O poeta brasileiro que pisou macio e andou a mil
Paulo Leminski, o homenageado da Flip em 2025, teve produção intensa e construiu uma linguagem marcada pela capacidade de reunir muito em pouco
Mais lidas
compartilhe
Siga noRafael Fava Belúzio
Especial para o EM
“pariso
novayorquizo
moscoviteio
sem sair do bar
só não levanto e vou embora
porque tem países
que eu nem chego a madagascar”
Depois de sintetizar tantos lugares, o curitibano Paulo Leminski (1944-1989) vai paratyzar. O escritor viveu 44 anos e construiu uma linguagem marcada pela capacidade de reunir muito em pouco: enorme variedade de recursos literários organizados em uma produção bastante intensa. Ou como o próprio autor anuncia em seu emblemático poema “contranarciso”:
“em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas”
Leia Mais
Na carreira do autor, são visíveis romances (a exemplo de “Catatau”), biografias (dedicadas a Cruz e Sousa, Bashô, Jesus e Trótski), obras infanto-juvenis (como “Guerra dentro da gente”), contos (encontrados em “Gozo fabuloso”), histórias em quadrinhos (presentes no livro “Afrodite”), ensaios (feito “Metaformose”), traduções (que vão desde o latino antigo Petrônio até o japonês contemporâneo Mishima), canções (algumas delas gravadas por Caetano Veloso, Zizi Possi e Arnaldo Antunes) publicidades, cartas, artes visuais e outros e outros e outros gêneros.
E o que ele mais gostava era de ser poeta, deixando livros como “Quarenta clics em Curitiba”, “Caprichos & relaxos”, “Distraídos venceremos”, “La vie en close”, “O ex-estranho” e “Winterverno”, além de plaquetes, versos em guardanapos de bar e inúmeras outras produções ainda dispersas.
Essa multifacetada literatura de Paulo Leminski consegue dialogar tanto com a crítica especializada quanto com o público em geral. Por exemplo, “Toda poesia”, volume que traz parte considerável da produção leminskiana, marca presença em listas de mais vendidos e permite leitura relaxada do público, assim como possibilita estudos caprichados de pesquisadores das cinco regiões do Brasil.
Além disso, gerações de poetas brasileiros posteriores a Leminski são de algum modo influenciadas por ele. Há sensíveis ecos do curitibano sobre as duas safras da Poesia Orbital, de Belo Horizonte, e sobre as diversas autoras mais novas do país, como se vê em “As 29 poetas hoje”, antologia assinada por Heloísa Buarque de Hollanda. Desse modo, é instigante a presença de Paulo Leminski na Flip, uma vez que poderá gerar debates em torno do escritor e conseguirá cativar um público bastante heterogêneo.
Sendo o homenageado um multiartista e como há na programação oficial da Festa Literária, tradicionalmente, interesse em aliar falas de especialistas e personalidades plurais, é de se esperar que essa síntese venha a ser uma tônica do evento. Leminski permite a criação de mesas com diálogos variados, intermidiáticos, e que passem por poesia, prosa, música, imagem, tradução e muito mais.
Aliás, o foco no escritor é uma oportunidade para diminuir a distância entre as atividades oficiais e os eventos também fundamentais que acontecem nas diversas casas, na praça aberta e nas tantas abordagens alternativas presentes nos dias do festival.
Essa habilidade de interagir com muitas frentes é mesmo questão importante da obra do próprio Paulo Leminski, capaz de parisar, novayorquizar, moscovitear. Tendo produzido principalmente nas décadas de 1960, 70 e 80, é difícil classificar a obra leminskiana em apenas uma escola literária, havendo nele muitos atravessamentos estéticos e uma identidade poética particular. Ou como Leminski diz no poema “por um lindésimo de segundo”:
“tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu”
São tantas as possibilidades sintetizadas pelo escritor a ponto de talvez serem necessárias quarenta Flips em Paraty que se iniciem, ou sejam retomadas, as discussões sobre o múltiplo Paulo Leminski. A homenagem em 2025 já é um excelente (re) começo.
RAFAEL FAVA BELÚZIO é doutor em Estudos Literários pela UFMG e autor do livro “Quatro clics em Paulo Leminski” (Ed. UFPR, 2024). Possui graduações em Letras (UFV) e Filosofia (UFMG) e, atualmente, realiza pós-doutorado em Literatura Brasileira (CNPq/UFES).
Depoimento
Nicolas Behr (poeta da chamada ‘geração mimeógrafo’, surgida nos anos 1970)

“A linguagem faz o poema grudar na mente”
“Em 1981, eu tinha 23 anos e estive em Curitiba por duas vezes com o Leminski. Naquela época, ele era ‘só’ o Paulo, não era O Leminski. Eu o encontrei em sua casa e num bar embaixo do edifício da agência de publicidade onde ele trabalhava como redator. Ganhei bons conselhos e um livro autografado: ‘Não fosse isso era menos, não fosse tanto era quase’. Nunca esqueci duas coisas que ele me disse: ‘Poesia é potência verbal’ e ‘A linguagem é a cola que transforma uma folha de papel simples numa folha adesiva: o que faz o poema grudar na sua mente é a linguagem”.