Após a revelação do caso, o Ministério da Justiça editou uma portaria para endurecer as regras de visitas à sede da pasta -  (crédito: Sergio Frances/Ascom PSB)

Após a revelação do caso, o Ministério da Justiça editou uma portaria para endurecer as regras de visitas à sede da pasta

crédito: Sergio Frances/Ascom PSB

Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o ex-deputado Elias Vaz assumiu a responsabilidade por ter recebido a advogada Luciane Barbosa em audiência pública, no Palácio da Justiça, sede da pasta. Com supostos vínculos com o Comando Vermelho (CV) e condenada por lavagem de dinheiro e associação para o tráfico, ela é casada com Clemilson Faria, o Tio Patinhas, chefe da facção criminosa no Amazonas e que cumpre pena no estado.

Ao Correio Braziliense, Vaz reconheceu que não faz checagem prévia de nomes e que foi repreendido pelo ministro Flávio Dino. Como deputado federal pelo PSB de Goiás, se notabilizou por denunciar compras pelo Exército, no governo de Jair Bolsonaro, de produtos como picanha e Viagra. Na conversa com Dino, o secretário assegurou que não colocou o cargo à disposição. Leia a entrevista a seguir.

Como uma advogada ligada ao Comando Vermelho é recebida no ministério?

Em 14 de março, recebi uma mensagem da advogada Janira Rocha. Ela estava em Brasília e precisava falar comigo. A conheço há 20 anos. Ela me pediu para receber esse pessoal, não especificou quem era. Marquei a conversa para o dia 16 e chegou com mais cinco pessoas. Ela passou a palavra para uma senhora, cuja filha tinha sido assassinada, e a mãe de um rapaz, que, em tese, tinha se suicidado — mas fora assassinado.

E depois?

Passou para essa senhora (a advogada Luciane Barbosa), que falou do sistema penitenciário. Falei que não era assunto para a nossa secretaria e pedi para o secretário de Políticas Penais (Rafael Brandani) recebê-la, em outro prédio. Eram reclamações sobre comida, violações e visitas.

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A advogada comentou algo sobre a relação com um condenado e com uma facção criminosa? Ela mesma é condenada...

Nada. Se apresentou como presidente de uma entidade (Associação Instituto Liberdade do Amazonas) e que representava familiares da população carcerária. Já recebi pessoas de outros estados, é normal que venham trazer demandas. Não sabia dessa relação. Só fiquei sabendo agora. Não tinha conhecimento de Tio Patinhas nenhum. Só conheço o da história em quadrinhos. Foi isso o que aconteceu.

O senhor assume a responsabilidade de tê-la recebido?

Reconheço que temos autonomia para fazer nossas agendas. Se teve erro, foi meu. Devia ter verificado. Não foi culpa de ninguém do ministério. Confesso que não faço isso em nenhuma reunião. Não faço verificação. Vou passar a fazer.

Como o senhor avalia a repercussão, em especial na oposição?

A oposição está se apropriando dessa história para cometer leviandades contra uma pessoa que recebeu, sem saber, gente que tinha relação de parentesco com alguém de facção criminosa. Estão fazendo ilações de relações com o crime organizado. Ao contrário: estamos investindo recursos nessa ação — já foram R$ 3 bilhões. Fundamental é o dinheiro para enfraquecer as facções. E esse pessoal vem com essa insinuação, com essa sociedade polarizada por grupos de ultra-direita que não medem o que faz. A reunião foi pública, com fotos publicadas nas redes sociais.

O senhor conversou com o ministro Flávio Dino sobre o assunto?

De manhã. Ele está muito contrariado. Me chamou a atenção para que verifique melhor quem recebo. Relatei o que ocorreu e acredito que compreendeu. Óbvio que me chamou a atenção.

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O senhor colocou o cargo à disposição?

Não. Agi de boa fé, não fiz nada errado, seja do ponto de vista criminal e ético. Minha falha foi não ter verificado quem vou receber.

Que medidas estão sendo tomadas?

Agora, será sempre feita uma verificação prévia, uma portaria da secretaria-executiva (do ministério). Não vou passar por isso de novo. E vou manter o mesmo ritmo. Enquanto estiver aqui, vou manter meu trabalho e tomar mais cuidado. Vou continuar atendendo, só que, agora, com filtro.

Entenda o episódio


A advogada Luciane Barbosa Farias, conhecida como a "dama do tráfico amazonense", se reuniu com outras três autoridades no Ministério da Justiça, além de Elias Vaz — secretário de Assuntos Legislativos. Condenada a 10 anos de prisão por organização criminosa, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico, ela esteve com Rafael Velasco Brandani, da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen); Paula Cristina da Silva Godoy, Ouvidora Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel Sousa Barradas, que é diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen. As audiências foram em março e maio deste ano.

O ministro Flávio Dino afirmou que não tinha conhecimento das reuniões na Pasta entre Luciene e seus secretários. Nas redes sociais, ele disse que a advogada estava como "acompanhante" e "se limitou a falar sobre supostas irregularidades no sistema penitenciário".

"De modo absurdo, simplesmente inventam a minha presença em uma audiência que não se realizou em meu gabinete. Sobre a audiência, em outro local, sem o meu conhecimento ou presença, vejam a história verdadeira no Twitter do Elias Vaz. Lendo lá, verificarão que não é o que estão dizendo por conta de vil politicagem", publicou Dino.

Luciene, porém, também esteve com deputados governistas, como Guilherme Boulos (PSol-SP) e André Janones (Avante-MG), na Câmara.

Para evitar que episódios como esse se repitam, o secretário-executivo do ministério, Ricardo Cappelli, baixou uma portaria que restringe o acesso e a circulação de pessoas no Palácio da Justiça. A entrada no ministério será precedida do contato da recepcionista com o "ponto focal" da unidade de destino, que autorizará ou não o ingresso da pessoa.