Nicolas Behr

FáBIO MENDES/divulgação

 

Adriana Versiani e Nicolas Behr: união de forças poéticas para o amigo Guilherme Mansur (1958-2023)

 

Roberto B. de Carvalho

Especial para o EM


Com cinco poemas de Adriana Versiani e outros cinco de Nicolas Behr — amigos de Guilherme desde os fervilhantes anos da poesia marginal e dos festivais de inverno de Ouro Preto —, “GuiMansur” será lançado a partir das 11h deste sábado (23/11) na Papelaria Mercado Novo, em Belo Horizonte. Durante o evento, haverá uma conversa com os autores e será projetado o videopoema “Pedras, gatos e outros tipos”, de Cláudio Santos.

 

“GuiMansur” é o mais recente trabalho da Tipografia do Zé, pequena editora da capital mineira dedicada à publicação, com tiragem reduzida, de trabalhos artesanais em tipografia de caixa e impressão manual em papéis especiais. Na nova obra, feita a quatro mãos, os textos não estão separados em blocos de autores nem os poemas levam a assinatura de cada um deles. Fica então a pergunta: Como distinguir as autorias? O que é de quem?

 




O designer e editor Flávio Vignoli, cérebro e motor da Tipografia do Zé, encontrou uma solução simples e criativa, que protege a autoria e ao mesmo tempo cria a sensação de que os poemas são de um mesmo autor. Os textos de Adriana Versiani aparecem com tipo claro em caixa-alta, enquanto os de Nicolas Behr estão em negrito e caixa-baixa. A codificação sutil e engenhosa é apresentada já na capa do volume e orienta o leitor em sua viagem pelas páginas internas. Outro detalhe notável é a concepção gráfica do título. Ao explorar traços, sinais, estilização de letras e deslocamentos, o designer obteve algo que, além de bonito e funcional, se assemelha à representação visual de uma marca.


Os poemas-tributo, ou encomiásticos, como os próprios autores admitem, figuram um dos poetas-símbolo da cidade de Ouro Preto por meio de metáforas associadas à sua poética e à sua vida ou por terem sido escritos à sua maneira.


Ao falar sobre a criação dos poemas para o volume, Adriana, que nasceu e cresceu em Ouro Preto, conta que a ideia era aproximá-los da forma como Guilherme construiu sua poética. “Queria que houvesse um diálogo entre linguagens”, ela resume. Nicolas é de Cuiabá e mora em Brasília desde 1974. Na segunda metade dos anos 70, começou a frequentar Ouro Preto e ali conheceu Guilherme Mansur. “Nunca fizemos um livro juntos, mas publiquei no Poesia Livre, um saco de poemas que ele criou e era muito bacana”, lembra Nicolas. “Havia entre nós uma admiração recíproca e uma amizade muito forte, cultivada até os últimos dias dele.”

 


Elementos centrais na vida de Guilherme, como a pedra, a chuva, os telhados, o sino, a cadeira de rodas e o conta-gotas, serviram de mote para a escrita dos poemas de GuiMansur.

 

o poeta se chove
sobre ouro preto

chuva que cessa
ao tocar
os telhados

guilherme escorre


seco pelas paredes

Com este texto, de poucas palavras e muitas referências ao saudoso amigo, Nicolas Behr abre o volume. Adriana o encerra com um poema que remete à vida penosa do autor em razão de uma doença neurológica progressiva.

 

LEIO RÓTULOS
BEBO LÂMINAS
RESPIRO EM
CONTA
GOTAS

 

Natural de Ouro Preto, Guilherme Mansur (1958-2023) cresceu dentro de uma tipografia, foi alfabetizado por uma caixa tipográfica e cedo começou a compor poemas na velha oficina. Logo daria início à publicação de poesia-postal, sacos de poemas, plaquetes, livros, cartazetes, tabloides, objetos e instalações, sem nunca perder de vista a linguagem com signos. Esse trabalho singular, extenso e variado — que merece estar reunido numa Obra Completa — vai aos poucos conquistando o lugar que lhe é devido no panorama geral da poesia brasileira contemporânea. As homenagens são também um modo de manter vivos o poeta e seu legado — e “GuiMansur”, de Adriana Versiani e Nicolas Behr, abre uma picada para que iniciativas similares tomem o mesmo caminho.

 


Conexão Minas–Centro-Oeste


Em “GuiMansur”, a poesia da mineira Adriana Versiani se funde à do mato-grossense Nicolas Behr para celebrar o mais ouro-pretano dos poetas do nosso tempo. Eles se conhecem há muito tempo e tinham em Ouro Preto um ponto de convergência: a casa do poeta Guilherme Mansur, no bairro do Rosário.


Adriana começou a publicar no início dos anos 1990 em periódicos de Divinópolis e Belo Horizonte. Em 1997, saiu seu primeiro livro: “Dentro/Passa”, em parceria com Camilo Lara, na coleção Poesia Orbital, que ajudou a organizar. Vieram outros depois, em diferentes registros, entre eles “A física dos Beatles” (2005), “A lâmina que matou meu pai” (2012), “Diário de A” (2013), “Arqueologia da calçada” (2018), “Um bicho, dois gravetos, quatro pingos” (2020) e “Jardim de tanka” (2023). Recentemente participou de experiências no campo das artes visuais, inscrevendo poemas seus, na íntegra ou parcialmente, em exposições da artista plástica Laura Belém, na Casa do Baile (2023) e na Galeria Albuquerque Contemporânea (2024), em Belo Horizonte.


Nascido em Cuiabá e radicado em Brasília, Nicolas Behr queria, quando jovem, ser geólogo, historiador ou arqueólogo. Mas acabou, nos anos 80, trabalhando como redator em agências de publicidade e se dedicando profissionalmente, na Fundação Pró-Natureza, a um antigo hobby: a produção de espécies nativas do cerrado. A maior vocação, porém, estava na poesia. Em 1977 publicou, impresso em mimeógrafo, “Iogurte com farinha”, o primeiro de muitos livros de poemas. Em 1993 saiu “Porque construí Braxília”, que deu origem em 2010 ao curta-metragem “Braxília”, de Daniela Proença, um ensaio sobre a relação do poeta com sua cidade de adoção.

 

Em 2008, “Laranja seleta” foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. Até o ano 2000, publicou vários trabalhos, que estão reunidos, por décadas, em três obras: “Restos vitais” (1977-1979), “Vinde a mim as palavrinhas” (1979-1980) e “Primeira pessoa” (1993-2001). Poeta prolífico, são mais de trinta livros publicados de 2001 até hoje. Em 2014, participou, como convidado, da Festa Literária Internacional de Paraty, da Feira Internacional do Livro de Frankfurt e do Festival Latino-americano de Poesia, em Berlim. Em 2015, o Instituto de Letras da UnB instituiu o Prêmio Nicolas Behr de Literatura. No volume I da Coleção Brasilienses, “Nicolas Behr — eu engoli Brasília”, o jornalista Carlos Marcelo traça um perfil biográfico do poeta.

 

ROBERTO B. DE CARVALHO
é jornalista e escritor

 

“GuiMansur”
• De Adriana Versiani e Nicolas Behr
• Tipografia do Zé
• R$ 40
• Lançamento neste sábado (23/11), das 11h às 13h, na Papelaria Mercado Novo (loja 2176) e conversa com os poetas até as 17h no Memória Gráfica Mercado Novo (loja 3166) e, às 17h30, exibição do videopoema “Pedras, gatos e outros tipos”, de Cláudio Santos

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