“Pistas falsas”, de José Eduardo Gonçalves (foto), foi o vencedor do Prêmio Academia Mineira de Letras 2024. O livro de contos editado pela Patuá foi escolhido entre obras publicadas no ano de 2023 pela comissão formada pelos acadêmicos J. D. Vital (presidente), Carlos Herculano Lopes, Humberto Werneck, Luís Giffoni e Maria Esther Maciel. “Que este honroso prêmio da AML, que recebo com espanto e alegria, possa abrir pistas novas em direção àqueles que realmente justificam o trabalho obsessivo, apaixonado e quase selvagem da escrita à qual me dedico– os leitores de ontem, hoje e sempre, cúmplices deste amor à literatura”, afirmou José Eduardo, ao tomar conhecimento da premiação.
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Ele é autor também de “Cartas do Paraíso”(Mazza, 1998),“Vertigem”(Record, 2003) e “A cidade das memórias flutuantes”(Conceito, 2005), este último premiado, em 2015, de melhor livro teórico do ano pela FNLIJ-Fundação Nacional do Livro Infantojuvenil. O valor total do prêmio é de R$ 100 mil, sendo R$ 60 mil destinados ao autor e R$ 40 mil à editora. “Esperamos que o prêmio traga ao autor o que todos os escritores e escritoras esperam: leitores, leitoras e a leitura”, destacou o editor Eduardo Lacerda, da Patuá.
Resenhado neste Pensar em junho de 2023 (“Alguns contos, na tradição de Murilo Rubião e José J. Veiga, saltam do prosaico ao extraordinário em um piscar de olhos. E, se as histórias de algumas seções provocam maior impacto do que outras, em nenhum momento o livro resvala na banalidade”), “Pistas falsas” ganhou comentários elogiosos também de nomes do circuito literário mineiro como o professor Antonio Sérgio Bueno e a poeta Adriane Garcia. Confira, abaixo, trechos das resenhas de ambos.
“Domínio notável”
Para escrever um livro como este é preciso que o autor tenha vivido muito, lido muito e observado muito atentamente a vida de pessoas e personagens. As portas de entrada das enxutas narrativas de José Eduardo Gonçalves atiçam a curiosidade do leitor e o puxam para o centro dos enredos que o enredam e o desafiam a participar daquelas tramas que não se fecham, que não se entregam prontas para ele. As matérias narradas ficam suspensas no ar, propondo tantas portas de saída (leituras), quantos forem os leitores que se defrontem com aqueles finais desconcertantes, que não finalizam as tramas (...).
É notável o domínio que o autor demonstra dos elementos estruturais da narrativa: presença ou ausência de enredos, focos narrativos que se alternam até dentro da mesma narrativa (no conto “Davi” há três alternâncias do foco narrativo). Há narradores que contam suas próprias mortes e são, como Brás Cubas de Machado de Assis, “defuntos autores”. Vale lembrar ainda o respeito ao princípio da verossimilhança (mesmo nos pesadelos), além de tempos e espaços determinados ou indefinidos (...).
Os importantes textos metalinguísticos merecem atenção pelas pistas (falsas?) que permitem ao leitor desentranhar as “poéticas” que sustentam os textos deste livro. Há pegadas de diversos autores brasileiros e estrangeiros nestas narrativas, mas o jeito de caminhar é só de José Eduardo Gonçalves. É difícil dizer se predomina em “Pistas falsas” uma visão melancólica ou realista da vida. Cada leitor que tire as suas conclusões.
Antonio Sérgio Bueno,
professor aposentado de literatura da UFMG
“Tensão, concisão e suspense especial”
“Pistas falsas”, de José Eduardo Gonçalves, é uma coletânea de narrativas breves, algumas das quais podendo ser classificadas como contos breves, micronarrativas ou microrrelatos. Nelas, a maestria do autor está em, principalmente, no tempo curto, conseguir desenhar um cenário, escolher aquilo que tem importância para a ambientação, enredo e a construção de personagens. Até mesmo as várias referências, deste que é um autor que lê muito, entram nos contos sem pedantismo, fluindo naturalmente nas narrativas. O conto, e seus derivados, sabemos, só tem vaga para o acerto.
É assim, com uma dicção de frases econômicas, considerando a maximização dos elementos narrativos, que José Eduardo Gonçalves compõe os 53 contos. Em todos eles, maiores ou menores, há tensão, concisão e um suspense especial. Não o suspense que alivia com a descoberta no final, mas um suspense que se prolonga para o depois da leitura. Os narradores de “Pistas falsas”, maioria em primeira pessoa, conseguem de imediato a empatia do leitor, pois são complexos, humanos, fora de qualquer maniqueísmo, e seus destinos, em geral, deixam oculto o que ainda irá acontecer. É a leitora/leitor que deduz, imagina. Quem lê está convidado a um jogo que conhece bem, o da incerteza, pois a vida é esse devir do qual nada sabemos e é preciso conviver com a frustração de ter que adivinhar sem ser adivinho, de ter que deduzir por pistas que não necessariamente são o que interpretamos. Tudo pode acontecer. (...)
Adriane Garcia,
poeta, na plataforma digital Mirada