A Livraria Scriptum (Rua Fernandes Tourinho, 99) será palco neste sábado (14/9) de uma combinação entre literatura e música. Às 11h30, será lançado o livro “Fora do prazo de validade”(Libertinagem), da autora Ana Paula Dacota (foto), seguido de um show da banda The Elephants.
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Conhecida pela postura crítica e por não ter medo de confrontar as hipocrisias sociais, Dacota apresenta uma obra que se define como sem rótulos, que reflete a tendência mundial da female rage — a raiva feminina, um sentimento reprimido e silenciado ao longo dos anos, que agora encontra espaço e voz. Leia, abaixo, alguns poemas do livro “Fora do prazo de validade”.
diáspora
desembarcados da África
meus ancestrais viveram em senzalas
uma bisavó, indígena, morou na floresta, em taba
uma avó, aquilombada, construiu a própria casa
[de adobe com teto de palha
mãe – de pele clara – foi criada nas casas dos brancos
mãe – de pele clara – foi criada para ser criada em troca de
[pão e casa
um dia, mãe, maltratada
revoltada, fugiu da casa
a rua foi sua morada
por meu pai ficou enamorada
juntaram os panos, dividiram o papelão
[papelão e sucata viravam pão
no morro nasci / no morro cresci / no morro
quase morri / no morro sobrevivi
no morro sofri / no morro moro num barraco / e lá
só vai gente bamba
no morro minha vida virou um samba.
o ser e o não ser tão de Riobaldo
OlhO no seu OlhO
tão pertim de mim
OlhO no seu OlhO
tão verdim
início, meio e fim
verde que aclara
ampara meu viver
quando dormes
tão pertim de mim
OlhO seu OlhO
tão fechadim
quero contar seus cílios
quero tocar as mechas
desse cabelo e cheirar
o suor da pele morena a exalar
aqui nesse antro de machos
o sertão inunda a janela
o ele podia ser ela
esse amor não tenho
como ser, tão grande
onde guardar, onde viver
meu pau é uma vela
buracos onde entro me confundem as ideia
levanto minha carcaça
corro noite adentro
pau com pau devia ser tão normal
assim como OlhO no OlhO
afundo desejos no matagal
*
a desilusão da poeta
não agrado os influentes
digo não às falsidades
pago o preço por ser autêntica
ignoro máscaras impostas
meia dúzia de fãs
elogiam meus versos
sigo me autopublicando
sou meu próprio curador
tento domesticar meu ego
por que diabos insisto em escrever
se às vezes mal tenho o que comer?
meu nome é sem sobrenome importante
nas livrarias meu livros se empoeiram nas estantes
*
a bandeira do vencedor
os abutres sempre seguem
a bandeira do vencedor
sobre sangue inocente se erguem
inimigos se identificam pela cor
a bandeira do perdedor
vira alvo de chacota
posts rivalizam
memes viralizam
até que ninguém mais nota
tudo sendo devorado pela horda
na hora que o povo acorda
já não vota