Márcio Sampaio lança livro sobre dilemas da juventude nos anos 1970
Artista mineiro entrelaça música e resistência à ditadura militar no romance ‘O círculo vermelho’, com lançamento neste sábado (12/4) na AML
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Siga no— Levaram seu pai! — ela falou baixinho.
Mamãe começou a chorar, cada vez mais alto.
— Eu falei com ele... Eu avisei. Ele é louco! Eu avisei, cansei de falar: para que mexer com isso? Ele não tem a mínima vocação pra política. Tinha era que trabalhar com música e esquecer o resto. Eu bem que avisei.
O primeiro capítulo de “O círculo vermelho”, de Márcio Sampaio, já imprime o tom da narrativa. Ágil e tensa, a história da vida em Belo Horizonte sob a ditadura militar nos anos 1970 é narrada por um jovem prestes a completar 17 anos que enfrenta um duplo trauma na família: o pai, pianista, foi acusado de subversão e levado por militares; o avô, desaparecido, tem destino incerto. Perseguido na escola por ser “filho de comunista”, o rapaz também acaba detido.
A conversa foi rápida e direta. Um dos homens pegou uma ficha de dentro da agenda:
— Você é Bruno, filho de Johannes Brenno e Constança, certo?
Concordei com a cabeça:
— Certo.
— Você sabe que seu pai está preso, não sabe?
— Sei.
— E sabe por quê?
— Não, não sei.
— Bem, então temos que lhe esclarecer. Seu pai é acusado de subversão. Ele é comunista, você sabe disso, não sabe?
— Não, não sei nada disso, não é verdade.
Eu me lembrava da recomendação de Ana Rita, tinha que ficar esperto.
— Ele nunca comentou com você? Nunca falou mal do governo, nem dos militares? Nem do presidente?
Fiquei esperto, a lembrança do perfume de Ana Rita enchia os meus pulmões.
— Claro que não — falei resoluto, sem gaguejar.
— Papai ia até tocar no concerto em homenagem ao presidente, só não tocou porque ele machucou a mão quando estava arrumando o encanamento da cozinha lá de casa...
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Os homens olharam um para o outro.
O mais velho falou:
— Ele não teria feito de propósito?
Demonstrei minha irritação:
— Com as mãos, que são a coisa mais preciosa que ele tem? As mãos, que são instrumento de trabalho dele? — perguntei com ironia.
— Mas seu avô é comunista de carteirinha.
O trecho acima ilustra o ponto de partida do livro do escritor, crítico e artista mineiro Márcio Sampaio. Nascido em 1941 em Santa Maria de Itabira, Sampaio tem uma trajetória que passa pela crítica de arte, poesia, pintura e pela atividade como professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde lecionou por mais de 20 anos, e pela colaboração na criação do Suplemento Literário de Minas Gerais.
Com passagens ambientadas também em Viena (“Nada encontrei aqui que compare ao romantismo dos livros e dos filmes. Sissi, essa princesa tão chatinha, já morreu há tempos, atacada por anarquistas; o Danúbio Azul é essa porcaria toda, com a lama fedorenta que vem pelo canal.
E os contos dos bosques de Viena não passam de um conto do vigário”), “O círculo vermelho” fala sobre as motivações e consequências de decisões tomadas sob pressão e em momentos cruciais da transformação da juventude: “Estou saindo da história para entrar na vida.”

Publicação da editora Literíssima, o romance de 104 páginas tem lançamento neste sábado (12/4), das 10h às 13h, na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1466, Centro, Belo Horizonte).