Sobre o autor

 

Mineiro de Belo Horizonte, Lucas Guimaraens tem 45 anos e sete livros publicados entre poesia e filosofia. Entre os títulos, “Onde (poeira pixel poesia)”; “33,333 – Conexões bilaterais”; “Exílio – o largo das incertezas” e o mais recente, “Amarrar o corpo na lua”, lançado no ano passado.

 

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Integrante de uma família de escritores que inclui nomes como Bernardo Guimarães e Alphonsus de Guimaraens, Lucas será um dos homenageados na segunda edição do Festival Literário Internacional de Paracatu, o Fliparacatu, que será realizado na cidade mineira de 28 de agosto a 1º de setembro.

 




“Armazém”


(Do livro “Amarrar o corpo na lua”, de 2023)

Prefiro armazéns
a supermercados
nas prateleiras
há o insondável
invendável sonho
o derradeiro grito
o despejo explícito
o frango assado
o pão que não comerei
as marcas de segunda linha
as moças e suas carruagens
de problemas íntimos
a ausência de creche
a violência da flecha
das paixões que
nos deixam prenhas
o amor que nasce
do ato da carne
mais um tiro
bala achada
um suspiro
– sem açúcar
sem afeto –
prefiro
os guetos
como quem
usa das veias
para um exame
de sangue
as manchas
na pele
como se fossem
nuvens vagantes
a falta como
o travesseiro
que não há.
Prefiro gente
de calos a cantar
todos os dias
o sol da manhã
& suas ilusões.

*

 

 

“Arqueologia”
(Do livro “Exílio – o lago das incertezas”, de 2018)

 

eu – sem memórias –
comerei uma madeleine –
marca st-michel –
sem efeito
comerei espiga de milho
& sopa de cará para
encarar a infância
(& seus desdobramentos)

 

 

“Belo Horizonte”
(Do livro “Amarrar o corpo na lua”, de 2023)

 

Um poema em escavação:
Belo Horizonte

 

sexos explícitos
nas praças
verão sem mar
que mar haveria
onde há caminhos
nas montanhas?

 

Andamos
entre lotações
e prisões
nos agarramos com
joelhos que se esbarram
gentileza de cadeira de rodas
vocação de retóricas de mudos
muros que não separam
mas atormentam diferenças

 

ainda sem mar
caminhamos com
pés na terra e areia
(ou rodas)
nossos livros são
mais pensamentos
mais horizontes

 

mais aquela mesa
de bar sem mar
ainda assim
com muitos mares

 

nem sabíamos a origem dos nomes
mas acordávamos com a Serra do Curral
não será paródia da rua Nascimento Silva 107
lá há mar
aqui há terra
Belo Horizonte.

 


“Depois daquela noite”
(Do livro “Onde (poeira pixel poesia)”, de 2011)

 

seus olhos fechados pensam em quê?
corpos elétricos jogados sobre túmulos de anteontem
sombra azul poeira de uma noite pichada no muro?

 

esses cílios são rastelos de que campos?
pensam nas verdes ondas do último ecstasy e gotas
que faziam passos amanhecerem trôpegos e
esperançosos?

 

o vermelho em seus lábios me faz corar
e esconde o sangue de dentro
os dentes serrados rangendo sementes
que não brotam a vida de seus filhos
nesses cabelos nunca penteados
e jorra no asfalto as incertezas de seus amanhãs.

 

esses filhos de madrugada
romperão o barulho solitário
dos lixeiros da noite ou deitarão
o sono pesado dos cadeados?

 

esses olhos seus e deles: fecham envergonhados as esquinas ou gozam o sétimo selo como aragem de milagres cotidianos?

*

“Dulcineia”
(Do livro “Onde (poeira pixel poesia)”, de 2011)

 

espero suas fotos na gaveta do escritório
seu perfume ou densa nuvem de cóleras e bravas
chuvas seus pingados pingentes rubros deixados entre a cama e o criado mudo.

 

aguardo histórias para contar e porres de decepção.
aguardo ingressos amassados no bolso da luz do filme
do fio telefone e promessa de ausência de solidão atrás da linha.

 

espero o frio da escandinávia nos travesseiros
e a luz do laptop aceso ao meu lado às cinco da manhã.
espero a falta de grana e whitman na sua grama
de arestas hipnóticas e olhos futuros de reprovação.

 

levanto-me e despeço-me de você com sua pele embaixo das unhas e o batom que não mais deixará traços de anos de arqueologia a dois.

 

arranco do sofá maduro a estopa de assentos vários
e aguardo sua existência nos meus sonhos.
aqueço-me com faca, esperança e olhos atrás da tela do computador.

 

espero insaciadamente dulcineia e horas de terapias em megabytes.

 

“Exílio”
(Do livro “Exílio – o lago das incertezas”, de 2018)

 

o exílio diz todas as palavras do poema
ruas que se fendem com o tempo
passos de vidro em brita quente
o exílio palavra sem pronúncia
prédio de labirintos e derramamentos.
corrimão de incertezas sob os dedos da saudade.

*

 

“Quando era Paris”
(Do livro: “33,333 – Conexões bilaterais”, de 2015)

 

metrôs e placas vermelhas
ferros verdes do tempo urbano
livros pobres nas mãos enormes
olhos desiludidos de guerras
apatia recessão.

 

velhas corcundas à procura da carteira perdida
novos sonhos ou adrenalina
estudantes em corte das veias de palavras
assunção de utopias reais.

havia vida naquelas manhãs de barcos cinzas.

*

 

“Um deus pousou em meu dedo”
(Do livro “Amarrar o corpo na lua”, de 2023)

 

Somos concavidades e muco
e não nos completamos ou saciamos
um pássaro pousou no ninho
não nutriu os sete pios
ou as sete mortes

 

poros estão abertos
e o toque dos lábios
não os preenchem

 

uma conversa talvez
pão no armazém
discurso de trabalho
a volta para casa
e os cotovelos
de abrir espaços
& degraus

 

um deus pousou em meu dedo
a porta do carro abriu
a boca aberta a articular
a direção pretendida
pode parar aqui
porosidades não se beijam
encontros permanecem
rios e raiva
seiva para outros poemas

 

o restaurante fecha
ficamos a olhar escuridões
alguém enrola tabaco
terminam as cervejas
como um naufrágio
de frustrações
amanhã tenho
que pintar as paredes
do apartamento alugado
novamente deus
na palma da mão
pode virar à esquerda
sempre à esquerda
que se os poros
estão prostrados
os sonhos
não.

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