguidores com algo ‘religioso’ entre aspas, ou seja, não de uma religião específica, mas de alguma fé, ou seja, não importam os infortúnios, mas que eu acredito em você. Não há uma explicação lógica para um plano econômico feito para funcionar em poucos meses, mas que não importa se quem tem que morrer de fome morra de fome. É isso que temos que passar, são as sete pragas do Egito que temos que passar para ter uma vida melhor. Há um apelo e um uso dessa fé religiosa e muitas pessoas se entregam porque precisam acreditar.
Eu não as julgo de jeito nenhum, eu as entendo. É muito delicado. Às vezes, quando alguém promete algo, você tem de acreditar porque é a única coisa que há na sua frente. Mas a manipulação dessas pessoas é perigosa. Não de uma religião em particular, mas de uma coisa messiânica, de algo que está além dos significados que as pessoas comuns podem entender. E há muitas referências permanentes do presidente a diferentes personagens bíblicos, de Moisés ao Rei Davi, e tudo isso dá uma pátina religiosa ao discurso e à narrativa montada pelo governo.
Seis meses depois de tomar posse, o presidente argentino Javier Milei está indo melhor, pior ou exatamente como você esperava?
Não esperava muito deste governo, muito pelo contrário. Estou muito preocupada com o que vai acontecer na Argentina. E as coisas que estão acontecendo confirmam minha preocupação. Com relação a questões que me interessam como a cultura, a situação das mulheres e das pessoas LGBTQIA+ e os direitos humanos, todas as mensagens que vêm do governo são terríveis. Eliminam órgãos que protegiam as mulheres ou que protegiam organizações LGBTQIA+.
Artistas, cineastas, escritores são insultados. Dizem que o que fazem é inútil e que a culpa é nossa que as crianças não comem, que as famílias não têm recursos, promovem um ódio ao povo da cultura. A única coisa que eles fizeram foi controlar a inflação, mas reduzindo drasticamente o dinheiro dos aposentados e a renda das pessoas. Se você não gasta mais com nada, a inflação cai.
Você participou ativamente da campanha para aprovação da Lei do Aborto na Argentina. O Brasil passou recentemente por um debate sobre o tema a partir de um projeto de lei no Congresso que aumenta a pena para as mulheres que abortam. O que foi mais memorável na campanha que você participou?
Para mim, o mais importante foram os laços entre as mulheres da Argentina e do resto da América Latina. E foi um movimento que se estendeu para toda a sociedade, não só para as mulheres, ou seja, para mim o mais importante foi, que antes de a lei ser aprovada, a sociedade tinha descriminalizado o aborto. Antes a palavra aborto não era dita: se dizia, ‘foi retirado’, ‘vai ser retirado’, a palavra era proibida. A partir de 2018, quando a lei do aborto foi debatida na Argentina, a palavra foi permitida nas famílias; mães, filhas, tios, tias, irmãos, namorados, todo mundo falava sobre esse assunto que podia ser trazido à tona e descriminalizado socialmente.
Quando toda uma sociedade concorda que as mulheres têm o direito de decidir sobre seus próprios corpos, que, se tiverem uma gravidez indesejada, elas têm o direito de interromper essa gravidez e isso não significa que elas são contra a vida (como querem que acreditemos que são assassinas ou qualquer outra coisa), quando a sociedade entende que é assim, para mim o mais importante foi a união transversal de todas as mulheres, não importa o partido político. Não importa o que pensem sobre outras questões, mas nesse assunto todos estiveram de mãos dadas e lutaram por esse direito.
Como encontra tempo e silêncio para escrever em um mundo tão ruidoso?
Não é tão difícil para mim encontrar esses espaços. Não porque não haja barulho, mas mesmo que eu esteja cercada por esse burburinho, posso me isolar para escrever com bastante facilidade. Por outro lado, como minhas histórias têm muito a ver com a sociedade em que vivo, esse ruído também as impulsiona.
O que você sabe hoje sobre o ato de escrever que não sabia quando escreveu o primeiro livro?
Hoje sei que escrever é a atividade que me centra em um eixo, que me equilibra. Soube disso somente com a experiência.
O que há em comum entre as mulheres que protagonizam as suas histórias? Há um pouco de você em cada uma delas?
Acho que são mulheres reais, com conflitos reais. Podem, ou não, ser meus próprios conflitos. Mas são conflitos que entendo. Posso me colocar no lugar dessas mulheres para caminhar com elas.
Trecho
(De “Catedrais”)
“Tento não pensar naquele dia. Tento recordar minha irmã Ana como aquela que se enfiava na minha cama para me contar segredos. Depositei todas as minhas dúvidas na fé, ou na falta dela. Desde que me neguei a rezar diante do seu caixão fechado, questiono qualquer história, da religião que for, que continue transmitindo, ainda no século XXI, uma construção ficcional como se fosse verdade. Fico inquieta por não conseguir decifrar o que faz com que tantas pessoas, milhares de anos depois, continuem acreditando em narrativas que não resistem à prova de verossimilhança que exigimos a qualquer ficção menor. Talvez façam isso porque a dúvida em relação a crenças arraigadas vem acompanhada pelo temor de perder benefícios secundários: os presentes do Papai Noel ou os Reis Magos, o dinheiro que deixa a Fada do Dente, o céu que nos espera após Juízo Final. Por que continuo escrevendo “Juízo Final” com letras maiúsculas se esse julgamento não significa nada para mim? Quem deixa de acreditar em Deus não conta mais com a vida eterna, nem com a proteção de um anjo da guarda, muito menos com a aprovação de quem nos cerca. Em um mundo que vê a corrupção como um mal inevitável, não tenho dúvidas de que há quem finja acreditar só para continuar usufruindo esses benefícios. Eu não consegui. Um acontecimento inesperado rasgou o véu que protegia a vida cotidiana do brutal, que a separava do selvagem, e não houve mais lugar para dissimular uma fé que eu não sentia. Foi isso que repeti diante de todos, quando começaram a rezar uma Ave-Maria ao redor do caixão de Ana, para que não ficasse dúvida de que meu atrevimento não havia sido a manifestação de rebeldia adolescente, mas uma convicção. Neguei minha fé pela quarta vez – nem Pedro se atrevera a tanto.”
“Catedrais”
• De Claudia Piñeiro
• Tradução de Marcelo Barbão
• Primavera Editorial
• 254 páginas
• R$ 69,90
Trecho
(De “Elena sabe”)
“Ninguém pode conhecer sua filha tão bem quanto ela, pensa, porque é mãe, ou porque foi mãe. A maternidade, Elena pensa, garante certos atributos, uma mãe conhece seu filho, uma mãe sabe, uma mãe ama. Assim dizem, assim será. Ela amou e continua amando, ainda que não tenha dito, ainda que brigasse de longe, ainda que discutisse como se desse chicotadas, e não a acarinhasse nem a beijasse, uma mãe ama. Continuará sendo mãe agora que não tem mais filha?, ela se pergunta. Se fosse ela a morta, Rita seria órfã. Que nome ela tem agora sem a filha? A morte de Rita pode ter apagado quem ela foi? Sua doença não conseguiu apagar, ser mãe, Elena sabe, não é algo que uma doença possa mudar, mesmo que a impeça de vestir uma jaqueta, ou a detenha com os pés imóveis, ou a force a viver com a cabeça baixa, mas poderia a morte ter levado não só o corpo de Rita mas também a palavra que nomeia Elena?
Elena sabe que mataram sua filha. Não sabe quem foi nem por quê. Não consegue encontrar o motivo de sua morte. Não consegue enxergá-lo. Então precisa aceitar que um juiz diga, suicídio. E que o inspetor Avellaneda diga suicídio. E que Roberto Almada o diga. E que o digam para si mesmos todos aqueles que olham para ela e se calam.”
Elena sabe”
• De Claudia Piñeiro
• Tradução de Elisa Menezes
• Morro Branco Editora
• 160 páginas
• R$ 54
Na estante
Outros livros de Claudia Piñeiro lançados no Brasil
“As viúvas das quintas-feiras”
• Alfaguara
• Tradução de Joana Angélica D’Ávila Melo
• 256 páginas
• R$ 64,90
Entre a sátira social e o thriller, a autora narra a história de um grupo de mulheres que encontra seus maridos mortos na piscina de um condomínio fechado de luxo, isolado por grades da periferia pobre de Buenos Aires. Com mais de cem mil exemplares vendidos na Argentina, recebeu o Prêmio Clarín de Romance de 2005 em um júri que incluía José Saramago e Rosa Montero. O livro foi adaptado duas vezes para o audiovisual: para o cinema em 2009 por Marcelo Piñeyro, o mesmo diretor da série “Vosso reino”, e para o streaming em produção mexicana mais recente, minissérie dirigida por Humberto Ozcariz.
“Tua”
• Tradução de Marcelo Barbão
• Verus Editora
• 140 páginas
• R$ 37
Em narrativa irônica e cortante, que alterna capítulos em primeira pessoa com outros apenas de diálogos, Piñeiro é implacável ao destrinchar as consequências da descoberta de uma traição amorosa a partir de um coração desenhado com um batom vermelho. Com uma narradora pouco ou nada confiável, ela promove reviravoltas até uma conclusão que se adequa para personagens de outros romances da autora: “No fundo, ninguém é inocente. Embora sejamos todos animaizinhos de Deus.”
“Betibu”
• Tradução de Marcelo Barbão
• Verus Editora
• 294 páginas
• R$ 35
O impacto nas gerações mais velhas das transformações do mundo editorial e do jornalismo é o pano de fundo dessa história policial protagonizada por uma escritora contratada por um antigo colega para escrever reportagem sobre um corpo degolado encontrado em condomínio de luxo: “Escute, olhe, pense, invente, escreva. Não me interessa que esteja procurando a verdade, mas que escreva algo que conquiste as pessoas”, provoca o chefe. Enquanto a personagem-título, que ganhou o apelido em referência à personagem Betty Boop, avança em sua investigação particular, sobram ironias a um jovem repórter, “garoto de Polícia”, de “muita internet e pouca rua, que nem caneta usa”, e constatações desencantadas: “Quem é que lê as matérias que publicamos, os livros que escrevemos? Alguém lê? Quem?”.