Após cinco anos batendo na tecla do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) como única opção para sanar os cofres do estado, o governador Romeu Zema (Novo) deixou Brasília na quarta-feira se dizendo otimista diante da proposta alternativa apresentada pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD), para a dívida bilionária de Minas com a União. Das quatro propostas apresentadas pelo senador, o governador se mostrou mais inclinado à ideia de federalizar empresas estatais mineiras para abater os débitos. Entre especialistas, a medida suscita um ponto unânime de que a questão exige mais negociação e outras opções na mesa.
No projeto costurado entre Pacheco, deputados estaduais e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), a primeira de quatro propostas inclui a federalização de ativos estaduais como a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) em troca do abatimento de parte da dívida de cerca de R$ 160 bilhões com a União.
Durante a tarde, entre as reuniões com Pacheco e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), Zema disse estar de acordo com as federalizações. Mais tarde, em coletiva, repetiu a predisposição de aceitar a proposta, mas afirmou que a medida deve passar pela análise técnica da Secretaria de Fazenda. No plano apresentado, está inclusa cláusula que permite a recompra das companhias pelo estado em até 20 anos.
A proposta, no entanto, levanta questionamentos acerca de outras medidas paralelas apontadas como complementares para que as federalizações, de fato, tenham efeito. O primeiro percalço para a efetividade da medida é determinar qual é o valor real das companhias. Como as cifras podem ser determinadas por diferentes parâmetros, não há um consenso sobre quanto o governo federal está disposto a abater da dívida. O secretário-geral do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado (Sinfazfisco-MG), João Batista Soares, destaca que, no cenário atual, a medida não seria suficiente.
“A Codemig foi avaliada por uma empresa que o próprio governo mineiro contratou e foi avaliada entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões. Já a Cemig, na avaliação do Sindieletro (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais), vale em torno de R$ 15 bilhões. A federalização das três empresas não vai resolver o problema, se fizermos uma estimativa, somando a Copasa, não chega a R$ 60 bilhões. Se ele (Zema) está querendo resolver o problema da dívida, não tem como ficar só na federalização das empresas. Mas já reduz o valor e a cobrança de juros, tendo um impacto muito grande”, destacou.
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O economista Gelton Pinto Coelho, membro efetivo do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), considera que a federalização tende a render mais aos cofres do estado do que a privatização das empresas. Ele destaca que o governo federal pode chegar a números mais fiéis ao valor das empresas do que a iniciativa privada.
“Não é simples a precificação. A negociação com o governo federal pode gerar melhor valor do que seria na privatização. Temos o exemplo do metrô de BH, vendido muito abaixo da avaliação do BNDES. A gente tem uma coisa que é o valor de mercado, que é muito volátil. A Codemig, por exemplo, a gente ouve falar de R$ 20 bilhões a R$ 40 bilhões de valor, mas temos que pensar no potencial que a empresa tem, pela produção de lítio, pela transição da matriz energética”, disse.
Gelton, no entanto, destaca que a federalização torna as empresas sujeitas às intempéries políticas. Pertencendo à União (por exemplo), as empresas poderiam ser privatizadas sem a necessidade de referendo popular, como determina a legislação de Minas Gerais. Outros pontos criticados são a distância da administração com os usuários e a possibilidade das companhias entrarem no alvo de negociações de cargos e verba entre governo federal e parlamentares.
VALOR REAL
Para a economista Eulália Alvarenga, especialista em direito tributário e gestão pública, para discutir a efetividade da federalização de ativos do estado é preciso antes chegar a um consenso sobre o valor real da dívida mineira. Ela destaca que o indexador dos débitos passou por diferentes mudanças desde 1998 e o atual, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo mais 4% ao ano, precisa ser revisto. “Antes de tudo, é preciso saber o valor real da dívida. Se haverá alteração do índice para manter o equilíbrio do contrato. O parâmetro atual não corresponde ao crescimento da receita do estado. E a União também acaba atuando como instituição financeira”, afirma a economista, que defende que apenas o IPCA seja aplicado como indexador de forma retroativa desde a gênese do débito.
A revisão retroativa do indexador é um dos pontos destacados como alternativas paralelas tanto ao RRF como ao plano de Pacheco. Outra medida apontada pelos economistas ouvidos pela reportagem é uma revisão do acordo pelas perdas com a Lei Kandir, que isentou produtos elaborados e semielaborados para exportação de cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual. A medida foi pensada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em contexto de favorecimento do acúmulo de divisas externas e viabilizar o Plano Real. Como resultado, os estados tiveram perdas de arrecadação que seriam reparadas pela União.
“A União precisava de um colchão de reserva externa de dólar. Minas ajudou muito a União a obter essa reserva e, em 2005, as perdas de arrecadação já chegavam a R$ 135 bilhões. No acordo firmado por Zema, o estado deu 93% de desconto do que deveria receber, e concordou que o valor chegasse a R$ 8,7 bilhões. O estado e os municípios foram onerados, porque eles perderam o que era deles por direito”, destaca Eulália Alvarenga. Rediscutir o acordo que rendeu a Minas uma parcela irrisória do ICMS que deixou de arrecadar é apontada como uma medida que pode ser influente no abatimento da dívida, já que os valores são próximos. Para os economistas, esse deveria ser mais um ponto colocado à mesa na negociação.