O clima político brasileiro pode ter amainado nas relações entre Poderes ao longo deste ano, mas a polarização que marca a sociedade segue exatamente onde estava. Segundo o Datafolha, o índice daqueles que se dizem petistas convictos é de 30%, enquanto os bolsonaristas da mesma extração são 25%.
Em dezembro de 2022, quando propôs a aferição pela primeira vez, o instituto encontrou 32% de petistas, número similar ao atual devido à margem de erro de dois pontos percentuais, e os mesmos 25% de aderentes de Jair Bolsonaro (PL).
Durante 2023, o Datafolha repetiu o levantamento em outras três ocasiões antes da atual, feita com 2.004 pessoas no dia 5 deste mês. Em todas, a flutuação do cenário foi mínima, dentro da margem de erro.
E não só nos extremos. O questionário visa apurar como o eleitor brasileiro se define, numa escala de 1 (bolsonaristas) a 5 (petista). Nos níveis intermediários, tudo igual: 10% se dizem mais simpáticos ao PT do presidente Lula, ante 9% há um ano. Já aqueles que se veem mais próximos do ex-presidente são os mesmos 7%.
Já o centro, essa quimera que iludiu uma fila de candidatos a ser a terceira via na política nacional nos últimos anos, é assumido como designação pelos 21% que afirmam serem neutros --20% há um ano. Aqueles que rejeitam todas as posições também seguem nos 5% de 2022, após um pequeno soluço que sugeria aumento (8%) na medição de junho.
O perfil desse eleitor, objeto de desejo que ainda não foi pescado de forma convincente por nenhum dos lados da política, inclui ser do Sudeste (49%, ante 43% da amostra populacional geral da pesquisa), mais instruído (32%, ante 22%), jovem até 34 anos (49%, ante 35%) e do sexo masculino (57%, ante 49%).
De resto, as divisões por estratos socieconômicos e regionais que imperam no mapa eleitoral brasileiro são repetidas: são mais bolsonaristas sulistas (35%, indo a 41% se contados os simpatizantes) e evangélicos (34%, subindo a 44% com os que se sentem próximos), por exemplo, enquanto se dizem mais petistas moradores do Nordeste (51%, 41% dele petistas raiz).
A fotografia se segue a um ano em que as relações políticas se normalizaram, após o momento de convulsão golpista do 8 de janeiro, quando apoiadores de Bolsonaro atacaram as sedes dos três Poderes em Brasília. O movimento não resultou no golpe de Estado desejado por eles e teve o condão de unir os atacados por um tempo.
A dinâmica da política restabeleceu as desavenças pontuais, com o Congresso tendo seus atritos aqui e ali com o Executivo, que não emplacou uma agenda robusta ainda, e com o Judiciário, com as insinuações de enquadramento daquilo que parlamentares chamam de ativismo de ministros do Supremo.
Isso dito, não há o clima de crise aguda permanente que marcou os anos de Bolsonaro, particularmente a partir da chegada do Sars-Cov-2 e a pandemia de Covid-19 ao país, no começo de 2020. O então presidente adotou uma agenda de confronto negacionista com estados, municípios e Supremo, que depois evoluiu para a campanha contra o sistema eleitoral e as ameaças de golpe.
Neste ano, Bolsonaro foi punido com a perda de direitos políticos até o pleito de 2030, o que significa que ele está fora da disputa pela sucessão de Lula, e enfrenta diversas acusações judiciais. Mas seu capital eleitoral segue intocado, como o Datafolha mostra, levando à questão sobre quem será o herdeiro presumido em 2026 --de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) a Romeu Zema (Novo-MG), a lista varia.
Lula conta com a polarização para manter seu campo mobilizado, mas o resultado global apontado pela pesquisa em termos de popularidade reflete um desempenho mais cansado do que o que colheu na sua primeira passagem pelo Planalto, a partir de 2003.
Com 38% de ótimo e bom, está melhor do que Bolsonaro à mesma altura do governo, mas ele era um presidente que trabalhava no diapasão da ruptura desde o começo do mandato. O baixo desemprego e a inflação controlada em que pese a renda ainda em baixa e os preços altos de grupos como o de alimentos, parecem ajudar a manter Lula acima da linha d'água.
Com esse cenário, a divisão ideológica se destaca. Ela colocará à prova lealdades nas eleições municipais do ano que vem, dado o peso que a rejeição ao campo adversário terá na composição de candidaturas. Ser apoiado por Lula ou Bolsonaro será uma dádiva ou uma maldição, a depender de condições específicas das disputas.