O jornalista belo-horizontino Tiago Rogero, criador do podcast

O jornalista belo-horizontino Tiago Rogero, criador do podcast

crédito: Lipe Borges/Reprodução

O título deste texto é essencial para entender o jornalista Tiago Rogero, criador dos podcasts "Negra voz", "Vidas negras" e "Projeto Querino", este recentemente lançado em livro. As raízes mineiras e as lembranças da infância num bairro periférico de Belo Horizonte ora ou outra ditam o ritmo das conversas com Tiago. "Entre as pessoas que trabalham ou trabalharam comigo, tem toda uma piada sobre ser difícil eu começar a falar qualquer coisa, inclusive em entrevistas internacionais, sem que eu não mencione que sou mineiro. Geralmente, é uma das primeiras coisas que falo. Sou muito bairrista".

 

Tiago cresceu no Maria Goretti, bairro criado a partir do antigo povoado do Onça, assim como os vizinhos Eymard, Pirajá e São Gabriel, entre outros da Região Nordeste de Belo Horizonte. E, ao longo desta entrevista sobre o livro-reportagem "Projeto Querino – um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil", lançado pela editora Fósforo, entender a forte ligação do jornalista com a capital mineira ajuda a ouvir além do podcast e do livro. E, para isso, proponho a você escutar as "aspas sonoras" da entrevista deixadas ao longo deste texto.

 

"Acho que as três coisas que mais fazem sentido na hora de me descrever é que eu sou jornalista, sou mineiro e sou atleticano", diz o jornalista e correspondente do jornal The Guardian na América do Sul. Tiago Rogero venceu o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog em 2023 com o podcast "Projeto Querino". A série está também na lista dos 10 melhores trabalhos jornalísticos em áudio de 2022 pelo Prêmio Gabo.

Nascido em 1988, Tiago carrega boas lembranças da infância no Maria Goretti, onde perdeu a conta de quantas vezes machucou o dedão do pé jogando bola descalço com os amigos na rua. "BH é uma cidade grande, mas o Maria Goretti tinha uma lógica um pouco de interior. Então, era muito prazeroso". A ligação com a região, porém, é mais profunda. Uma das fazendas que deram origem ao bairro pertencia a um de seus antepassados. História que Tiago espera um dia poder pesquisar e transformar em áudio e texto.


Ponto de virada

Revelar trajetórias pouco conhecidas ou intencionalmente apagadas ao longo de décadas é a essência do trabalho de Tiago. Essa inquietação o levou, em 2018, a dar início às pesquisas que serviram de base para o "Projeto Querino". O "estalo", como explica no livro, veio durante palestra da escritora e imortal da Academia Mineira de Letras (AML) Conceição Evaristo sobre o ensino da "Revolução Farroupilha nas escolas, mas não a Revolta dos Malês", ocorrida em Salvador (BA), em 1835.

Livro

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Reprodução

A necessidade de um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil no sistema de ensino do país aparece em outro aspecto da relação de Tiago com a escritora, também nascida em BH. "Só fui descobrir a Conceição Evaristo morando no Rio de Janeiro. E a Conceição é uma das maiores escritoras do Brasil, reconhecida internacionalmente. Acho que faria toda a diferença pra mim ter lido ela morando em BH", afirma o jornalista, que desde 2011 mora no Rio.


"Meu superpoder"

A distância entre as capitais fluminense e mineira Tiago encurta algumas vezes ao longo do ano para visitar a mãe, conversar com os amigos e assistir a jogos do Galo, seu time de coração. Entre reencontros, tira um tempinho para visitar barracas de temperos na Feira dos Produtores ou no Mercado Central. "Eu gosto muito de pimenta e não conheço ninguém que coma mais pimenta do que eu. É o meu superpoder totalmente desnecessário", brinca.

O trajeto entre o Rio e BH, muitas vezes, ele percorre de carro, tempo que aproveita para relembrar outra de suas paixões: a música. Os álbuns "Clube da Esquina" (1972) e "Tábua de Esmeralda" (1974) são grandes referências para Tiago, que toca violão, cavaquinho e, nos últimos dois anos, começou a fazer aulas de piano. "Gosto muito de ir a BH e voltar de carro pro Rio. Outro dia, estava escutando o disco ao vivo do Samuel Rosa e Lô Borges e chorando no carro porque eu amo muito Minas."

No podcast, a influência musical aparece em vários trechos, em especial no episódio "Chove chuva", que destaca a genialidade de Jorge Ben Jor. No livro, Tiago ressalta no começo do terceiro capítulo que, "a julgar pelas mensagens e e-mails" recebidos, o episódio "foi de longe o favorito entre os ouvintes". E os fãs certamente vão gostar da recém-lançada versão impressa. Atualizações e ajustes garantem uma nova experiência.

 

Versão estendida

Esse novo olhar transforma o livro numa versão estendida do podcast, lançado em 6 de agosto de 2022. A principal preocupação de Tiago Rogero era de que os textos não fossem apenas a transcrição dos episódios. A linguagem informal do livro faz o leitor praticamente ouvir a voz de Tiago a cada linha. Ela dita o ritmo da leitura, como conduz a versão em áudio. E, para manter essa fluidez, as aspas das entrevistas tiveram um tratamento gráfico para se destacarem nas páginas do livro.

 

Propósito nas entrelinhas

"Acho que o resultado está muito próximo e, ao mesmo tempo, diferente o suficiente para que justifique a própria existência do livro. Não podia ser uma transcrição. As pessoas que ouviram o podcast vão encontrar muito mais informações", explica Tiago. Outra novidade que amplia o entendimento das histórias do "Projeto Querino" são ilustrações de personalidades como a defensora dos direitos das mulheres e das trabalhadoras domésticas Laudelina de Campos Melo (1904-1991); o médico e psiquiatra Juliano Moreira (1873-1933); a médica e professora Maria Odília Teixeira (1884-1970); e o intelectual Manuel Raimundo Querino (1851-1923), que dá nome ao podcast e ao livro.

Quadros históricos: livro

Quadros históricos: livro

Arte EM

Tiago Rogero diz que está em seus planos propor ao Guardian um trabalho sobre uma história nascida na Grande BH. Se a intenção de pesquisar sobre seus ancestrais no Bairro Maria Goretti ainda é um sonho mais a longo prazo, esse trabalho ao redor da capital mineira não é. O jornalista afirma ser "apaixonado pelo trabalho" das personagens dessa próxima reportagem, sobre a qual falou abertamente. Porém, para evitar spoiler para ouvintes, leitores e até as próprias pessoas a serem entrevistadas por Tiago, com as quais ele não tinha entrado em contato até o dia desta entrevista, essa informação fica para uma próxima conversa.


O projeto Querino

É um podcast em oito episódios lançado em agosto de 2022 e que apresenta momentos decisivos da história do Brasil do ponto de vista dos africanos e de seus descendentes. O trabalho, idealizado e apresentado pelo jornalista Tiago Rogero, é uma produção da Rádio Novelo e teve reportagens publicadas revista piauí.

 

"Projeto Querino: um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil"
Tiago Rogero
Editora Fósforo
400 páginas