João Almino: 'Tenho uma fé inquebrantável na ficção'
Integrante da ABL afirma que o livro 'As cinco estações do amor', de 2001 e recentemente reeditado, é um romance sobre múltiplos sentidos das transformações
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Siga no“João Almino mói no áspero. Amor e amizade. Sexo e sensualidade. Desejo e violência. Daí o naipe de personagens, que tanto aponta para as transformações revolucionárias que deveriam ter sido quanto para as mutações comportamentais que estão sendo.” Assim Silviano Santiago apresentou em 2001 a primeira edição de “As cinco estações do amor”, um dos romances mais importantes da trajetória do escritor potiguar João Almino e que está de volta às livrarias. “É interessante ver de que maneiras o romance também se ressignifica nos nossos dias”, comenta Adriana Lisboa, na orelha da nova edição.
Vencedor do Prêmio Casa de Las Américas, “As cinco estações do amor” faz parte de uma série de romances de Almino ambientados em Brasília: “Ideias para onde passar o fim do mundo”, “Samba-enredo”, “O livro das emoções” e “Cidade livre”. Na extensa fortuna crítica incluída na nova edição, especialistas chamam atenção para o fato de a narrativa apresentar um lado menos conhecido e mais íntimo da capital federal. “Como é habitar a pós-utopia? Em seu brilhante romance, que faz pensar, João Almino capta as contradições da vida cotidiana em Brasília”, destaca Marjorie Perloff, professora emérita de Literatura Comparada na Universidade de Stanford.
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Leia, a seguir, a entrevista de Almino, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), a respeito do livro que tem, ao menos, uma conexão com Minas Gerais: “Minha personagem-narradora é mineira e Minas tem morado em mim desde muito cedo. Sou leitor incansável de Guimarães Rosa, sobre quem tenho dois ensaios”, revela o autor e diplomata, nascido em Mossoró (RN) e ocupante da cadeira 22 da ABL desde 2017.
Poderia apresentar “As cinco estações do amor” aos novos leitores?
É um romance sobre a transformação em vários sentidos; sobre a redefinição da utopia; sobre os vários sentidos do amor e da amizade. Cada um de meus romances traz uma perspectiva sobre a memória. Neste caso, a personagem Ana/Diana tenta apagar o passado para viver do instante, mas o movimento de apagar deixa seu rastro. O romance seguinte vai fazer o contrário: um fotógrafo, já cego, somente pode reconstituir a emoção criada por 62 fotos a partir da memória.
“As cinco estações do amor” é também sobre a escrita: a tentativa da narradora de destruir seu relato cria outro. Finalmente, cada um dos oito romances procura trazer uma perspectiva distinta quanto à escolha do narrador: aqui é uma narradora em primeira pessoa e quatro dos romances têm narradores masculinos em primeira pessoa, porém muito distintos uns dos outros. Tenho uma fé inquebrantável na ficção propriamente dita.
O que permanece e o que mudou nas relações estabelecidas entre os personagens, mais de duas décadas após a primeira edição? As redes sociais teriam interferido nessas conexões caso o livro tivesse sido escrito hoje?
Se mudou, tenho a impressão de que foi para aproximar o relato de temas muito contemporâneos, como o do passado que não se apaga, no caso da desaparecida política Helena, ou da transformação do/da melhor amigo/a da narradora, Norberto/Berta, o trans que convoca o reencontro dos velhos amigos depois de 30 anos — o chamado grupo dos “inúteis”.
Ou ainda sobre a violência, que só aumentou. Talvez uma carta pudesse ser substituída por um WhatsApp, mas isso em absolutamente nada de importante modificaria o romance.
Em análise publicada em 2001, José Castello afirmou que este é o “mais realista, mais substantivo e mais desesperançado” de seus romances. Concorda com a opinião de Castello?
Concordo. Depois de experimentar com o relato fragmentário de moldura irrealista e com a alegoria carnavalesca, quis enfrentar a chamada realidade de frente, sem mediações.
Disse, naquela altura, para responder se era um escritor pessimista, que praticava o pessimismo como método: não compartilhar com a ilusão e não pintar de rosa o lado mais cru da realidade são uma maneira de querer contribuir para uma tomada de consciência fundamental para sua transformação.
Como vê a literatura contemporânea brasileira? O que se destaca, ao seu ver?
Creio que este é um momento muito rico em nossa literatura. O leque da ficção e da poesia só aumentou. O que há de novo é a revalorização da literatura praticada por mulheres, que também estão à frente de muito das inovações atuais. Além disso, saltam aos olhos a valorização da literatura praticada por setores marginalizados ou discriminados da sociedade e, com ou sem essa conotação, livros escritos por negros ou indígenas.
Já é possível, por exemplo, dizer que Carolina Maria de Jesus foi uma das grandes escritoras brasileiras do século 20, lado a lado com Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles ou Hilda Hilst, e não apenas que foi uma favelada que escreveu um livro extraordinário. Ou que “Afalência” (de Júlia Lopes de Almeida)é um excelente romance de uma autora que havia sido esquecida.
Um dos personagens afirma: “Minas está na varanda desta casa”. Como a literatura feita em Minas influenciou a sua literatura?
Não falo de influências, mas de aprendizado, para persistir no meu próprio projeto literário. Nunca morei em Minas, mas minha personagem-narradora é mineira e Minas tem morado em mim desde muito cedo. Sou leitor incansável de Guimarães Rosa, sobre quem tenho dois ensaios. Li Cyro dos Anjos, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e tantos outros. Não há como interessar-se por poesia sem ir com frequência a Carlos Drummond de Andrade e a Murilo Mendes.
Poderia citar vários contemporâneos mineiros, escritoras e escritores que muito admiro, mas não vou citá-los para não cometer injustiças por omissão. Farei uma exceção: Silviano Santiago é não apenas o grande crítico, mas também um ficcionista primoroso que, entre outros livros, soube levar aos seus romances dois escritores que são referência para a literatura brasileira dos séculos 19 e 20: Machado de Assis e Graciliano Ramos.

“As cinco estações do amor”
• De João Almino
• Record
• 240 páginas
• R$ 69,90