A história de Minas Gerais desde os primórdios, do fim do século 17 a meados do 18, se abre aos olhos e ouvidos dos pesquisadores como fonte inesgotável de episódios políticos, exploração econômica, ocupação do território, vasta riqueza cultural e mudanças nos costumes, entre muitos outros aspectos. Esse conjunto diversificado e valioso serve, na atualidade, para entender melhor as transformações do estado, conhecer as origens da população e, sem dúvida, iluminar o futuro. E, sem dúvida, rende ótima leitura.
Com a missão de registrar fatos, alguns deles desconhecidos da maioria dos brasileiros, dois pesquisadores mineiros residentes na capital, após anos de investigação e busca em arquivos, lançam neste sábado (19), em Belo Horizonte, livros sobre as Gerais, tendo sempre como protagonista e cenário a vida de homens e mulheres e seu pedaço de chão. O lançamento será das 11h às 14h, na Livraria da Rua (Rua Antônio de Albuquerque, 913), na Savassi, na Região Centro-Sul de BH.
Natural do Serro, no Vale do Jequitinhonha, Danilo Arnaldo Briskievicz coloca à disposição dos leitores “O ouro do Brasil” (Editora Appris), contando, no primeiro volume de uma trilogia, a história das minas do Serro do Frio de 1702 a 1714. Nascido em outra região do estado, o Centro-Oeste, Ramon Victor Cesar, de Lagoa da Prata, estreia com “Formação territorial do Centro-Oeste de Minas Gerais” (Editora Appris), obra que versa sobre conquista, povoação, dinâmicas demográfica e econômica, bem como o ordenamento político-administrativo no período entre 1723 e 1860.
Conversar com os pesquisadores e ler seus livros proporcionam descobertas, aprendizado e ingresso na dimensão do conhecimento. Pertencente a uma família polonesa do Sul do Brasil que se mudou para o Serro, Danilo Arnaldo Briskievicz conta que o nome original de sua cidade, traduzido da palavra indígena “Ivituruí”, é Serro do Frio, e não Serro Frio, como costumam dizer. “O significado é ‘frio que chega com o vento’, e não que a terra seja fria”, explica o professor de filosofia e historiador, com pós-doutorados em história e educação.
Engenheiro civil e doutor em geografia pela PUC Minas, Ramon Victor Cesar conta que o Centro-Oeste mineiro tinha, no final do século 18, dois polos. Um era Pitangui, outro, o Termo da Vila de São Bento do Tamanduá. Foi especialmente para essa segunda fatia territorial, incluindo a sede do Termo, atual Itapecerica, e mais de 40 distritos, que Ramon dirigiu seus estudos durante décadas. “Os pioneiros vieram de São José del-Rei, hoje Tiradentes (Região Campo das Vertentes), por volta de 1770, e se dedicaram à criação de gado, plantio e agricultura de subsistência.”
Danilo Arnaldo Briskievicz destaca que “O ouro do Brasil” não se trata de uma narrativa regional. “Falar sobre a história do Serro, sobre a mineração de ouro em Minas, é falar também sobre a história do Brasil, do mundo. O Serro ofertou para o Brasil e Portugal ouro em grande quantidade”, diz o pesquisador, ressaltando a importância da exploração aurífera na economia, na fundação do estado “que traz sua vocação no nome”. Nesse momento, é importante perguntar sobre a tão propalada queda da produção do ouro, por volta de 1750, que seria causada pelo esgotamento das minas. Segundo Danilo, não foi o ouro que acabou – as técnicas usadas é que não evoluíram.
Ao longo das 452 páginas do livro, o autor aborda temas como o início daocupação das minas, quem eram os arrematadores, quantos escravizados trabalhavam nas lavras e quais processos econômicos, históricos e políticos envolveram as sociabilidades da população, que tirou ouro nos rios serranos de 1702 até 1714. E mais: quando se estabeleceu a Vila do Príncipe (1714), que guerras civis aconteceram; e quais eram as motivações dos conflitos e seus protagonistas.
Autor de “Serro: Patrimônio do Brasil”, “Chiquinha Leite: professora e negociante” e “Comarca do Serro do Frio: história da educação entre os séculos XVIII e XX”, Danilo conta, no novo livro, sobre a Revolta do Rio do Peixe, ocorrida entre 1711 e 1714, e sobre a Revolta do Serro Frio (1718 A 1720). “O ouro do Brasil tem histórias e personagens com diversas motivações, guerras civis, formação de quilombos e outros eventos que influenciaram a economia do ouro em solo mineiro e serrano até os dias de hoje.”
A caminho do Centro-Oeste
Atenção, estudos e interesse de Ramon Victor Cesar estão dirigidos, há décadas, para os primórdios do Centro-Oeste de Minas, mais notadamente a região no entorno do antigo Termo da Vila de São Bento do Tamanduá, atual Itapecerica (que era a sede do Termo, algo como município), a 178 quilômetros de BH. “Pesquisei a história, o povoamento, a economia e as questões geográfica e política, entre outros aspectos”, conta o engenheiro civil com doutorado em geografia.
Na investigação no Arquivo Público Mineiro, o autor de“Formação territorial do Centro-Oeste de Minas Gerais”, encontrou um documento precioso, datado de 1811, com a relação de todos os fazendeiros da região, a área das propriedades e o número de escravizados. Outro documento, de 1805, trouxe à luz o nome dos integrantes (capitães de distritos) da Companhia das Ordenanças nos distritos do Termo da Vila de São Bento do Tamanduá. Faziam parte da vastidão da vila as localidades de Formiga, Santo Antônio do Monte, Piumhi, São Roque de Minas, nas nascentes do Rio São Francisco, Luz e Campo Belo.
Ramon conta que a obra abrange um horizonte temporal que, se iniciando nos primórdios do século XVIII, se prolonga até as duas primeiras décadas da segunda metade do século 20, ao longo do qual o espaço natural se converteu em território esquadrinhado, ordenado e institucionalizado. O livro, acrescenta, é indicado a todos e de forma especial aos pesquisadores, memorialistas, interessados na história do Centro-Oeste de Minas e aos acadêmicos especialistas em estudos regionais voltados à perspectiva mais ampla da formação territorial.
Trechos
Do livro “O ouro no Brasil”, de Danilo Arnaldo Briskievicz
“A Revolta do Serro do Frio aconteceu no período de 1718 a 1720 e colocou em combate e disputa de interesses o descobridor das minas do Serro do Frio Antônio Soares Ferreira e seus camaradas paulistas dos achados das minas do Serro do Frio, especialmente Manuel Rodrigues Arzão e João Soares Ferreira. Todos contra o governo da capitania mineira.
Se por um lado, para que houvesse a criação da Vila do Príncipe, em 1714 houve a Revolta do Rio do Peixe (1711-1715), colocando em disputa armada o grupo do superintendente do distrito das minas serranas, Manuel Rodrigues Arzão, e outro grupo do paulista Geraldo Domingues, ambos “homens bons” e opulentados mineradores, por conta da primazia e distribuição das lavras para a Coroa portuguesa, por outro lado, foi necessário a Revolta do Serro do Frio para que se oficializasse a criação da Comarca do Serro do Frio em 1720.”
Do livro “Formação territorial do Centro-Oeste de Minas Gerais”, de Ramon Victor Cesar
“Ao alvorecer das primeiras décadas do século XVIII, a zona das nascentes do Rio São Francisco, onde se ergueriam, mais tarde, as povoações pioneiras do Tamanduá (hoje, Itapecerica), Piumhi, Formiga e Bambuí, era área de passagem de bandeirantes paulistas que, contornando as fraldas da Canastra, rumavam para Goiás, ou se dirigiam aos currais da Bahia, descendo, para isso, o vale sanfranciscano, depois de atravessar o rio Grande na altura de Piumhi, pelo que chamavam de Caminho Geral do Sertão.
Quando da criação das primeiras comarcas mineiras em 1714, dentre elas a do Rio das Mortes, o governador dom Brás Baltasar ‘decretou para esta, como limites ao sul a serra da Mantiqueira e a oeste o sertão desconhecido”. A ocupação territorial desse imenso sertão e seu povoamento, iniciados ainda nas primeiras décadas do século XVIII, avultaram-se a partir de 1750, devido ao progressivo deslocamento do ‘centro gravitacional da economia mineira para a florescente comarca do Rio das Mortes’, com outros elementos de vitalidade: a agricultura e a pecuária.”
“O OURO DO BRASIL”
• De Danilo Arnaldo Briskievicz
• Editora Appris
• 452 páginas
• R$ 180
“FORMAÇÃO TERRITORIAL DOCENTRO-OESTE DE MINAS GERAIS”
• De Ramon Victor Cesar
• Editora Appris
• 406 páginas
• R$ 95
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