Henrique Rodrigues

Especial para o EM

 

Como temos poucas livrarias para dar conta do que é lançado, muitas editoras vivem dependentes de compras de governos. Esses editais, muitas vezes, fazem exigências que comprometem a liberdade criativa. Há profissionais dedicados a filtrar termos ou cenas que podem impedir a aprovação do livro num processo de aquisição, ou tendo que forçar conteúdos que estejam dentro do politicamente correto a fim de agradar avaliadores. Pensando em escala e longo prazo, é algo desastroso para a literatura.


Os casos de livros proibidos por causarem “polêmica” estão cada vez mais comuns. Vira e mexe, é divulgado que uma obra foi retirada de circulação a pedido de pais, educadores, políticos ou dirigentes de instituições. Ficamos alarmados, postamos sobre o assunto nas redes sociais, até que outra notícia ocupe o lugar da nossa indignação. Parece que, de tão recorrentes, os problemas deixam de chocar pelo seu absurdo e passam a constituir o novo normal.

 




Nunca achei que fosse conviver, em tantos aspectos, com a censura a livros. Mas hoje ela é geral e não poupa sequer a literatura infantil, categoria que, durante a nossa ditadura, conseguiu passar incólume à censura.


A vida de quem trabalha na área do livro e da leitura já não é nada fácil. Recentemente, foi revelado que perdemos no Brasil mais de 4 milhões de leitores. O faturamento do setor caiu 43% de 2006 para cá. Quando observamos com a lente dos livros literários, a situação piora. E ainda persiste a nossa tradição de colonizados que privilegia a produção literária estrangeira em detrimento da nossa. Daí, celebramos as altas vendas nas bienais de livros, mas poucos estranham que sejam, em sua maioria, de best-sellers internacionais. Virou o habitual. Como vamos esperar que o New York Times insira algum livro brasileiro nas suas listas de melhores obras se nem aqui nos lemos direito?


Para além de tudo isso, agora é preciso encarar a censura na literatura, fenômeno que também importamos e que não enfrentou resistência, face a fragilidade de valorização e reconhecimento dos nossos bens culturais. Em diversas localidades do país, autores cujo trabalho é unânime têm sido censurados, como Ana Maria Machado, Rubem Fonseca, Ricardo Azevedo e Carlos Heitor Cony. Sinto vergonha da humanidade ao saber que Ziraldo também está nesta lista.


Autores mais novos, que circulam em eventos e vêm contribuindo na difícil missão de formar leitores, também estão frequentemente proibidos. Os casos recentes de Jeferson Tenório e Luisa Geisler entram no bolo.


Não posso deixar de mencionar o caso do paraense Airton Souza, que venceu o Prêmio Sesc de Literatura, e cuja leitura de um trecho do romance, por conter uma cena de sexo homoafetivo, incomodou os diretores da instituição na Flip de 2023, desencadeando uma crise. Fui demitido do Sesc e fizeram mudanças no projeto para “evitar livros assim”. A Record, parceira de 20 anos, encerrou a parceria com a instituição, cuja resposta oficial foi a mesma desculpa da proteção das criancinhas, assim como o prefeito Marcelo Crivella tentou censurar uma história em quadrinhos na Bienal do Livro do Rio de 2019. Nenhum censor quer parecer censor, e sim um protetor da família.


Também preciso trazer outro viés que, se não é censura, não deixa de cercear a criação literária. Como temos poucas livrarias para dar conta do que é lançado, muitas editoras vivem dependentes de compras de governos. Esses editais, muitas vezes, fazem exigências que comprometem a liberdade criativa. Há profissionais dedicados a filtrar termos ou cenas que podem impedir a aprovação do livro num processo de aquisição, ou tendo que forçar conteúdos que estejam dentro do politicamente correto a fim de agradar avaliadores. Pensando em escala e longo prazo, é algo desastroso para a literatura.


A proibição a livros é, hoje, um dos grandes problemas culturais no Brasil e no mundo. Ficamos indignados com os que saem na imprensa, que já são frequentes, mas os casos são muito mais numerosos. Há, de fato, uma guerra cultural acontecendo no universo da leitura literária. Precisamos entender esse movimento na sua complexidade, a fim de estabelecer estratégias de combate efetivo. Agir em vez de apenas reagir.


Acredito que os prêmios literários que avaliam as obras unicamente pelas suas qualidades de escrita – como deveriam ser todos, aliás – são um caminho para driblar esses entraves. Se há tanta força empregada para impedir a circulação de livros e ideias, é preciso fazer o movimento oposto.


Daí a ideia do Prêmio Caminhos de Literatura, voltado para revelar, nessa primeira edição, um(a) romancista inédito(a). Além da publicação da obra pela Editora Dublinense, vamos promover esse livro e essa pessoa em eventos literários dos mais diversos, oferecendo também uma tutoria para que ela inicie uma carreira na área. É claro que um concurso não irá resolver o problema da censura no país, mas se trata de uma ação simbólica para evidenciar que não nos calamos ou nos conformamos com o cerceamento às nossas manifestações culturais. Como disse Fernando Sabino, vamos tentar fazer “da interrupção um novo caminho”.

 

Henrique Rodrigues é escritor e curador do Prêmio Caminhos de Literatura

Arquivo pessoal

 

Henrique Rodrigues é escritor e curador do Prêmio Caminhos de Literatura

 

Prêmio Caminhos de Literatura
• Concurso para premiação de romances inéditos de autores estreantes.
• Inscrições até 21 de agosto.
• Divulgação do resultado em 24 de outubro.
• Mais informações no site: www.premiocaminhos.com.br

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