Hélio Pellegrino

Quinho


Rogério Faria Tavares
Especial para o EM

 

Mineiro de Belo Horizonte, onde nasceu em 5 de janeiro de 1924, Hélio Pellegrino formou-se em medicina pela UFMG aos vinte e três anos, decidido a exercer a psiquiatria. Mudando-se para o Rio de Janeiro em 1952, ano em que também iniciou sua formação psicanalítica, conciliava sua prática clínica com o trabalho na imprensa, onde atuou por décadas assinando artigos e crônicas, passando por “O Globo”, “Correio da Manhã”, “O Pasquim”, “Jornal da República”, “Folha de S.Paulo” e “Jornal do Brasil”. Foi um dos ‘quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse’, como ficou conhecido o grupo de amigos-escritores composto também por Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.


A partir do golpe militar de 1964, e sobretudo depois de 1968, Pellegrino destacou-se como um dos líderes da intelectualidade brasileira contra o arbítrio, participando de passeatas e comícios, e integrando a chamada “Comissão dos cem mil”, que se encontrou com o general Costa e Silva em Brasília para negociar (sem êxito) o fim da repressão policial às manifestações de rua. Preso por três meses em 1969, acusado de subversivo, enfrentou e venceu processo penal, sendo absolvido por tribunal militar.


Retomando sua vida profissional, e ciente do caráter elitista da Psicanálise, fundou, com Catarina Kemper, as famosas ‘Clínicas Sociais’, que prestavam atendimento gratuito a clientes de baixa renda, realizando as memoráveis sessões públicas de análise. Expulso da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro por denunciar que um dos candidatos a se filiar a seus quadros era torturador, obteve judicialmente, depois de espera penosa, sua reintegração como membro da entidade.

 



 

Qualificando-se como cristão e socialista, foi um dos idealizadores, com Frei Betto, do MIRE, o Grupo de Oração e Estudo ‘Mística e Revolução’, surgido em 1985, sob forte influência da Teologia da Libertação. Casado desde 1947 com Maria Urbana Pentagna Guimarães, com quem teve sete filhos, se uniu, em 1974, à física Sarah de Castro Barbosa, e, em 1986, à escritora Lya Luft, com quem morava quando faleceu, em 23 de março de 1988, aos 64 anos, de problemas cardíacos.


A estreia de Hélio Pellegrino em letra de forma se dá em 1946, quando começa a enviar poemas e artigos para Otto Lara Resende, que os publica em jornais do Rio de Janeiro, o que fará até 1952. Em 1947, edita o primeiro e único número da revista “Nenhum”, de que também participam Murilo Mendes, Emílio Moura e Otto. Com ilustrações de Guignard, nela aparecem dois poemas de Pellegrino: “Flor elétrica” e “Balada social”.

 

 

No mesmo ano, entre setembro e outubro, se dedica ao “Livro da amiga”, série de quarenta e dois poemas dedicados à Maria U0 rbana, até hoje inédito. Também em 1947, por iniciativa de amigos do grupo literário “Edifício” (composto, entre outros, por Wilson Figueiredo, Sábato Magaldi e Autran Dourado), surge plaquete contendo dois poemas de Pellegrino: “Deixe que eu te ame” e “Poema do príncipe exilado”, considerado esplêndido por Mário de Andrade.


Na década de 1980, Hélio Pellegrino contribui com textos para livros como “Crise na psicanálise”, da Editora Graal, de 1982, “Grupo sobre Grupo”, da Rocco, de 1987, e “Os sentidos da paixão”, da Companhia das Letras, também de 1987. “A burrice do demônio” (Rocco, 220 páginas), organizado pelo próprio Pellegrino, é uma coletânea de cinquenta e nove artigos por ele veiculados na “Folha de S.Paulo” e no “Jornal do Brasil”, entre 1968 e 1988, data de seu falecimento, e, também, da publicação do livro.

 

 

A exceção é “A honra de ser inseto”, de 1968, em que o autor compara a metamorfose de Gregor Samsa, personagem de Kafka, à situação dos operários no regime capitalista. O volume inclui, ainda, dois contundentes textos sobre a tortura: “A tortura política” e “Tortura e anistia”, que começa assim: “Tortura não é ato de guerra. É crime contra a humanidade e, como tal, inanistiável e sem prescrição”.


Em 1993, aparece “Minérios domados – poesia reunida” (Rocco, 248 páginas, a ser reeditado em 2025), com seleção e edição de Humberto Werneck, trazendo cento e noventa poemas, e provando que o autor não era poeta bissexto, e, sim, contumaz, como observa Francisco Iglésias já na orelha. Aqui, os leitores encontrarão o célebre “Plenitude”: “A pedra, o vento, a luz alteada, /o salso mar eterno, o grito/do mergulhão, sob o infinito/azul:/-Deus não me deve nada”.


De 2003 é o belo “Meditação de Natal” (Editora Planeta, 22 páginas), reflexão potente e profunda sobre o nascimento de Jesus, com ilustrações de Odilon Moraes e Maurício Paraguassu: “Somos fuliginosos, perplexos, desgarrados e tristes. Somos seres humanos, transumanados em Cristo, homem divino. Somos ‘bichos da terra, tão pequenos’, mas a centelha do amor de Deus mora em nós. Por isto, temos a possibilidade da louca alegria. Cristo bailarino. Cristo dançarino.

 

O mais próximo, Próximo. Ali, na esquina, está ele, e me olha, e te olha, e nos olha. Ali, naquele bar, naquele beco, naquela masmorra, naquele hospital. Onde a carne sofre, aí está o Cristo, crucificado. Onde a carne ama, aí está o Cristo, glorificado. Onde está o homem, aí está o Cristo, suprema possibilidade do humano. Aqui.”


Em 2004, organizado pela neta Antônia por ocasião de seus oitenta anos, surge outra coletânea de textos de Hélio Pellegrino: “Lucidez embriagada” (Editora Planeta, 197 páginas), onde se inclui o notável “Minibiografia”, que está também no disco recital “Os quatro mineiros”, lançado pela Som Livre em 1981, gravado por Hélio e seus amigos Otto, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos: “Tive na infância uma fé de carvoeiro, reta, palpável, evidente. Hoje sou socialista e marxista, mas sinto que a experiência religiosa é o fundo absoluto em que me apoio para construir a noção da dignidade da pessoa humana – e do seu trabalho”.


Logo no ano de sua morte, em 1988, sai “Hélio Pellegrino A-Deus – Psicanálise e religião” (Editora Vozes, 250 páginas), organizado por João Carlos Moura. O volume traz vinte e cinco textos escritos por personalidades próximas ao autor, como Affonso Romano de Sant’anna, Eduardo Mascarenhas, Leonardo Boff, Junito de Souza Brandão, Jurandir Freire Costa e Washington Novaes.

 

Dez anos depois, pela Coleção ‘Perfis do Rio’, vem a lume “Hélio Pellegrino – a paixão indignada” (Relume Dumará, 122 páginas), de Paulo Roberto Pires, vitorioso na tarefa de erguer sedutor perfil biográfico de Pellegrino.


Agora, no centenário, acaba de chegar às livrarias “Hélio Pellegrino – inconfidências” (Atos e Divãs Edições, 251 páginas), conjunto de afetuosas reminiscências sobre o mineiro reunidas por um de seus amigos mais próximos, João Batista Lembi Ferreira, padre católico que deixou a batina para dedicar-se, logo depois, à clínica psicanalítica.

 

Escrita em prosa poética e ilustrada com fotos do arquivo da família, a obra oferece aos leitores um percurso sentimental pela trajetória pessoal e pública de Pellegrino, sem esquecer os detalhes curiosos, os casos divertidos, as histórias inusitadas, e com o foco, principalmente, em seu fascinante jeito de ser, de viver e de relacionar-se com os outros, em seu carisma e em seus sentimentos, e nos movimentos de sua alma, tudo sob a ótica de quem testemunhou, de perto, os acontecimentos protagonizados por Pellegrino.


Previsto para ser lançado pela Editora Rocco, “Hélio Pellegrino: o pai”, com 83 páginas, é da lavra de João, o filho caçula do psicanalista. Com prefácio de João Batista Lembi Ferreira, o volume revela, em registro intimista e informal, mas sobretudo afetivo, o lado menos conhecido de Pellegrino, retratando sua vida familiar e doméstica, e, sobretudo, sua presença e importância na formação do autor, sem descuidar de momentos cruciais da sua biografia, como a sua prisão durante a ditadura militar.

 

ROGÉRIO FARIA TAVARES é jornalista, doutor em Literatura e presidente emérito da Academia Mineira de Letras.

 

Capa do livro "Hélio Pellegrino: Inconfidências"

Reprodução

 

“Hélio Pellegrino: Inconfidências”
• De João Batista Lembi Ferreira
• Atos & Divãs Edições
• 252 páginas
• R$ 98
• Lançamento neste sábado (23/11), das 11h às 14h, na Livraria da Rua (Rua Antônio de Albuquerque, 913, Funcionários, BH)

 

Leia trecho inédito de “Hélio Pellegrino: o pai”, livro de João Pellegrino

 

“A psicanálise para o meu pai foi uma tábua de salvação”

Psicanálise

 

“Hélio Pellegrino queria ser filósofo e teria cursado a faculdade de filosofia, se tal faculdade existisse, em Belo Horizonte, naquela época. O pai era um médico ilustre. O irmão mais velho era um jovem médico que se tornaria um cientista mundialmente conhecido, pelos estudos desenvolvidos sobre as doenças tropicais. Estudar medicina, então, foi a opção mais natural naquele momento.


Logo ficou claro, no entanto, que o talento dele não ia de encontro ao conhecimento biológico, funcional e anatômico do corpo humano. Através do sofrimento intenso que sentia, às vésperas das angustiantes aulas práticas de dissecação de cadáver, viu que aquilo, definitivamente, não era para ele. Logo cedo, percebeu que as doenças que desafiavam sua compreensão tinham origem nas mais profundas instâncias da mente.


A especialização em psiquiatria apareceu como um caminho. Mas logo viu, no entanto, que não era muito bom em receitar remédios e, muito menos acreditava nas técnicas de lobotomia e eletrochoques, utilizadas na época para tratar os distúrbios psíquicos. O encontro com a psicanálise representou para o meu pai uma forma de libertação pessoal e um caminho para desenvolver e consolidar seu pensamento. Juntando filosofia, política e religião às percepções freudianas sobre a constituição psíquica do Sujeito em meio a civilização, percebeu ali o seu filão mais rico.


Desde cedo, a psicanálise estava entranhada em nossas conversas e na forma com que me fazia perceber a natureza humana. Ele sabia que a identificação que tínhamos nos aproximava da mesma luz. Mas receava ao mesmo tempo, que pudesse nos aproximar de certas escuridões, da mesma maneira. Hoje percebo, claramente, as mensagens sopradas carinhosamente nas entrelinhas poéticas das nossas manhãs. Ele queria me ensinar um caminho, para que eu também soubesse me proteger no futuro. Tudo começa com: Conhecer-se. Depois: Procurar-se. E finalmente: Descobrir-se. Dizia, volta e meia, que o grande pecado era não fazer. Era se deixar tragar pelo vazio, pelo inebriante e doce desejo de não ser que nos chama de volta, como um canto das sereias, à prisão eterna do útero materno.


A psicanálise para o meu pai foi, sobretudo, uma tábua de salvação. Um instrumento que encontrou para sobreviver a um momento existencial difícil, pelo qual teve que atravessar. Acabou transformando esse conhecimento todo em profissão de vida. E exerceu com muita dedicação, ética e paixão, o ofício de psicanalista, até o final dos seus dias”.

 

João Batista Lembi Ferreira
(autor de “Hélio Pellegrino, Inconfidências”)

“Ele usava de eloquência e poesia, era indignado e acolhedor

 

O que motivou a escrever um livro sobre Hélio Pellegrino?


Escrevi “Hélio Pellegrino, inconfidências”, com muito medo de ser pretensioso. Jamais pensara em escrever um livro. Brotou da alma como grito de gratidão. Quis somar, atendendo ao apelo de Maria de Andrade, da Fundação Casa de Rui Barbosa, para homenagem a Hélio Pellegrino, realizada no dia 28 de agosto.

 

O silêncio sobre o Pensador da Esperança chamou a atenção de admiradores e amigos. Por que cancelar Hélio Pellegrino? Ele incomodava pela notável atuação inflamada nos campos da política, da religião, da psiquiatria e psicanálise, com palavras e ação. Usava de eloquência e poesia. Era indignado e acolhedor, não queria guerra, pregava o amor. Falava e fazia. Teceu corajosas críticas às instituições, denunciando o anacronismo de teses e o esclerosamento de práticas. Mostrou que o rei estava nu. Propunha uma revolução através da estética.


A linguagem utilizada no livro é a da prosa lírica, poética. Por que tal escolha?


Fico lisonjeado. Escrevi deixando a alma falar pelos dedos. Se a prosa tem um quê de lírico e poético são sopros do vento para falar do encantador de verbos e do trovador das palavras que foi o gênio Hélio Pellegrino.


O que os leitores vão encontrar de novidade sobre a vida de Hélio, em seu livro?


Não sei. Desejo que os leitores vejam a pessoa humana, imensa, que foi Hélio Pellegrino. Muitos fatos ali relatados tiveram assento em outras páginas. Já escrevi artigos contendo algumas histórias partilhadas comigo. No livro, descrevo momentos mais íntimos, pojados de sentimento, onde se pode ver o delicado coração do homem que soube denunciar injustiças, agitar multidões nas ruas, bradando por liberdade e pelo retorno do país à democracia.

 

Algumas informações sobre Hélio e a esposa, Maria Urbana, são conhecidas só pelos mais próximos. As angústias existenciais, o questionamento de Deus, a aflição de não ter sido “um bom pai” não foram confidências nem confissões e, sim, revelações em conversas amistosas, acontecidas em fecundos encontros marcados pela emoção e amizade.


Quais as principais contribuições de Hélio Pellegrino para a cultura brasileira?

 

Hélio Pellegrino foi jornalista, ensaísta, poeta, político, escritor, médico, psiquiatra, e, sobretudo, psicanalista. Escreveu com rara propriedade sobre teatro, filosofia e teologia. O jornalismo, em especial no formato da crônica, muito lhe deve. Foi influente na luta antimanicomial, levantou sua voz para apontar desmandos e desvios nas instituições psicanalíticas. Fundou a Clínica Social de Psicanálise “Anna Kattrin Kemper”, pioneira no Brasil, para atender aos despossuídos e desapossados. Foi cumprimentado pelo filósofo Michel Foucault pela criação da Clínica Social, cuja importância foi considerada fundamental pelo francês para o movimento psicanalítico.

 

É o único psicanalista brasileiro que tem um verbete no Dicionário Psicanalítico Internacional de Élisabeth Roudinesco. “Burrice do demônio” (crônicas) e “Minérios domados” (poemas) são duas preciosas e deliciosas obras de Hélio Pellegrino. As obras completas estão sendo reunidas para uma grande publicação em comemoração ao centenário de Hélio Pellegrino, o patrono da “Psicanálise Brasileira Socialmente Compromissada”.


Que influência Hélio Pellegrino exerceu sobre sua vida?


Era eu padre, cheio de conflitos, quando procurei um psicanalista do Rio de Janeiro. Era Hélio Pellegrino. Houve longa entrevista em que praticamente somente eu falei. Ao final, disse-me: “não vou ser seu analista. Quero ser seu amigo”. Fiz formação psicanalítica, dele recebi o primeiro cliente, foi meu primeiro supervisor. Estivemos juntos na luta contra a ditadura, compusemos a Comissão dos Cem Mil.

 

Capitaneados por Frei Betto, ingressamos no MIRE, Grupo de Oração e Estudos Mística e Revolução. Fomos a Cuba. Viajamos juntos por 40 dias pela Europa. Dirigimos juntos a Clínica Social de Psicanálise “Anna Kattrin Kemper”. Sem favor e com profunda gratidão, devo minha paixão pela psicanálise a Hélio Pellegrino.

 

Que falta Hélio Pellegrino faz ao Brasil de hoje?


Hélio Pellegrino liderou um notável grupo de intelectuais durante a ditadura, lutando pelo retorno da democracia ao país. Era o principal líder intelectual das passeatas e comícios, consagrando-se como primoroso e exímio orador. Imbatível na esgrima verbal. No campo da psicanálise inquiriu e questionou práticas e métodos totalmente distorcidos e divorciados dos ensinamentos de Freud. Como jornalista, seus escritos eram adoráveis, em impecável forma vernacular, adjetivação vasta e rica, argumentação irretorquível. Que falta ele faz? Não apareceu outro! Ainda nos sentimos órfãos!

 

João Pellegrino
(filho do psicanalista e autor de livro a ser lançado sobre o pai)

“Relato íntimo de uma convivência de carne e osso”

 

O que os leitores vão encontrar no livro que escreveu sobre seu pai?


Vão encontrar o relato emocional, íntimo e verdadeiro de uma convivência de carne e osso, intensa e particular, entre mim e Hélio Pellegrino, nos últimos 22 anos da vida dele.


Como foi o processo de escrita dessas lembranças?


Eu sempre tive com meu pai uma identificação muito profunda e sensível. Eu gostava do que ele gostava e nos perdíamos em divagações e filosofias desde sempre, desde quando eu era criança. Fui o último filho a estar com ele na noite derradeira da partida. Tínhamos um encontro marcado para o dia seguinte. Foi difícil de entender. Demorei 36 anos, desde a morte dele, para conseguir falar sobre meu pai. Há cerca de 5 anos, reencontrei o João Batista Lembi Ferreira - amigo de fé, da vida toda de Hélio Pellegrino.

 

Nas nossas conversas, João Batista passou a me mostrar os textos preciosos que escrevia sobre os momentos e memórias que viveu com o amigo Hélio. Percebi que essa era a forma que ele tinha encontrado para manter viva a amizade, mesmo após a morte, e isso me fez procurar também as memórias do meu pai dentro de mim. Para minha surpresa essas recordações haviam permanecido muito vivas e fortes e queriam falar e dizer. No ano do centenário do nascimento de Hélio Pellegrino, João Batista me provocou: por que você não escreve um livro contando como era ser filho do Hélio Pellegrino?

 

Devolvi a provocação: por que você não escreve um livro, a partir dos seus textos, sobre o amigo Hélio Pellegrino? Cumprimos o desafio! João Batista escreveu “Hélio Pellegrino Inconfidências” e eu escrevi “Hélio Pellegrino, pai”. Ambos os livros acabaram tecendo relatos singulares e complementares, sob o ponto de vista do afeto, do ser humano Hélio Pellegrino.


Quais foram os traços mais marcantes de Hélio Pellegrino enquanto pai?


Hélio Pellegrino tinha 41 anos quando eu nasci. Já estava estabelecido e reconhecido profissionalmente e mais maduro e sereno como pessoa. Com a chegada de mais um filho, inesperado e temporão, à família de 6, finalmente, acabou se descobrindo pai. Dedicou-se à função com uma comovente dedicação. Foi um pai muito amoroso e que sempre me incentivou a pensar e a perceber o mundo que nos cerca, tanto de uma forma crítica, quanto poética. Meu pai foi um grande interlocutor, amigo íntimo, divertido e um sujeito sem igual.


De que mais você sente falta na convivência com seu pai?


Sinto muito a falta da inteligência e da capacidade incrível que tinha de juntar assuntos diversos sempre em busca de uma síntese inusitada, de uma sacada interessante, de um outro ponto de vista longe do senso comum. Sinto muita falta das conversas que tínhamos: infinitas e saborosas…sinto falta dos telefonemas às seis da manhã para pedir a minha opinião sobre algum artigo novo que tinha escrito…sinto falta da intensidade dele.


Qual é a falta que Hélio Pellegrino faz ao Brasil de hoje?


Nos tempos sombrios em que vivemos hoje em dia, o pensamento de Hélio Pellegrino se apresenta mais atual e luminoso do que nunca, e vai além do que isso - se fazendo absolutamente necessário! Hélio Pellegrino acreditava na importância do outro e na sua necessidade enquanto fundação para um mundo mais justo e equilibrado. Acreditava no diálogo, acima de tudo, como forma de busca por uma síntese sempre melhor e enriquecedora. Hélio Pellegrino foi um sujeito combativo, avesso às injustiças e ditaduras, mas sempre foi defensor da troca de ideias. Apesar de ser indignado e comprometido com o que acreditava, sempre foi da paz, nunca foi da guerra.

 

Acreditava na diferença de pensamentos e opiniões, e na riqueza que isso poderia trazer para alcançarmos um mundo mais justo, com menos desigualdades em todos os níveis. Estamos trabalhando, no ano do centenário, para organizar e lançar “As obras completas de Helio Pellegrino”, e finalmente trazer ao público a produção de textos psicanalíticos, psico-sociais, políticos, religiosos, além da produção jornalística e poética, desse pensador brasileiro poderoso, profundamente original e infinitamente rico e inspirador. A frase de Pellegrino: “A inteligência usada para o mal é pior do que a burrice”, deveria ser usada como advertência nos sites de inteligência artificial e na política

 

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