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PENSAR

Edição especial celebra 25 anos do Rascunho

Jornal especializado em literatura nascido em Curitiba chega ao número 300 com 48 páginas, contos inéditos e entrevista com Rosa Montero

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“A vida é narração. O ser humano é, sobretudo, palavras. Palavras em busca de sentido.” As palavras da escritora espanhola Rosa Montero fazem ainda mais sentido porque estão em entrevista publicada na edição de abril de 2025 do Rascunho. É uma edição muito especial. Trata-se do número 300 do jornal literário, iniciado há 25 anos em Curitiba, com circulação – e repercussão – nacional.


Nascido em abril de 2000, o “jornal de literatura do Brasil”, como define o editor Rogério Pereira, conta com mais de cem colaboradores em suas edições mensais. “Tenho vitalidade e alegria em editar um jornal literário, apesar de todas as dificuldades”, afirma Pereira ao Estado de Minas, resumindo o objetivo da publicação: “A preocupação central de cada edição é mostrar um importante recorte da literatura brasileira.”


O número que chega aos assinantes, com 48 páginas, foi concebido para ser uma edição especial “que faz jus aos 25 anos do Rascunho”, conta Rogério Pereira, também escritor, autor de romances fortes como “Na escuridão, amanhã” e “Antes do silêncio”.

Ele chama atenção para os textos de ficção, com contos inéditos de Maria Valéria Rezende, Marçal Aquino e João Anzanello Carrascoza, além da longa entrevista com Rosa Montero. “Deu um trabalho considerável: começamos a entrevista em novembro. Enviamos as perguntas por e-mail (em duas oportunidades) e recebemos as respostas em arquivo de áudio. Aí, tivemos de transcrever, traduzir e editar. Ao final, rendeu uma longa e potente entrevista de quatro páginas”, detalha.


“Escrever é uma maneira de viver, e uma maneira especialmente intensa. Em cada livro, aprende-se algo, e cada livro te leva ao seguinte, a outra aprendizagem ou até mesmo a outro erro, como às vezes acontece na vida. Assim, eu diria que o que fazemos é construir uma obra e que a obra é sinônimo de uma vida”, afirma, na entrevista, Rosa Montero.

A partir das palavras da autora de sucessos como “O perigo de estar lúcida” e “A louca da casa”, podemos dizer que editar é uma maneira especialmente intensa de escrever uma história. Em cada edição do Rascunho, aprendemos algo; cada uma das leituras nos leva à próxima. Assim, faço minhas as palavras de Rosa Montero para afirmar que a publicação de um jornal literário por 25 anos ininterruptos é a construção de uma obra. E sinônimo de uma vida.


O Rascunho começa quando a transformação digital ainda estava nos primeiros passos. Como essa mudança atingiu o jornal e como tem sido manter uma edição impressa?


Olhar para aquele abril de 2000, em alguns aspectos, é como espantar-se com uma manada de dinossauros a pastar tranquilamente em uma avenida movimentada. Era outro mundo do ponto de vista digital. Muita coisa ainda apenas engatinhava. O Rascunho, por exemplo, não tinha site em suas primeiras edições. Redes sociais, se não me falha a memória, resumia-se ao falecido Orkut. Os jornais impressos — e os suplementos literários — grassavam fagueiros em um mundo que, em segundos, sofreria uma verdadeira avalanche. Era outro mundo. Nem melhor, nem pior.

Apenas diferente. O Rascunho, por sorte, acompanhou toda esta rápida transformação. É claro que poderíamos ter uma vida mais ativa nas redes sociais — que são essenciais para alcançar e ampliar o número de leitores. Mas o nosso objetivo sempre foi manter um equilíbrio entre a balbúrdia do mundo digital e a lentidão e certo anacronismo da versão impressa.

Por ser um veículo eminentemente literário, a versão impressa preserva grande força. Boa parte dos nossos leitores, mesmo não sendo dinossauros, é formada por seres que apreciam a lentidão arcaica de receber um jornal de papel na caixa do Correio.


A atividade literária brasileira também passou por uma grande transformação nos últimos 25 anos, com ampliação substancial do número de autores publicados e de editoras fora do eixo Rio-São Paulo. Como o Rascunho reflete essa transformação?


Tenho muitas dúvidas de que o Rascunho consiga refletir esta diversidade do mundo editorial/literário brasileiro. Editar um veículo sobre literatura é, no caso específico deste Brasil, deparar-se com a frustração a cada edição. É impossível acompanhar o volume de livros publicados, de editoras, de autores.

A cada edição do Rascunho, abordamos/divulgamos, no máximo, 40 livros (com resenhas, ensaios, entrevistas, notas). É nada, se comparado com o número de livros lançados. E isso que não recebemos todos os livros (de ficção/poesia) publicados Brasil afora. Nossa lista de pauta hoje tem cerca de 600 livros à espera.

Então, talvez o Rascunho reflita mais o que ficou de fora, o que foi excluído, o que deixará de chegar aos nossos leitores. Mas, desde a edição zero, o Rascunho sempre buscou ser o mais plural e democrático possível. A cada edição, esta é nossa preocupação central: mostrar um importante recorte da literatura brasileira.


Poderia citar algumas edições especialmente marcantes e revelar o motivo?


É muito complicado citar edições específicas, levando em conta que já são 300. Mas acho importante ressaltar as primeiras edições: éramos um pequeno grupo de jovens fazendo um jornal de literatura em Curitiba, uma cidade periférica naquele momento.

Então, para chamar a atenção do meio literário, fizemos capas iconoclastas, ferozes, “contra” autores consagrados da literatura brasileira. Era algo meio irresponsável, mas em que acreditávamos. Não me arrependo desta fase, digamos, mais guerrilheira do Rascunho, mas hoje (um senhor de mais de 50 anos) faria algumas coisas com outro tom, sem nunca perder o tom crítico.


O Rascunho perdeu recentemente um de seus fiéis colaboradores, o pernambucano Fernando Monteiro. Quais perdas mais o abalaram nesse período?


Algumas perdas muito significativas aconteceram nestes 25 anos. Por triste coincidência, dois colaboradores históricos do Rascunho morreram recentemente: Fernando Monteiro e Affonso Romano de Sant’Anna. Ambos foram fundamentais para consolidar o Rascunho como uma referência entre os veículos literários. Foram colunistas durante muito anos.

Inclusive, Fernando Monteiro foi o autor entrevistado na edição zero, de abril de 2000. Algum tempo depois, ele virou colunista do Rascunho. Senti muito a morte de ambos. Mas outras perdas, mesmo não sendo nossos colaboradores, me causaram imensa tristeza, como a da Elvira Vigna, uma grande escritora que morreu precocemente. Senti também a perda de Antonio Carlos Viana, Sérgio Sant’Anna, João Gilberto Noll, João Ubaldo Ribeiro, Millôr Fernandes, Nélida Piñon e Marina Colasanti. Todos autores fundamentais na nossa história.


Vinte e cinco anos depois, quais conselhos, advertências e incentivos você diria ao Rogério Pereira que acabara de criar um jornal de literatura no Brasil?


Eu diria: pensa bem, meu jovem! Além deste inútil conselho, eu diria que fizesse um curso no Sebrae (ou por carta) de como bem administrar um empreendimento, cujas dificuldades e desafios se multiplicam num país, digamos, pouco afeito à divulgação da literatura. A questão central do Rascunho sempre foi, e ainda é, o seu equilíbrio financeiro.

A robustez editorial — conquistada graças ao grande e potente número de colaboradores — contrasta com sua fragilidade econômica. Talvez eu devesse ter seguido o conselho da minha falecida mãe, nos anos iniciais do Rascunho: “Pare com esta coisa de jornal e arrume um emprego de verdade”. Agora, me parece um pouco tarde.


O que virá nos próximos 25 anos?


Sinceramente, desejo que o Rascunho se mantenha durante muito tempo ainda. Tenho vitalidade e alegria em editar um jornal literário, apesar de todas as dificuldades. Espero que consigamos manter a relevância do Rascunho, mesmo neste mundo fluido e barulhento ao redor, com este nosso jeito meio anacrônico, sem dancinhas no tik tok ou vídeos engraçadinhos.

Que o Rascunho siga sendo o jornal de literatura do Brasil, num Brasil, na maioria das vezes, tão pouco literário. O importante é reafirmar a cada edição a importância da literatura, dos livros, da ficção, na vida cotidiana das pessoas. Soa um tanto utópico e romântico, mas é algo que me move.

Quais os critérios que utiliza para definir cada edição?


O Rascunho é um projeto colaborativo. Mas isso não que significa que seja a casa da mãe Joana (no sentido original da expressão). Temos rígidos critérios editoriais que devem ser seguidos pelos colaboradores. A escolha dos livros/autores se dá por meio de conversas entre todos via e-mail, WhatsApp, redes sociais. Há uma dinâmica que todos aceitam e respeitam.

Então, minha vida de editor é bastante facilitada. Eu, obviamente, busco manter a cada edição a pluralidade, pensando sempre no equilíbrio entre autores e autoras, pequenas, médias e grandes editoras. É claro que as grandes editoras sobressaem nas edições, por motivos óbvios. No entanto, o Rascunho é um espaço para novos autores e para editoras, digamos, periféricas. Manter um equilíbrio é o grande desafio a cada edição.

Poderia citar alguns autores mineiros que passaram pela Rascunho nesses 25 anos e como eles se destacaram, em entrevistas, resenhas ou inéditos?


Vários autores mineiros passaram pelas páginas do Rascunho. O que me parece algo bastante natural, levando em conta a potência da literatura mineira. Citar nomes, como sempre, é deixar alguém de fora — até porque minha memória esboroa-se com a celeridade de uma lebre assustada.

Mas destaco as participações no Paiol Literário (projeto de encontros com escritores realizado pelo Rascunho desde 2006) de nomes como Luiz Vilela, Jaime Prado Gouvêa, Carlos de Brito e Mello e Silviano Santigo. Além disso, vários autores mineiros tiveram seus livros resenhados no Rascunho, como Ana Martins Marques, Marcílio França Castro, Carla Madeira, Edimilson de Almeida Pereira, Carlos Herculano Lopes, e muitos outros. Enfim, a lista é longa.


“Rascunho”

• Jornal literário com edições mensais
• Assinaturas anual (R$ 139,90) e mensal (R$ 15,90, cobrado todo mês no cartão)
• Para assinar: https:// rascunho.com.br/assine/

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