Corria o ano de 2004... O deputado federal Eliseu Resende, no terceiro mandato, participou de reunião na Comissão de Viação e Transportes da Assembleia de MG. Relator do projeto de criação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), aprovado em Brasília, que à época arrecadava R$ 10 bilhões/ano, mas cujos recursos tomavam rumos outros dentro do orçamento, ele defendia com ardor a necessidade de o país ser dotado de infraestrutura decente, sobretudo, no tocante ao sistema rodoviário nacional. “Hoje se gasta apenas com operações tapa-buracos”, frisou. Estradas esburacadas, acrescentou, causam mortes, oneram a produção e aumentam o preço dos fretes, além de aumentar o consumo de combustíveis de automóveis (25%) e caminhões (35%). Também protagonista do projeto que criou a Agência Nacional do Petróleo, Resende recordou que, de uma só lapada, a Constituição de 88 acabara com o Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes e com a Taxa Rodoviária Única (TRU), que correspondiam a 1,5% do PIB, deixando as estradas “órfãs”. Tributos estes vinculados à expansão e manutenção da malha rodoviária. Antes mesmo da descoberta do pré-sal, ele vaticinou: “Como o Brasil é praticamente autossuficiente em petróleo, se as estradas estivessem nas melhores condições, poderíamos exportar os excedentes de petróleo e seus derivados e ingressar na Opep”. Na ocasião, foi aparteado por Sebastião Navarro, Dalmo Ribeiro, Adalclever Lopes, Elmiro Nascimento e Doutor Viana. Ainda hoje, saudoso do senador, não foi à toa que o ex-prefeito de Curvelo, Maurílio Guimarães, deu o nome de Engenheiro Eliseu Resende à Praça Central do Brasil no município.
Sintomáticos desajustes
Certos textos, lidos fortuitamente, têm a grata função de uma aula inesquecível em qualidade de conteúdo. É o caso da abordagem devastadora que o psiquiatra Francisco Paes Barreto, mais de 60 anos de aguerrida militância nessa seara, faz sobre o processo de globalização no ensaio “O Bem-Estar na Civilização”. Se para a economia – questão de mercado, para a psicanálise – questão de discurso. A globalização elegeu a psicanálise uma sua inimiga, disparou ele. A invenção de psicofármacos, em meados do século passado, revirou o padrão de tratamento dos distúrbios mentais. Ansiolítico: meprobamato (1950); Antipsicótico: clorpromazina (1952); Estabilizador do humor: lítio (1954); e Antidepressivo: imipramina (1957). A essa inovação terapêutica juntou-se a publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM), pela Associação Psiquiátrica Americana, que normatizou transtornos mentais e de comportamentos. Sob o manto da generalidade, fundamentada na ciência, excluiu-se a subjetividade, tão cara à psiquiatria. Elimina-se o sintoma em nome da normalidade social do sujeito. “É possível ser diferente do normal e estar feliz consigo mesmo”, refletiu.
A indústria farmacêutica investiu neste cenário, a ponto de lançar a pílula da felicidade, o Prozac (fluoxetina), nos anos 80. O capitalismo disseminou a bandeira do bem-estar em todos os campos, inclusive nos governos, como se a felicidade estivesse disponível na esquina próxima. Alastrou-se então a saga consumista. “Uma disciplina como a psicanálise, que concebe cada sujeito diferente do outro, que não encara a supressão do sintoma como saída satisfatória e que considera a felicidade um problema de difícil solução está definitivamente na contramão da globalização”, analisou. O contra-ataque do capital veio a galope: os transtornos mentais são devidos a distúrbios cerebrais de origem genética e possuem tratamento medicamentoso. Estruturalmente subversiva, a psicanálise nunca se alinha à ordem vigente. Está em sua natureza interpelar o calado, escutar o oprimido, acompanhar o desviado, valorizar o desprezado, justificou Barreto. A ideia de um além do princípio do prazer enfurece o discurso globalizante, pois ameaça o pilar do bem-estar. Lembrai-vos da segregação, das overdoses, dos recalques, das fobias. Freud chamou de pulsão de morte e Lacan de gozo a satisfação da pulsão. Toda atenção é pouco, porque no ar também paira o mal-estar, quando este não se confunde com a dor. A psicanálise não traz a boa nova, concluiu Barreto, mas desconhecer o que se trata é muito pior.
Platonismo Monetário
A intimidade propiciada pela aproximação do cartão de crédito e débito das maquininhas eletrônicas, em transações comerciais de pouca monta, sem a exigência de senha, convenhamos, tem um quê de assédio. Que o digam os larápios espertalhões, que aproveitam da modernidade tecnológica para arrancar uns trocados dos incautos em locais inesperados.
Fogão de duas bocas
Ao discorrer sobre as modernidades dessa vida, dentre as quais o garfo e a faca, o motorista de táxi sapecou: “Panela de arroz é de arroz; a de feijão é de feijão. A panela acostuma...”