Mario Alex Rosa
Especial para o EM
“Quem não se arrisca não edita revista”
Não é novidade que a cena alternativa de editoras artesanais vem ganhando visibilidade no cenário brasileiro de impressões de livros, plaquetes, poemas-cartazes. As diversas feiras como Urucum, Faísca, Textura, Motim, Miolos, Tijuana e tantas outras comprovam a qualidade dessas edições. Algumas delas seguem a tradição da tipografia, imprimindo com tipos móveis, na velha tradição gutenberguiana.
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Em Belo Horizonte, a Tipografia do Zé, no bairro Paraíso, é literalmente o paraíso dos aficcionados por tipografia, papéis, tintas, livros. Lá fica a tipografia do Senhor Matias, mestre de muitos jovens tipógrafos. Carlos Drummond de Andrade já disse que “louvados sejam os tipógrafos e impressores da pequena tiragem. São maníacos suaves, que restauram uma tradição, ilustre, servindo ao progresso das letras”. E é assim que a Tipografia do Zé, pelas mãos do designer e tipógrafo Flávio Vignoli, vem obsessivamente imprimindo livros, plaquetes de maneira belamente singulares, como o número especial da Revista Ágora, totalmente dedicado ao multipoeta Marcelo Dolabela.
Com 24 textos impressos em papéis de diferentes cores, formatos, gramaturas e uma diversidade de tipos móveis. Há sonetos, haicais, frases e visuais, o que confirma e mostra a habilidade não só na técnica dos estilos de poesia, mas sobretudo na capacidade que Marcelo Dolabela (1957-2020) apresentava em aprofundar assuntos com humor, ironia e lirismo.
Todo o conjunto é uma beleza para os olhos e é certo que vai encantar aqueles aficcionados e maníacos por edições que cuidam graficamente de cada poema impresso. É notável como cada poema, solitário numa folha, o torna mais belo e tangível a palma da mão, deixando não só os papéis felizes com a impressão, mas os poetas com a edição.
Na ótima apresentação de Ana Caetano, curadora da obra poética de Marcelo, ela reforça que “a riqueza de estilos e formatos” dessa publicação especial vem confirmar que “há uma marca inconfundível na sua produção poética – a criação transversal, que nunca se rendeu a soluções fáceis. Nenhum de seus estilos é literal. Em todos há um traço (auto)crítico que atravessa estilos e releituras”. Assim, o “haicai contamina o soneto e, mesmo neste, a poesia marginal ainda mostra seus dentes”.
A diversidade de estilos, de experimentos, dessa bela seleção de poemas proposto pelos editores da revista vai ao encontro do refinamento de um poeta que sabia equilibrar-se entre o recreio e o trabalho, isto é, demonstava de maneira construtiva o seu interesse que tinha pela técnica do verso, porém sabia subverter a linguagem com emoção. Pode-se dizer que Marcelo Dolabela, ao lado de Paulo Leminski, dois poetas fora do eixo Rio/São Paulo, tiveram uma produção entre o coloquial e o formalismo concretista, porém conseguiram formular uma identidade própria. E isto não é pouco.
Com essa edição especial da revista Ágora e o recente livro “Jogo que jogo” (Editora Impressões de Minas, 2024), com uma cuidadosa organização pelo pesquisador Gustavo Cerqueira, espera-se que a poesia de Marcelo Dolabela, comece a ganhar maior reconhecimento e divulgação pelo seu enorme valor de (re)criação na construção de sua linguagem poética. A epígrafe dessa resenha pertence a um poema de Marcelo Dolabela, e nele faz jus aos editores de revista de poesia, sobretudo os raros e “maníacos” tipógrafos que ainda manipulam um componedor.
“Antes selvagem que diamante”
• Evento de abertura do espaço Memória Gráfica Mercado Novo com lançamento da edição especial da Revista Ágora, gabinete de objetos, videoprojeção, performance de Ed Marte e intervenção cantante de Patricia Ahmaral. Neste sábado, das 12h às 18h, no Mercado Novo (Av. Olegário Maciel, 742, Belo Horizonte).
Edição especial da revista Ágora: sonetos, haicais, frases e versos impressos em papéis de diferentes cores, formatos, gramaturas com diversidade de tipos móveis