Newton Bignotto
Introdução
Maquiavel nasceu em 3 de maio de 1469 e ainda era jovem quando alguns acontecimentos transformaram Florença. Seu pai, Bernardo Maquiavel, era filho de Niccolò di Buoninsegna e vivia uma vida modesta, embora fosse inscrito na poderosa guilda dos advogados. Como herdou propriedades e dívidas do pai e de um tio, ele não podia exercer sua profissão conforme as regras do ofício em Florença e era obrigado a viver dos escassos recursos que provinham de suas propriedades rurais. Isso não o impedia de frequentar as famílias mais importantes da cidade e os humanistas, que eram a elite cultural de então. A mãe de Maquiavel, Bartolomea, também vinha de uma antiga família florentina que no século XIV havia acumulado uma pequena fortuna e mantinha laços com Petrarca. Bartolomea era uma mulher culta, que tocava música, lia e escrevia, enquanto cuidava da casa e dos filhos. Maquiavel tinha duas irmãs – Primavera e Margherita – e um irmão – Totto –, com quem manteve laços de afeto durante toda a sua vida.
Bernardo deixou escrito um Livro de Registros, no qual anotava suas contas e observações a respeito dos negócios, mas também aspectos da educação dos filhos. Essa prática era comum entre as famílias florentinas, o que contribuiu para que conhecêssemos melhor a vida dos habitantes da cidade renascentista. Com ele, aprendemos que Maquiavel começou a estudar aos sete anos e que aos doze aprendia os clássicos latinos, como era usual naquele tempo. Em sua casa havia livros de Aristóteles, Cícero, Ptolomeu, Boécio e outros autores clássicos, que serviriam de referência em suas diversas obras de maturidade. Esse período de aprendizagem foi definido por nosso autor como uma época feliz, a mais feliz de sua vida.
Sua juventude, sobre a qual pouco sabemos, foi também o período do encontro com a política. Quando estava prestes a completar nove anos, em 1478, estourou em Florença uma conspiração organizada pela família Pazzi, visando assassinar os irmãos Lourenço e Giuliano Médici no Duomo, principal igreja da cidade. Os Médici vinham dominando a cidade desde 1434, muitas vezes de forma indireta, mas com grande habilidade. Com o passar dos anos, as outras famílias da oligarquia – os ottimati – foram se dando conta de que o poder dos Médici só aumentava, deixando pouco espaço nos cargos políticos, mas também para os negócios em geral. Na década de 70 do século XV, o poder dos irmãos era grande, mas as finanças da família declinavam.
Os Pazzi haviam tomado dos Médici a posição de banqueiros do Papa, mas não se davam por satisfeitos. Para eles, era preciso atacar diretamente o poder político de seus opositores. Daí nasceu a conspiração que abalou a cidade e transformou a política italiana das próximas décadas. Depois de uma longa preparação e muita hesitação, os conspiradores decidiram atacar os irmãos dentro de uma igreja, com a ajuda de dois padres. Giuliano foi morto, mas Lourenço sobreviveu, apesar dos graves ferimentos.
Como resposta, ele promoveu um verdadeiro banho de sangue em Florença, garantindo o poder até sua morte. Naturalmente, Maquiavel não podia compreender o que ocorrera, mas as agitações que se seguiram na cidade chegaram até sua casa. Seu pai, que não estava envolvido na conspiração, mas era conhecido por divergir de muitos atos dos Médici, temeu se ver tragado pelas circunstâncias. O dia a dia da família acabou sendo alterado pelos acontecimentos políticos e os impactos na já precária situação financeira de Bernardo. Por algum tempo, mesmo os negócios mais simples precisaram ser realizados com total discrição.
Ainda criança, Maquiavel foi marcado pelo encontro com o mundo dos autores clássicos e pelo peso que a política tem na existência humana. O grande acontecimento da juventude de nosso autor, no entanto, foi a morte de Lourenço de Médici em 1492 e a chegada à cidade de Girolamo Savonarola (1452-1498), um monge de Ferrara, em 1490. Com a morte do grande patrono das artes e dos humanistas, Piero se tornou o líder da família Médici, mas não mostrou nem de longe a habilidade política de seus predecessores. Brutal e orgulhoso, não soube conquistar os habitantes de Florença e nem lidar com a nova situação criada pela invasão da Itália pelo rei francês Carlos VIII, que pretendia retomar o reino de Nápoles e, para isso, tinha de atravessar o território florentino.
Piero desesperou-se diante do perigo representado pela presença de um grande exército estrangeiro na Toscana. Cedeu terras, castelos e dinheiro para os franceses e caiu em desgraça aos olhos dos aterrorizados habitantes da cidade. Sob a direção de Francesco Valori, um antigo aliado dos Médici, em 1494 a população tomou a praça da Signoria aos gritos de “Popolo e libertà” (povo e liberdade), sinal de que uma rebelião popular estava em andamento. Piero e o irmão Giovanni fugiram da cidade. Nesse contexto, Savonarola entrou em cena depois de ter advertido os florentinos de que uma catástrofe se aproximava da cidade.
Savonarola foi formado pelos dominicanos para ser um pregador como tantos outros. Ele conservou, até o fim de sua vida, especial apego aos princípios tomistas que o haviam orientado em sua juventude, mas soube combinar uma fé profunda com uma doutrina política, que nada tinha a ver com o pensamento medieval. Foi dessa combinação que nasceu a extraordinária aventura que o lançou ao centro da vida florentina.
Sobre o autor
Newton Bignotto é professor titular aposentado de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor de livros como “Matrizes do republicanismo” (2013), “As aventuras da virtude” (2010), “Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guicciardini” (2006), “Origens do republicanismo moderno” (2001), “O tirano e a cidade” (1998) e “Maquiavel republicano” (1991). Publicou “O Brasil em busca da democracia”, em 2020, e “Golpe de estado – a história de uma ideia”, em 2021, pela Bazar do Tempo, que agora lança “O jovem Maquiavel – o aprendizado da política”.
“O jovem Maquiavel - O aprendizado da política”
• De Newton Bignotto
• Bazar do Tempo
• 188 páginas
• R$ 84
• Lançamento neste sábado (19/10), às 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, BH)
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