razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
Rafael Fava Belúzio
Especial para o EM
Fabrício Marques lança a segunda edição de “Aço em flor: A poesia de Paulo Leminski” em momento oportuno. O livro é um clássico da recepção crítica sobre o autor curitibano e vem novamente a público nos 80 anos do poeta. A obra conta com o prefácio de Maria Esther Maciel e com as curadorias das editoras UFMG e Unicamp, bem como realiza um feito raro nos estudos literários: a elaboração de uma nova edição, revista e aumentada. Expansão, aliás, muito pertinente.
O ensaio de Fabrício Marques tem como ponto de partida uma dissertação de mestrado defendida, em 1996, na UFMG, sob a orientação de Maria Zilda Cury. Já em 2001, havendo modificações, o estudo se transforma em livro, sendo uma das obras precursoras na análise da literatura leminskiana. Agora, em 2024, mais uma vez obtendo mudanças, “Aço em flor” ganha novas seções; atualizações de dados; uma entrevista com o argentino Mario Cámara, tradutor do poeta; e uma cronologia da vida e obra de Leminski. Passados quase 30 anos da primeira versão do texto, o escrito continua atual e se renovando.
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Vale lembrar que Paulo Leminski (1944-1989) é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira da segunda metade do século 20. Em 1963, o escritor veio de Curitiba para BH, por ocasião da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, tecendo relações com intelectuais feito Affonso Ávila e Haroldo de Campos.
Além das interações com o Concretismo, ao longo do tempo Leminski foi se envolvendo com movimentos como o Tropicalismo, e convergiu para diálogos com diversas tradições, entre elas o haicai de Bashô, a linguagem publicitária, a política de Trótski e a vida de Jesus. Assim, em livros de poemas feito “Quatro clics em Curitiba” (1976) e “Distraídos venceremos” (1987), é possível vislumbrar a literatura poliédrica de Paulo Leminski.
Diante disso, está na reflexão sensível sobre esse poliedro poético a doce força de “Aço em flor”. Fabrício Marques desenvolve leitura agradável e vigorosa, capaz de demonstrar algumas facetas leminskianas. Chega a dizer:
Os poemas de Leminski são artefatos híbridos, elaborados em um campo de tensão que promove atritos e afetos entre códigos e linguagens: uma mixagem entre poesia de produção (ruptura com a tradição, vanguarda, inventiva) e poesia de consumo (continuidade, literatura); entre o ordinário e o extraordinário, entre cotidianos reles e raros; desierarquização e hibridização de discursos (…).
Como se vê, a dicção de Fabrício Marques sintetiza crítica e lirismo, conseguindo tecer reflexões e homologias em relação à escrita híbrida leminskiana. Se o poeta analisado cria hibridizações, o analista compreende os tensionamentos e, reunindo muitas informações em uma fala compreensível, demonstra que, em Leminski e em si mesmo, o simples e o complexo se expandem conjuntamente.
Por sinal, “Aço em flor” com o transcorrer das edições – sobretudo agora – avança cada vez mais no levantamento de faces de Leminski, agregando nuances. Isso expressa o estilo ensaístico de Fabrício Marques, uma vez que a expansão revisita questões antes tratadas e aprofunda o debate, recurso também visto, por exemplo, em “Os Ensaios”, de Montaigne.
Lembra, ainda, as “Folhas de relva”, de Whitman, reunião de poemas que, com o passar das edições, alastra seus versos. Montaigne e Whitman, duas influências caras a Paulo Leminski, parece que ecoam, de alguma forma, nesse ensaio de “Aço em flor” de relva: o pensamento movente de Fabrício Marques está a se expandir – metaformando.
Não por acaso, Marques anuncia no poema de abertura de seu “A fera incompletude” (2011): “Labor sobre labor se espalha”; e Leminski anuncia no poema de abertura de seu “Caprichos & relaxos” (1983): “em mim/eu vejo o outro/e outro/e outro”. Por isso, formalmente, a reedição – revista e aumentada – de “Aço em flor” expressa uma poética marques-leminskiana: retrato móvel e multifacetado sobre o fotógrafo e o fotografado.
Rafael Fava Belúzio é graduado em Letras (UFV), com formação suplementar em Filosofia (UFMG); mestrado sobre Álvares de Azevedo e doutorado sobre Paulo Leminski, ambos em Estudos Literários: Literatura Brasileira (UFMG)
Depoimento Fabrício Marques
Como conheci o poeta
Paulo Leminski colaborava com muitas publicações nos anos de 1980, e umdos jornais em que era mais frequente era a Folha de S.Paulo. Meu primeiro contato com o poeta foi lendo seus textos no jornal paulista, quando fazia faculdade de jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora, turma de 1987. Mas a edição mais marcante para mim foi a de 2 de março de 1991, que estampou uma página inteira com 11 poemas dele, que sairiam semanas depois no livro póstumo “La vie em close”.
Aquela série de poemas me impactou – entre eles, “Suprassumos da quintessência”(“O papel é curto. / Viver é comprido”) e um dedicado a Roman Jakobson (“Enquanto houver um fonema / eu nunca vou estar só.”). A partir daí, passei a acompanhar com interesse permanente tudo relacionado a ele. Depois de me formar, no final desse ano, mudei-me para Belo Horizonte, onde e quando já tinha claro o projeto de estudar sua poesia. Foi o que fiz, no mestrado da Universidade Federal de Minas Gerais (1994-1996). Em 2001, saiu a primeira edição de “Aço em flor”. Depois disso, afastei-me do poeta em busca de outras leituras. Agora, mais de 20 anos depois, tive a oportunidade de reencontrá-lo ao preparar a nova edição do livro. E descobri novas possibilidades de leitura desse poeta surpreendente.
“Aço em flor: a poesia de Paulo Leminski”
• Fabrício Marques
• Editoras UFMG e Unicamp
• 200 páginas
• R$ 66
• Lançamento neste sábado (10/08), das 11h às 14h. Livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi, Belo Horizonte)