Os principais Tribunais de Justiça do país mantêm há quatro meses os salários de magistrados reajustados de forma inconstitucional mesmo após o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) suspender resolução que abria brecha para a prática.

O cenário é semelhante entre os Ministérios Públicos estaduais, cujo órgão de controle, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), não proferiu nova decisão mesmo depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) apontou a inconstitucionalidade no cálculo adotado para os reajustes.

A irregularidade consiste no reajuste automático dado aos magistrados, promotores e procuradores estaduais proporcional ao aumento concedido pelo Congresso Nacional aos ministros do STF em abril. Tribunais e Promotorias estaduais aplicaram o mesmo percentual de 6% aos seus membros sem enviar projetos de lei para as Assembleias Legislativas.



 

A Folha de S.Paulo revelou a prática em junho. Na ocasião, tribunais e Promotorias usaram como justificativa decisões do CNJ e do CNMP que a autorizavam.

Após questionamento da reportagem, Rosa Weber, então presidente do STF e do CNJ, suspendeu a resolução que previa a norma. A decisão foi referendada pelo plenário do Conselho no dia 30 de junho.

A AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) chegou a recorrer no CNJ para tentar restringir a suspensão da resolução apenas ao estado de Tocantins, objeto do julgamento mais recente no STF sobre o tema. O recurso foi negado pelo Conselho.

Quatro meses depois, apenas os tribunais de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Acre, além do Ministério Público do Acre, enviaram projetos de lei para as Assembleias para regularizar o reajuste. Eles foram aprovados e sancionados em menos de uma semana pelo governo local.

O TJ do Maranhão informou que o projeto de lei que estabelece o reajuste já foi elaborado e deve ser enviado à Assembleia Legislativa. O TJ de Mato Grosso do Sul informou que o gatilho automático não será mais adotado e apresentará o projeto de lei sempre que for necessário para recompor o subsídio.

O STF tem decisões ao menos desde 2020 em que considera inconstitucional o "reajuste automático" nos estados a partir do aumento para ministros da corte ou de outras autoridades federais.

Em junho deste ano, o STF analisou os mesmos gatilhos criados por leis aprovadas no Tocantins que beneficiavam membros do MP-TO e do TJ-TO. O voto do ministro Luis Roberto Barroso, relator do caso, deixa clara a inconstitucionalidade da vinculação.

"Não se justifica que o ente regional delegue à lei federal, que estabelece a remuneração do ministro do STF, a função de, por via oblíqua, determinar o valor dos subsídios dos desembargadores ou juízes", escreveu Barroso em seu voto, aprovado por unanimidade do plenário neste ponto.

O conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello também se posicionou contra a resolução, quando o tema foi discutido pela última vez no CNJ.

"Isso tem impacto no orçamento estadual, precisa ter um planejamento por parte do governador e um referendo pela Assembleia Legislativa. Não me parece razoável o Congresso Nacional, ao alterar os subsídios dos ministros do Supremo, impactar as contas dos mais diversos estados da federação", afirmou o conselheiro.

Procurada, a AMB não quis comentar o caso.

O CNJ disse, em nota, que todos os tribunais foram intimados sobre a decisão. "O processo que tratava do tema foi arquivado até o julgamento definitivo dos embargos de declaração na ADI 7264 [sobre as leis de Tocantins] pelo STF, que ainda não tem data para julgamento."

O CNMP disse que a posição do relator do caso se dará nos autos do processo.

Dos 5 tribunais considerados de grande porte pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 4 (SP, RJ, MG e PR) fizeram o reajuste sem envio de projeto de lei para a Assembleia Legislativa, prática acompanhada pelos Ministérios Públicos dos mesmos estados.

O aumento foi formalizado por meio de portarias e resoluções internas.

Neste grupo, apenas no Rio Grande do Sul houve desde abril respeito ao entendimento do Supremo. Os projetos de lei enviados em abril pelo TJ e Promotoria gaúchos para o reajuste continham um artigo no qual tornavam regra a vinculação salarial. Contudo, emendas da Assembleia retiraram esse texto das leis aprovadas.

O aumento sancionado pelo presidente Lula em janeiro elevou o salário dos ministros do STF de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil em abril. A lei federal prevê um reajuste escalonado até 2025, quando o subsídio chegará a R$ 46,4 mil (alta de 18%, no total).

O último reajuste salarial feito a ministros do STF aconteceu em 2015. Desde então, a inflação acumulada foi de 44,5%, segundo o Banco Central.

Os desembargadores e procuradores estaduais podem, pela Constituição, receber até 90,25% dos salários dos ministros do STF. Desta forma, o teto para os vencimentos dessas categorias subiu de R$ 35,5 mil para R$ 37,6 mil. Caso acompanhe o reajuste escalonado definido pela lei federal, chegará a R$ 41,8 mil em 2025.

Outro lado

Os tribunais de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo afirmaram que o reajuste automático concedido aos magistrados está amparado em leis dos respectivos estados.

"A ADI indicada diz respeito especificamente à lei impugnada no estado de Tocantins, não estendendo seus efeitos para outras leis estaduais. Também não temos conhecimento de que houve o trânsito em julgado da decisão", afirmou o TJ-SP.

O TJ do Maranhão disse que o projeto de lei que estabelece o reajuste já foi elaborado e deve ser enviado à Assembleia Legislativa.

O Judiciário de Mato Grosso do Sul afirmou que o gatilho automático não será mais adotado e apresentará o projeto de lei sempre que for necessário para recompor o subsídio.

O tribunal de Alagoas informou apenas que não enviou projeto de lei.

Os Ministérios Públicos de São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Piauí, Alagoas e Mato Grosso reafirmaram que os reajustes se deram de acordo com as balizas fixadas pelo CNMP.

Os demais TJs e MPs que não enviaram projeto de lei não se pronunciaram.

TRIBUNAIS E MINISTÉRIOS PÚBLICOS QUE NÃO ENVIARAM PROJETO DE LEI PARA REAJUSTE

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