Leonardo Padura

Duas grandes teses universais e eternas são exploradas pelo romancista Alejo Carpentier ao conceber e dar forma a esta que é uma das suas maiores obras; para muitos, a mais atraente que ele escreveu, graças a seu assunto, seus personagens, suas peripécias e seus ambientes exóticos.

 

Uma é a possibilidade real de o homem viajar através do tempo e da história; a outra, em dramática contraposição, a impossibilidade de esse mesmo homem se furtar do seu tempo histórico, que o gerou e formou. Duas teses aparentemente contrapostas, mas válidas para o homem de qualquer época e lugar. Para isso serve a arte e por isso, acredito, é pertinente hoje ler e fruir um romance intitulado “Os passos perdidos”, publicado lá em 1953.

 

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O romancista cubano Alejo Carpentier (1904-80), considerado uma das sumidades literárias do século 20 ibero-americano, foi um autor cujo centro de interesse literário e conceitual se moveu em torno de uma, para ele, impreterível definição e fixação das singularidades do continente latino-americano, muitas vezes contraposto ao centrista olhar europeu através do qual a região era explicada e definida desde o tempo do chamado “descobrimento” e da conquista.

 

Membro de uma geração intelectual nascida no início do século 20, cujas preocupações giravam em torno dos processos identitários e da necessidade de marcar, definir, revelar aquilo que se tem de mais próprio, Carpentier se vale, para tanto, de várias estratégias artísticas e conceituais que lhe permitiram a realização da sua tarefa.

 


Alimentado pelos achados das vanguardas europeias das primeiras décadas do século passado, especialmente pelos experimentos surrealistas, dos quais inclusive participou durante os onze anos que residiu na França, ao mesmo tempo se nutriu de um amplo conhecimento da história e da cultura do continente americano que lhe serviu para patentear uma teoria sócio-histórica, além de literária, mas sobretudo ontológica, por ele definida como “o real maravilhoso americano”, formulada pela primeira vez em 1948.

 

Com essa elaboração teórica, o intelectual cubano se propôs a concretizar o exercício de distinguir e definir uma realidade real que podia ter singulares comportamentos de presença e assimilação muito complexas. Uma realidade também permeada por manifestações mágicas, mas sempre assumida como emanação de um contexto em que certos descompassos temporais, condições naturais e geográficas, confluências étnicas e culturais, com o pano de fundo de devastadores traumas históricos, deram lugar a uma identidade definida, múltipla e, ao mesmo tempo, única em muitas das suas manifestações.


Sobre esse princípio, como acréscimo de experiências vividas em certas regiões latino-americanas e expressas em artigos teóricos e reportagens jornalísticas, a obra narrativa de Carpentier atinge uma primeira notável maturidade com a publicação, em 1949, do romance ‘O reino deste mundo’, ambientado no Haiti anterior e posterior à revolução independentista, livro que é seguido de uma das suas obras-primas, ‘Os passos perdidos’, publicado, como já foi dito, em 1953.

 

Nesses dois romances, que configuram o estado mais ortodoxo da práxis literária da sua teoria do “real maravilhoso”, isto é, das suas concepções das fontes e manifestações das singularidades americanas (que incluem revelações mágicas), Alejo Carpentier indaga algumas das obsessões que o perseguiram ao longo da sua carreira literária e as apresenta como processos que podem atingir, na realidade americana, a categoria de maravilhosos (singulares, insólitos), dadas as peculiares condições concretas e simbólicas que rodeiam sua manifestação e os modos como influenciam seu desenvolvimento.

 

 

Se em ‘O reino deste mundo’, Carpentier revolve a presença real dos comportamentos mágicos da realidade americana (através dos negros haitianos e da sua cosmogonia), as causas do fracasso da Revolução e a consequente frustração da utopia social, em ‘Os passos perdidos’ são os descompassos temporais latino-americanos e, por conseguinte, a possibilidade real de viajar no tempo que sustentam sua realização narrativa.

 

Sobre o livro e o autor

 

Inspirado nas viagens que Alejo Carpentier (1904-1980) realizou pelo interior da Venezuela, o livro “Os passos perdidos” é considerado um dos grandes romances do autor cubano, um dos expoentes da literatura latino-americana no século 20 com obras como “O século das luzes”. No livro, um musicólogo e compositor, ao aceitar o desafio de rastrear instrumentos musicais indígenas em uma selva sul-americana, faz uma viagem na qual passado e presente se misturam.

 

“Carpentierme levou pela floresta primitiva na mais bela jornada que um livro já me levou”, afirmou, à época, Simone de Beauvoir. A edição brasileira, lançamento da editora mineira Zain, tem tradução de Sérgio Molina e posfácio do também cubano Leonardo Padura (“O homem que amava os cachorros”). A artista plástica Elisa Bracher assina a ilustração produzida especialmente para a capa.

 

Capa do livro "Os passos perdidos"

Capa do livro "Os passos perdidos"

Reprodução

 

“Os passos perdidos”
• De Alejo Carpentier
• Tradução de Sérgio Molina
• Posfácio de Leonardo Padura
• Editora Zain
• 320 páginas
• Lançamento em BH na próxima quinta-feira (29/08), às 18h30, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274) em conversa do professor Gustavo Silveira Ribeiro com o escritor Jacques Fux.