Prisca Agustoni
“origem”
a casa amarela
içada na vertical da memória
faz explodir os cristais
:enquanto os bois
cruzam os trilhos,
a casa, vela perene,
ilumina a infância
e semeia os estilhaços
- enigma do rebanho –
entrando na escuridão
Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia
“travessia”
Nos trópicos a noite cai
súbita e ameaça
as crinas do oceano
e os olhos fechados da mãe,
com seu carrossel de sonhos
desfilando no escuro.
na cidade dos atlantes
a noite nos cega
ao mergulhar
lentamente
no branco
“viajante”
Forjo a memória
das luas
e a infensa solidão
na franja úmida
entre os continentes
capturo o tempo
e a sintaxe que rege
o grito da terra
a fala mansa dos bois
“intermezzo”
Será preciso esperar
a estiagem
para que as palavras encharcadas
amadureçam
como fósseis
milenares na terra
“revelação”
levo na língua
as pátrias como os peixes
escorregando
“Elizabeth Bishop”
O primeiro olhar sobre o verde
já foi certeza de naufrágio:
logo veio o fruto proibido,
meia polpa meio caroço
de um sabor indecente,
a descoberta que à vida
não se pede licença.
O amor, cada vez mais romã
e pele, tem estrelas no cabelo
e te ensaboa o corpo na bacia
que brilha e oscila como uma lua.
Imaginas então que o paraíso
perdido talvez exista, talvez esteja
bem perto, e o vês, no verde
encarnado, através dos vidros
enquanto as nuvens atravessam
as idades da tua casa.
Os seios dela são agora a senda,
os sinais dos passos na mata.
Pena que a chuva seja tão cruel
e varra até a mais sincera promessa.
Após a tempestade, a terra exala
um novo frescor, mas a hora
é estranha, e o verso tropeça.
Sobre o livro e a autora
Nascida na Suíça, a escritora, tradutora e professora Prisca Agustoni vive em Minas Gerais desde 2002. É professora de Literatura e de Criação Literária na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e autora de, entre outros, “O gosto amargo dos metais” (7Letras), que recebeu os prêmios Cidade de Belo Horizonte e Oceanos. “Arqueologias”, lançamento da editora Peirópolis, integra a coleção Biblioteca Madrinha Lua, que homenageia Henriqueta Lisboa (1901-1985).
“Prisca decidiu que este livro seria dividido em partes, e elas são cinco, contando-se desde o Prelúdio, passando pela terra, pelas águas, pelo céu e pelas cinzas”, afirma a coordenadora da coleção, Ana Elisa Ribeiro, definindo “Arqueologias” como um “mapa de viagem, antes, depois, mas principalmente durante o deslocamento.” “É um livro de uma poeta que vê como quem chega, entra e contempla, mas não só. Ela experimenta, vive, refina e abraça todas as vivências possíveis a alguém que está aí e vai, vai e volta, tem raízes e asas”, define Ana Elisa, no posfácio. Já Veronica Stigger, no prefácio, destaca: “Neste livro, a arqueologia (de Prisca Agustoni) é investigação, é método, é escavação, mas também invenção, tomada aqui em seu sentido etimológico, de descoberta.”
“Arqueologias”
• De Prisca Agustoni
• Coleção Biblioteca Madrinha Lua
• Editora Peirópolis
• 96 páginas
• R$ 58