“Enquanto o sol coloria o horizonte, homens, mulheres e crianças se movimentavam para os campos de arroz. 'É bom que tragam as crianças', dizia o chefe aos trabalhadores. 'As crianças correm pelos campos e as pragas, assustadas, vão embora.' Julim pensava que as pragas deviam ser terríveis. (…) 'Meninos, meninos, não deixem o chupim levar o arroz, meninos'. 'Então a praga é o chupim? Mas que mal pode fazer um passarinho?', pensou Julim.’

 

Encanto e desencanto, lirismo e fome. “Chupim”, o primeiro livro infantojuvenil de Itamar Vieira Junior – autor do premiado “Torto arado”, um dos maiores sucessos de venda das últimas décadas no Brasil – a exemplo do romance e de outras obras do autor, tem novamente a crítica social como protagonista. Desta vez, na pele de trabalhadores rurais numa plantação de arroz em meio a pássaros famintos, os chupins.

 




Tudo sob o olhar atento de um menino chamado Julim – não à toa um nome que rima com chupim, porque ele e sua família também são como chupins, vão e veem, voam e revoam em sonhos e lutas como pássaros em busca de comida para espantar a fome, que também é de dignidade e justiça.

 

E para encher, literalmente, os olhos do leitor, seja criança ou adulto, a narrativa de Itamar Vieira Junior é contemplada por belas pinturas da artista plástica paulista Manuela Navas, uma parceria que dá beleza ao texto lírico: “Os trabalhadores plantavam, colhiam, suavam, ficavam cansados. Deixavam seus anos na terra. Sempre que a colheita acabava, os chupins iam embora para passarinhar outros campos, 'e comer o trabalho de alguém'. Sem mais arroz para colher, as famílias também partiam em retirada. Iam para outras roças em busca de trabalho e morada”.

 


Assim como a rima Julim/chupim, a escolha dessa curiosa espécie de pássaro para compor o livro não parece um mero acaso. O chupim (Molothrus bonariensis), encontrado em todo o Brasil e na América do Sul, não constrói ninhos, não choca os próprios ovos, não cria nem alimenta seus filhotes. Põe seus ovos em ninhos de outros pássaros, que criam seus filhotes como “pais adotivos”, num fenômeno conhecido como parasitismo de ninho e que gerou a popular expressão pejorativa “chupinhar” Brasil afora.


Esse comportamento indigna mais ainda os homens que trabalham: “'Chupim é bicho preguiçoso', o pai se queixava, e as crianças agitavam seus galhos. 'Chupim come todo nosso trabalho e vai simbora. Chupim tem tanta preguiça que nem ninho faz. Dorme no ninho dos outros passarinhos, que além de dar comida aos seus filhotes têm que alimentar os chupinzinhos.' Mas o menino não se convencia de que era preciso espantá-los. Ele fingia agitar as hastes do arrozal”. Tinha aprendido a amar os passarinhos, um encanto que não podia ser desencantado, como ficam os adultos depois que deixam de ser criança.

 


Assim, entre esses encantos e desencantos, em sua estreia na literatura infantil Itamar Vieira Junior mais uma vez faz um romance denúncia de desigualdade, ao melhor estilo de outros escritores do Nordeste, como Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto, numa narrativa que tem um desfecho de esperança, de conciliação dos homens com outros homens e com a natureza. Nada é por acaso, a praga não é a revoada de chupins, a praga é a fome, é a injustiça social.

 

'Chupim'

 

Itamar Vieira Junior e Manuela Navas (pinturas)

Todavia

32 páginas

R$ 49,90 (físico)

R$ 34,90 (digital)

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