Brasília – O Senado aprovou ontem, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição 45/2019, da reforma tributária. Como houve alteração no texto aprovado na Câmara em julho, a PEC agora volta para análise dos deputados federais. Foram 53 votos a favor e 24 contrários no primeiro e segundo turnos no plenário do Senado. Era necessário o apoio de no mínimo 49 senadores em cada etapa para garantir a aprovação. Entre os senadores mineiros, Carlos Viana (Podemos) voltou a favor e Cleitinho Azevedo (Republicanos) votou contra. A reforma simplifica tributos federais, estaduais e municipais e permite tratamentos diferenciados, setores com alíquotas reduzidas como serviços de educação, medicamentos, transporte coletivo de passageiros e produtos agropecuários. O texto substitui cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS). A proposta também garante isenção de produtos da cesta básica e uma série de outras medidas.
A proposta apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) na Câmara ganhou novos contornos nas mãos do relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), que incorporou várias mudanças. Por isso, a PEC terá que voltar para a Câmara. Apesar de a equipe econômica, comandada pelo ministro Fernando Haddad, esperar que o texto seja promulgado integralmente até o fim deste ano, muitos parlamentares não descartam fatiar a proposta. Dessa forma, a parte consensual entre deputados e senadores viraria lei e o restante do texto continuaria tramitando no Congresso, conforme já adiantou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Braga destacou que a proposta não aumenta a carga tributária. O texto tem uma "trava" para a cobrança dos impostos sobre o consumo, ou seja, um limite que não poderá ser ultrapassado. “O contribuinte não pode continuar a sustentar o peso do estado. Se o receio é que aprovação da PEC acarrete aumento de carga tributária, temos a convicção de que o modelo garante que isso não ocorrerá”, afirmou o relator.
Ao todo, o texto recebeu cerca de 830 emendas durante a discussão no Senado. Braga acatou parte das sugestões de mudanças propostas no plenário, inclusive depois da aprovação na Comissão de Constituição e Justiça, na terça-feira. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a aprovação da PEC é “histórica” e que vai garantir uma redução de tributos para a população mais pobre. Ele ressaltou que o estipula alíquota zero para arroz e feijão e outros itens da cesta básica.
O senador rebateu críticas da oposição afirmando que governos anteriores apoiavam a reforma tributária, mas mudaram de lado: “É isto que estamos votando: a redução dos tributos. Agora, eu também entendo porque a oposição hoje não quer que a alíquota da carne da cesta básica seja reduzida a 0%. Eles estão incomodados porque o brasileiro, depois do governo do presidente Lula, voltou a comer picanha. De uma taxa de tributação hoje com peso de 34%, nós, com a instituição do IVA, passaremos a ter uma tributação de 22% a 27,5%”, disse Randolfe.
A principal crítica dos senadores da oposição recaiu sobre o excesso de setores e produtos que ficarão em regimes diferenciados da regra geral do futuro IVA. O líder da oposição, senador Rogerio Marinho (PL-RN), afirmou que a reforma vai na prática aumentar a carga tributária para a maior parte da população. Segundo ele, a proposta foi “desconfigurada” e está longe de simplificar o atual modelo.
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“Quem teve mais condição de gritar, de brigar, de fazer o lobby funcionar está contemplado com inserções dentro do projeto em tela. Aqueles que não tiveram essa força ou esse cuidado vão ser obrigados a suportar uma carga tributária que vai ser a maior do mundo. Nós estamos falando de um assunto muito sério, em que não há nenhum estudo de impacto. O que nós temos, na verdade, é uma perspectiva de um IVA maior do que os 27,5%”, completou Marinho.
Emendas
Entre os setores que terão regimes diferenciados estão transportes, combustíveis, saneamento, planos de saúde, setor imobiliário, jogos de prognósticos, loterias, instituições financeiras e bancos. Ao rejeitar emendas para retirar setores dessa lista, o relator reforçou que eles já possuem regimes diferenciados e pagam carga tributária inferior à média nacional.
Para o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que apresentou substitutivo rejeitado, o sistema tributário ficará mais complexo durante a transição, porque os atuais tributos vão coexistir com os novos. Ele ainda alertou sobre os riscos da reforma para o equilíbrio federativo. Segundo ele, estados e municípios perderão arrecadação. “O que é que vamos ter? Governadores de pires na mão, que não têm mais capacidade de receber seu próprio tributo e que ficam na mão de um comitê gestor ou conselho federal. Prefeitos com pires na mão, que não podem mais ter o seu ISS”, criticou Oriovisto.
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Oposição resiste, mas novo sistema tributário avança
A aprovação da reforma tributária (Proposta de Emenda à Constituição 45) foi marcada por intensa discussão no plenário do Senado ontem. O debate se prolongou por cerca de sete horas até a aprovação da proposta em dois turnos, por volta das 21h. Os senadores que apoiam a reforma destacaram como pontos positivos o incentivo ao crescimento da economia, a promoção de justiça tributária, o auxílio na redução de desigualdades e a simplificação do sistema de arrecadação. Já a oposição apontou que a proposta foi desfigurada, não trará os benefícios esperados, poderá elevar a carga tributária e comprometer o crescimento econômico do país.
“É hora de o Brasil ter um novo sistema tributário que simplifique, que traga segurança jurídica e transparência, para gerar emprego e renda”, comemorou o relator da PEC no Senado, Eduardo Braga (MDB-PA). O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que a reforma não é do governo, mas do país. Ele apontou que a proposta tem o mérito de dar mais transparência à arrecadação e de incentivar o crescimento do Brasil. O senador Weverton (PDT-MA) definiu a reforma tributária como conquista histórica. Ele disse que a reforma não é para o governo atual nem para o próximo, mas para o Estado. Weverton apontou que alguns pontos da reforma terão prazo de 10 a 40 anos para serem implementados.
Flávio Arns (PSB-PR) lamentou o fato de o debate sobre a reforma ter se concentrado na Comissão de Constituição e Justiça. Ele teceu críticas a pontos do texto, mas disse votar a favor como um sinal de confiança de que a proposta será benéfica para o país. O senador Jayme Campos (União-MT) disse que a reforma vai simplificar e modernizar o sistema tributário nacional. Além de Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição, e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), autor de uma das propostas de alteração no sistema tributário, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirmou que a reforma “não simplifica nada”. Ele se posicionou contrário à proposta e disse que a reforma não tem “neutralidade” e vai aumentar muito a carga tributária.
Na opinião do senador Eduardo Girão (Novo-CE), a reforma vai “explodir” na mão do consumidor. Ele definiu o governo como “extravagante”, que gasta muito e sem responsabilidade fiscal. Ao anunciar seu voto contrário, Jaime Bagattoli (PL-RO) disse que a reforma vai causar aumento de impostos para o agricultor familiar. Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que a população vai pagar a conta da reforma. Para o senador, o governo cria mais impostos e não sabe economizar.
“Esta não é a reforma tributária. É a reforma do imposto que o povo vai pagar. Todos os senadores que votam a favor estão votando contra o futuro do país. O Brasil precisa de uma reforma, mas não esta”, registrou Portinho, acompanhado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) entende que a reforma não simplifica a arrecadação e ainda aumenta a carga tributária. Jorge Seif (PL-SC) relatou que ouviu vários setores da sociedade para se posicionar contrário à reforma.
Wilder Morais (PL-GO) apontou que o texto da reforma não é o ideal para o país e que a proposta fortalece o poder central e vai provocar um desastre tributário.
A PEC APROVADA NO SENADO
IMPOSTO SOBRE VALOR AGREGAD (IVA)
A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) - federal - e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) - estadual e municipal), que incidem sobre o consumo, são formas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Ele tributa somente o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores. O IVA já é adotado em mais de 170 países. A ideia é acabar com a incidência de tributação em “cascata”.
ALÍQUOTAS E ISENÇÕES
Haverá uma alíquota-padrão e outra diferenciada para atender setores beneficiados com isenções como educação e saúde. O texto também prevê isenção de IBS e CBS para uma cesta básica nacional de produtos a serem definidos em lei complementar. A ideia é que produtos como arroz, feijão, entre outros fiquem isentos de tributação.
CASHBACK
Com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda, a reforma tributária também prevê a devolução de parte do imposto pago pelos consumidores, o chamado cashback. A medida vale para famílias de baixa renda e inclui o consumo de gás, de energia elétrica e outros produtos.
TRAVA
Para impedir o aumento da carga, a reforma tributária prevê uma "trava" para a cobrança de impostos sobre o consumo, ou seja, um limite que não poderá ser ultrapassado. Pelo texto apresentado pelo senador, o limite para a carga tributária será a média de 2012 a 2021, na proporção com o Produto Interno Bruto (PIB), representada pelas receitas com PIS/Pasep, Cofins, IPI, ISS e ICMS.
GUERRA FISCAL
Com a reforma tributária, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo). A mudança visa dar fim à chamada guerra fiscal – a concessão de benefícios tributários por estados com o objetivo de atrair o investimento.
“IMPOSTO DO PECADO”
Diferentemente do IBS, o Imposto Seletivo, também conhecido como "imposto do pecado", funcionará como uma espécie de “taxa extra” sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. É o caso de cigarros e de bebidas alcoólicas.
COMPENSAÇÃO
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) é um dos instrumentos incluídos na PEC para reduzir discrepâncias entre os estados brasileiros. Os recursos do fundo serão aportados anualmente pelo governo federal. De R$ 8 bilhões em 2029 os valores devem chegar a R$ 60 bilhões em 2043. Do total, 30% serão distribuídos para os estados por critério populacional e 70% com base em um coeficiente de sua participação no Fundo de Participação dos Estados (FPE).