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Adélia Prado finaliza novo livro e ganha reedições caprichadas

Rumo aos 90 anos, poeta mineira diz que atravessou ‘deserto criativo’ e reage a comentários de leitores: ‘Sinal de que a poesia andou com as próprias pernas'

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“O que sinto escrevo. Cumpro a sina.” A sentença exposta em “Com licença poética”, poema inicial de “Bagagem”, anunciava o nascimento de uma escritora capaz de traduzir em versos os frêmitos do corpo e a inquietude da alma. Indicado por Carlos Drummond de Andrade ao editor Pedro Paulo de Sena Madureira, o primeiro livro de Adélia Prado foi publicado em 1976.

Nascida em Divinópolis em 1935, Adélia chega aos 90 anos em 13 de dezembro com quatro reedições de títulos importantes de sua obra. Mais: a editora Record planeja publicar um novo livro da escritora em 2025. Em entrevista ao Estado de Minas, Adélia confirma que há um inédito a caminho. “O livro que estou escrevendo chegou através de gavetas fechadas há muito tempo. Os manuscritos me apanharam no mesmo lugar, apenas continuei a escrever”, conta, por e-mail, ao Pensar, revelando ainda como atravessou o que chama de “deserto criativo”: “Implorando pela misericórdia divina, que não me faltou, mas importante dizer também que tive a ajuda de algumas pílulas e sessões de análise”.

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Enquanto ela conclui a seleção de poemas para o livro novo, que deve se chamar “Jardim das oliveiras”, as livrarias recebem edições caprichadas de “Bagagem”, “Terra de Santa Cruz”, “O pelicano” e “O homem da mão seca”, originalmente lançados entre as décadas de 1970 e 1990. As capas, assinadas pelo premiado designer Leonardo Iaccarino, reproduzem obras da artista plástica carioca Manoela Monteiro.

“A nova identidade visual apresenta uma linguagem mais abstrata. Esse aspecto mais aberto/interativo traz um frescor para a obra da autora. Tive a sensação de que a abstração poética das obras de Manoela Monteiro, de alguma forma, encaixava com o lirismo da obra da Adélia. Nesse sentido, as artes são um convite reflexivo que complementam a escrita”, afirma Iaccarino.

Lançado em 1976, “Bagagem” continua sendo o maior êxito comercial da ganhadora dos prêmios Camões (o maior da língua portuguesa) e Machado de Assis (da ABL) em 2024. São 48 edições de uma poética “cheia de espanto”, que dialoga com o Drummond de “Poema de sete faces” nos versos “Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou”, reverencia Guimarães Rosa (“Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão”) e desconcerta os leitores com uma conversa íntima e única entre o sagrado e o profano, às vezes no mesmo poema.

Além de “Bagagem”, a Record reedita outros dois livros de poesia: “Terra de Santa Cruz” e “O pelicano”. Neste último, publicado em 1987, a autora introduz um personagem, Jonathan, que perpassa diversos poemas e pode ser lido, como aponta o texto de apresentação, como “um Godot beckettiano, onipresente, a própria poesia, mas também o sagrado, o desejo, o amor.” Jonathan está nos versos finais do arrepiante “O nascimento do poema”, um dos momentos mais fortes do livro.


A primeira leva de reedições se completa com um romance. “O homem da mão seca”, publicado pela primeira vez em 1994, traz como protagonista uma mulher obcecada por Deus (“Meu amor por Vós é um pranto”, “Vou escrever poéticas para Vosso deleite”), atormentada por uma dor na boca (“O universo inteiro, Deus incluído, é este ponto doloroso no meu dente”) e por questões existenciais (“O que me faz mais humana? Mansidão ou desespero frente a meu destino?”). “É um livro muito especial pra mim”, afirma Adélia. “Ao escrever esse livro, descobri que era eu o homem da mão seca, o que foi motivo de muita dor, mas também de salvação.”

As reedições chegam quando Adélia Prado, sem aparições públicas depois de enfrentar problemas de saúde, reencontra leitores por meio das redes sociais. O perfil @euadeliaprado, no Instagram, compartilha vídeos da escritora lendo alguns de seus poemas favoritos. “Que vocês sejam inundados pelo amor que me transmitem”, diz Adélia, no vídeo de agradecimento pelos prêmios Machado de Assis (Academia Brasileira de Letras) e Camões, a maior honraria da língua portuguesa.

“A página foi idealizada por Milla Couri, uma amiga muito amada, e logo aceita pela Adélia, que tinha muitas saudades de seus leitores, dos encontros e da troca”, conta Ana Prado, filha da escritora. “Os leitores sempre foram muito generosos e ela sentiu que seria uma forma de retribuir e receber o calor deles. E ela sempre amou falar seus poemas”, lembra Ana, que grava e edita os vídeos com Milla.

“Mas (os vídeos) passam sempre pelo crivo dela (Adélia), que escolhe os poemas. O tempo de postagem também é o dela, o que seus seguidores compreendem. Ela mesma se considera analógica e essa compreensão de todos a deixou muito à vontade. Ela fica muito feliz e se diverte com os comentários. Lê todos. Foi realmente algo que a deixou muito entusiasmada”, revela Ana Prado.

É uma forma de Adélia retomar encontros marcados ao longo das décadas pelo afeto e respeito. Afonso Borges, criador do projeto “Sempre Um Papo”, conta que a história do evento se confunde com a trajetória da escritora. “Sua primeira participação, em 1987, no saudoso Cabaré Mineiro, é lembrada pela explosão de público. Tinha gente pendurada na estrutura metálica do teto. E o silêncio absoluto? Não se ouvia um mosquito voando, além de sua voz”, recorda o produtor cultural.

Afonso Borges acredita que, nos encontros públicos, a construção das ideias de Adélia se dá além da poesia. “Eu perguntava pouco – sabia que Adélia aceitava meu convite quando tinha o que dizer. Melhor: ela sabia o que dizer, e a hora certa. Até no momento mais polêmico, o pedido de oração em um Palácio das Artes com mais de duas mil pessoas, repercute até hoje. Sim, Adélia sabe, e sempre soube, que poesia é política.

Por isso, esta mulher extraordinária valoriza o silêncio”, afirma. “Da minha parte, fico sempre na espera. Ela sabe a hora.” E, novamente, chegou a hora de ler e reler Adélia Prado. Porque, como ela própria nos apontou nos alumbramentos reunidos em “Bagagem”, às vezes “dá até de escurecer de repente com trovoada e raio”. Mas muito maior que a morte é a vida. E o que a memória ama fica eterno.

"Bagagem"
Capa do livro "Bagagem" Reprodução


“Bagagem”
• De Adélia Prado
• Editora Record
• 240 páginas
• R$ 64,90

"Terra de Santa Cruz"
"Terra de Santa Cruz" Reprodução

“Terra de Santa Cruz”
• De Adélia Prado
• Editora Record
• 112 páginas
• R$ 59,90

"O pelicano"
Capa do livro "O pelicano" Reprodução

“O pelicano”
• De Adélia Prado
• Editora Record
• 180 páginas
• R$ 59,90

"O homem da mão seca"
Capa do livro "O homem da mão seca" reprodução

“O homem da mão seca”
• De Adélia Prado
• Editora Record
• 192 páginas
• R$ 59,90

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