Depois de bater recorde de violência política de gênero, Minas Gerais foi, por iniciativa das deputadas estaduais, o primeiro estado a aprovar uma lei pioneira no combate à violência de gênero, mas os crimes cometidos contra as parlamentares mineiras seguem sem elucidação. Ao todo, foram nove parlamentares mineiras, entre deputadas e vereadoras, ameaçadas de morte e estupro corretivo neste ano que se encerra. Elas receberam e-mails em suas contas institucionais com ameaças de violência sexual, morte e torturas que envolviam até mesmo filhos pequenos das parlamentares. Em comum, todas, além de ameaças semelhantes, o que reforça a tese de uma ação orquestrada, são mulheres de esquerda com pautas voltadas ao debate de gênero e defesa dos direitos humanos.
Os casos estão sob investigação da Polícia Civil mineira, mas também da Federal, conforme requisição do Grupo de Trabalho (GT) Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero do Ministério Público Eleitoral, que solicitou apoio do governo federal para tentar desvendar os autores. O número de casos levou o GT a pedir ao Ministério da Justiça a apuração unificada das ameaças pela Polícia Federal, no tentativa de se identificar os agressores e garantir a segurança das vítimas e de seus familiares. Uma força-tarefa também foi criada em Minas Gerais, envolvendo diversas instituições, entre elas as polícias e o Ministério Publico, para tentar solucionar os casos, mas ainda não há informações concretas sobre os autores, e as investigações correm em sigilo.
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Uma das vítimas, a deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), pré-candidata à Prefeitura de Belo Horizonte, disse que chegou a acreditar que haveria um certo descaso das instituições com as apurações. “Mas depois vi de que de fato a força-tarefa tem trabalhado muito forte para poder identificar essas ameaças, mas não são investigações fáceis”, destaca a deputada. Para ela, as mílicias digitais estão por trás dessas tentativas de intimidação e elas são muito fortes.
“Essas milícias digitais estão com uma força tão grande que nem o Estado está dando conta. É importante dizer que elas não estão só relacionadas às ameaças contra parlamentares, elas estão relacionadas à rede de pedofilia, processos de invasão de dados de hospitais para realização de chantagens, aos ataques que as escolas têm sofrido”, afirma a deputada, que defende a regulamentação das plataformas, como o governo federal vem defendido, e um reforço no setor de inteligência das polícias.
Na Assembleia Legislativa, além de Bella Gonçalves, foram alvo de ameaças dessa natureza, as deputadas Bia Cerqueira (PT), Lohanna Silva (PV) e Andreia de Jesus (PT). Na Câmara dos deputados, a deputada federal mineira Duda Salabert (PDT) também foi alvo dos mesmos ataques.
Na capital, as vereadoras Iza Lourença e Cida Falabella, ambas do Psol, foram alvo de ameaças da mesma natureza em 2023. As parlamentares receberam e-mails que tratavam sobre ‘estupro corretivo’, as atacavam com base na orientação sexual e até mesmo a filha de 3 anos de Lourença era mencionada nas mensagens criminosas.
A resposta da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) veio a partir da assinatura de um termo de cooperação com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no dia 13 de novembro, cerca de três meses após as primeiras ameaças endereçadas às vereadoras. O documento cria um canal de comunicação direta entre os servidores da câmara com o Ministério Público para facilitar o início das investigações. Segundo integrantes do MPMG, a medida elimina entraves burocráticos e viabiliza o sucesso dos trabalhos de identificação e punição de criminosos que cometem violência política.
Em entrevista durante a cerimônia de assinatura do termo, Iza Lourença celebrou a cooperação entre Câmara e MPMG e falou sobre sua rotina após as ameaças sofridas por ela e sua família. "Mudou tudo em nossas vidas, a gente não pode mais ir a uma padaria, não posso levar minha filha em uma praça sem estar escoltada. Eu penso muito sobre minha filha, porque é uma criança de 3 anos que vai crescer aprendendo que estar na política é estar sob violência. Porque a mãe dela escolheu ser vereadora, ela é ameaçada e anda no carro com segurança armado e colete à prova de balas, que tem sua liberdade privada”, afirmou.
Uberlândia
Na Câmara Municipal de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, as vereadoras Amanda Gondim e Cláudia Guerra, ambas do PDT, também sofreram intimidações similares às direcionadas às vereadoras de BH e deputadas. A Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal de Uberlândia chegou a procurar a Polícia Civil para solicitar agilidade na apuração das ameaças recebidas pelas duas, mas o caso tambem ainda não foi desvendado. Uma operação conjunta foi feita pelo Ministério Público e Polícia Civil, no fim de setembro, durante as investigações para a apuração dos crimes contra as parlamentares, mas ainda não há um desfecho.
“Queremos saber, a partir do início do ano, os desdobramentos dessas denúncias que realizamos”, afirma a vereadora Cláudia Guerra, uma das vítimas dos ataques. Segundo ela, as tentativas de silenciar as vozes das mulheres parlamentares progressistas comprometem toda a comunidade, porque elas atuam sempre em defesa de pautas que possam melhorar a vida das famílias e isso também transforma as famílias, e portanto, toda sociedade. As ameaças, ainda não esclarecidas, segundo ela, não vão intimidar a atuação das mulheres.
NÚMEROS CRESCENTES
No 3º trimestre
13 casos
fazem de Minas líder no ranking de violência política
Desde 2020
133 casos
foram registrados em Minas Gerais (quarto no Brasil)
16,9%
foi o aumento do percentual de mulheres entre as vítimas de violência política no Brasil no terceiro trimestre de 2023 em relação ao segundo
Fonte: Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio)