Paulo Scott  -  (crédito: Renato Parada/divulgação)

Paulo Scott

crédito: Renato Parada/divulgação

Um dos romances de maior impacto da literatura contemporânea brasileira, “Marrom e Amarelo”, de Paulo Scott, ganha nova edição do selo Alfaguara cinco anos após o lançamento. Indicada ao International Booker Prize 2022 e ganhadora do Prêmio Jabuti 2023, na categoria Livro Brasileiro Publicado no Exterior, a obra do escritor gaúcho volta às livrarias com um conto novo, adicional à narrativa.

 

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“Nesta nova edição, ‘O livro de Roberta’ é um conto que tenta retribuir todo carinho que o romance recebeu – é uma das tantas possibilidades de um futuro que, na história principal, para muitas pessoas (e eu, sinceramente, entendo quem faz essa leitura do final do livro), teria ficado em aberto”, conta o autor ao Pensar. Leia, abaixo, o depoimento de Scott sobre a nova edição de seu romance.

 

“Penso que ‘Marrom e Amarelo’ se apresenta, sobretudo, como um livro de questionamentos, nele estão perguntas que, impactadas e impactadosdiuturnamente pela trágica solução civilizatória brasileira, temos enorme dificuldade de realizar. Nesse sentido, não é um romance do conforto. A intimidade familiar que sintetiza a personagem protagonista Federico funciona como lente reveladora das dificuldades e traumas advindos da hierarquia cromática em nosso país, que, durante décadas, foi propagandeado, por nossas institucionalidades, como perfeita democracia racial.

 

 

Colocando no centro da trama os dilemas e tentações das pessoas apontadas racialmente como pardas, problematiza o tema da negritude a partir de um protagonista que, não tendo dúvida da sua condição de homem negro, luta por se encontrar e, assim, tentar conciliar o seu fenótipo com a luta das pessoas negras por um país de mais igualdade.

 


Há uma conexão muito forte entre o protagonista, seu pai e sua sobrinha. Os três formam uma espécie de eixo-central da narrativa, de subjetividade composta, que incorpora passado, presente e futuro de uma mesma busca, de uma mesma revolta. Nessa dinâmica, Roberta, a sobrinha, é o sol que contém o futuro da narrativa. O livro acaba com a presença dela projetando na espacialidade da trama um universo de possibilidades.

 

Como me disse uma senhora que me procurou depois de uma palestra que proferi em 2022: o final aberto foi uma demonstração de respeito à luta das pessoas negras que sabem que uma solução ideal está muito longe de ser alcançada neste país. Ela me falou algo como: um livro como o seu não poderia mesmo ter um final do tipo lição, se você tivesse optado por um final bem explicado, conclusivo, teria traído os seus leitores que têm consciência da real dimensão do racismo no Brasil.


Nesta nova edição, “O livro de Roberta” é um conto que tenta retribuir todo carinho que o romance recebeu – é uma das tantas possibilidades de um futuro que, na história principal, para muitas pessoas (e eu, sinceramente, entendo quem faz essa leitura do final do livro), teria ficado em aberto. Em um cenário bem longe dos três homens da família em que estão presentes apenas Roberta e sua avó, as duas conversam e se recombinam até o momento de uma importante revelação – que, imagino, fará leitoras e leitores voltarem ao romance para lê-lo de novo.

 

 

No geral, penso que o livro tem um ritmo de assimilação complexa, demanda releitura, eventualmente mediações, pois há muitas camadas aglutinadas. Passados cinco anos do seu lançamento, ainda continuo recebendo mensagens de leituras recém-encerradas que me possibilitam novas maneiras de encará-lo. A repercussão no exterior revelou o quanto, nele, estão contidas leituras que tendem a passar despercebidas para nós que estamos imersos em uma normalidade na qual o protagonismo negro e indígena e suas idiossincrasias são sistematicamente obliterados. Penso que é um livro que ainda incomoda e que, infelizmente, seguirá incomodando ainda por muito tempo.”

 

Capa do livro Marrom e Amarelo

Capa do livro Marrom e Amarelo

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