PENSAR

Marina Colasanti (1937-2025)

Jornalista, publicitária, tradutora e ilustradora, lançou o primeiro dos mais de 50 livros em 1968

Publicidade

Sobre a autora

Marina Colasanti nasceu em 1937 na cidade de Asmara, capital da Eritreia. Residiu posteriormente em Trípoli, na Líbia, mudou-se para Itália e, em 1948, transferiu-se com a família para o Brasil e viveu no Rio de Janeiro até morrer na última terça-feira. Casada com o também escritor Affonso Romano de Sant'Anna, teve duas filhas: Fabiana e Alessandra Colasanti. Jornalista, publicitária, tradutora e ilustradora, lançou o primeiro dos mais de 50 livros em 1968.

Escreveu poesias, contos, ensaios e crônicas para adultos e crianças. Para a também escritora Ana Maria Machado, amiga de Marina, ela “foi uma pessoa de rara coragem existencial, difícil de encontrar”. “Todas as mulheres brasileiras devemos muito a ela, ao papel pioneiro e lúcido que desempenhou em nosso jornalismo, ao exemplo de vida que nos deu, à qualidade única das obras de arte que criou com seus textos e traços, para todas as idades”, destacou Ana Maria Machado.

Poemas selecionados


“Outras palavras”

Para dizer certas coisas
são precisas
palavras outras
novas palavras
nunca ditas antes
ou nunca
antes
postas lado a lado.
São precisas
palavras que inventaram
seu percurso
e cantam sobre a língua.
Para dizer certas coisas
são precisas palavras
que amanhecem.

*

“Vida bem medida”

Da camélia breve é a vida,
mas como dizer breve
de uma vida bem vivida?
Qual é
do tempo
a medida?
Se a flor hoje desabrocha
e amanhã já está caída
não foi breve essa passagem
mesmo não sendo comprida.
Foi o tempo da beleza,
do mais puro alumbramento
e alumbrar, na natureza,
acontece em um momento.


“Perigo quase amigo”

Há no forro do meu teto
um movimento secreto
não sei se de pata ou asa
mas de alguém que ali fez casa.
Esse inquilino abusado
não toma o menor cuidado
raspa, grunhe, pia e arrasta
até que tanta saliência
desgasta minha paciência
e grito e bato no alto
para ver se lhe dou um basta.
Quero expulsar esse intruso
jogar-lhe desinfetante,
e ao mesmo tempo não ouso
pois sinto que o visitante
foi se tornando no tempo
amigo oculto constante.



*

“Amigos meus”


Onde estão vocês
com quem sentei à mesa
e verti vinho?
Não pediram asilo
não fizeram as malas
selo nenhum foi posto em passaporte e
no entanto
não respondem se chamo.

O passado tampouco é confiável.
Tudo é percurso
de uma casa a outra casa
de um tempo que passou a outro que chega
do princípio até o fim
— esses parâmetros que nos foram
vendidos com a passagem
e talvez nem existam —
tudo é viagem.
E como as dos aviões, as rotas
não se encontram.]


“Rota de colisão”

De quem é esta pele
que cobre a minha mão
como uma luva?
Que vento é este
que sopra sem soprar
encrespando a sensível superfície?
Por fora a alheia casca
dentro a polpa
e a distância entre as duas
que me atropela.
Pensei entrar na velhice
por inteiro
como um barco
ou um cavalo.
Mas me surpreendo
jovem velha e madura
ao mesmo tempo.
E ainda aprendo a viver
enquanto avanço
na rota em cujo fim
a vida
colide com a morte.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia


“Eu sou uma mulher”

Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.

Os homens vertem sangue
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.

Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d'água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.

Nosso sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.

O sangue masculino
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.

O nosso vai colhido
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.

Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua.

Tópicos relacionados:

cultura literatura pensar

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay