A Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 75 anos neste domingo (11/12). Promulgado em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU), o documento tem princípios basilares para uma convivência harmônica de todos os povos do planeta: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos". Mas, nessas sete décadas e meia, Brasil e várias nações ainda não conseguiram vencer os obstáculos para cumprir esse objetivo de tornar as sociedades mais fraternas.


Em entrevista ao Correio, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, comenta sobre as ações do governo na defesa desses princípios, construídos no momento em que o mundo ainda estava horrorizado com a tragédia da Segunda Guerra Mundial, e defende a soberania do povo. "O povo tem de ser protegido", frisa. Ele destaca que o combate às discriminações passa a ser "uma questão fundamental na luta dos direitos humanos".


O ministro reconhece os desafios na área em um ambiente polarizado. Além disso, atribui os ataques da oposição à pressão contra a política da pasta que comanda. "Não acho que eles me escolheram como alvo, acho que a questão é a política de direitos humanos. A estratégia deles é dizer que os problemas do Brasil decorrem da política de direitos humanos, que ela abre espaço para a criminalidade, mas é o contrário", afirma.

Acadêmico e pesquisador da questão racial, Almeida diz que o combate ao racismo é fundamental para o cumprimento do compromisso do país com os direitos humanos e defende uma reforma urgente no atual modelo carcerário, mas a privatização é inaceitável. Em relação à discussão com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), na última semana, no Congresso Nacional, afirma ser hipocrisia o questionamento do parlamentar sobre a autodeclaração do ministro Flávio Dino como pardo. "Eles só querem criar constrangimento", destaca, referindo-se ao deputado e ao grupo da extrema direita.

Para o ministro, 2023 foi um ano de trabalho intenso, mas de uma grande alegria e o maior desafio: o nascimento da primeira filha, Anesu.




Leia os principais trechos da entrevista realizada na última quinta-feira (7/11) e veja a íntegra no Podcast do Correio nas redes sociais.

 

Este domingo é o dia dos Direitos Humanos. Qual a programação para a data?

Setenta e cinco anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É um privilégio poder ser ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do meu país neste momento de celebração. Esses 75 anos marcam uma conquista muito importante da humanidade, depois de um momento muito difícil, em que a própria noção de humanidade teve de ser reconfigurada, depois de tudo o que vivenciamos nas duas grandes guerras, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial. Foi um momento de repensar. Muitas questões que, hoje, consideramos fundamentais no campo dos direitos humanos se colocaram com muita força, como a questão racial. A luta contra as discriminações, todas elas, passam a ser uma questão fundamental na luta dos direitos humanos. Mais do que isso, passaram a ser um compromisso dos Estados em relação à proteção desses grupos minoritários, historicamente discriminados. A gente tem de pensar nessa efeméride em relação aos problemas que o Brasil enfrenta. Temos várias coisas programadas, desde eventos de comemoração, que fazem parte de uma recomposição do imaginário social, de uma simbologia.

Direitos humanos são transversais, mas são de esquerda ou de direita?

Eu tenho dito que o campo dos direitos humanos se tornou o principal campo da batalha civilizatória do nosso tempo. Eu digo isso não apenas baseado na experiência como ministro, mas olhando também para tudo o que tem acontecido no mundo nos últimos anos, com a ascensão da extrema-direita, com a renovação dos ímpetos fascistas. E lembrando que foi contra o fascismo que se ergueu toda a proteção dos direitos humanos. As crises que estamos enfrentando, econômicas, das instituições políticas capazes de apaziguar os conflitos sociais, tudo isso, tem aberto um espaço que faz com que algumas pessoas questionem quem é humano e quem não é. É isso o que está em jogo: determinar quem faz parte da humanidade e quem não faz parte da humanidade; quem pode ser exterminado e quem pode continuar vivo; quem vai ser abandonado e quem pode viver em um mundo com dignidade. Esse é o ponto e, embora exista essa distinção entre esquerda e direita, e isso ainda tenha um sentido no nosso mundo, não é esse o caso. Então, quando alguém me pergunta o que são os direitos humanos, eu falo o seguinte: 'Você se incomoda quando vê alguém sofrendo?' Se você acha que uma pessoa tem que ter o direito a comer, a cuidar da sua família, a ter um teto sobre a sua cabeça, a morar com dignidade; que uma mulher possa ter segurança, que ela possa andar nas ruas sem medo de ser violentada, sem medo de ser agredida; que um trabalhador, uma trabalhadora tem que ter direito ao salário digno, tem que ter direito a criar sua família com decência, a ter um descanso, a poder ter esperança… Eu sempre junto os direitos humanos com a esperança, e se a gente acha que as pessoas têm de ter direito a esperar uma vida melhor, uma vida digna, a ter saúde, a ter educação, se você comunga isso comigo, independentemente da sua posição política, não importa se você é de direita ou de esquerda: nós temos alguma coisa em comum, nós temos a defesa dos direitos humanos como algo que nos é fundamental.

Uma comissão da ONU está avaliando a situação dos direitos humanos no Brasil. O senhor teve contato com esses enviados?

Ainda não, mas estou sempre à disposição para conversar. Olha que curioso, mesmo nos tempos mais sombrios da nossa história, o Brasil sempre se notabilizou pela sua inserção no sistema internacional de direitos humanos. Nós ratificamos algumas convenções internacionais ainda nos anos 1964, 1965. O país tem essa tradição de ser um ator importante no campo dos direitos humanos. E, quando a gente vai para o campo Internacional falar a respeito disso, de alguma maneira, isso ajuda a pressionar as autoridades brasileiras a olharem para aquelas pessoas que estão sendo historicamente discriminadas. Veja o caso dos Ianomâmi no início do ano: foi depois de uma decisão, de uma medida cautelar, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ignorada pelo governo anterior, que ficamos sabendo de tudo o que estava acontecendo no território Ianomâmi. Então, a atuação internacional, ao contrário de submeter a nossa soberania, ela fortalece a nossa soberania, porque não existe sentido em falar de soberania sem o povo. O povo tem de ser protegido, o povo é soberano. Nós temos que proteger o povo brasileiro.

A maioria da população carcerária é negra e boa parte dela sem sentença. Como explicar isso?

Nós entramos num problema muito sério, um problema que o Brasil vai ter de discutir com seriedade. O presidente Lula teve a intuição de pensar nisso, mas agora nós estamos vendo que essa coisa vai ficar muito pior. Não estamos mais falando de esquerda e de direita. Quem acha que vamos conseguir criar um país, minimamente decente, pacífico e livre do crime organizado com esse sistema carcerário que nós temos, essa pessoa não é nem de esquerda, nem direita: essa pessoa é alucinada. Essa pessoa quer que o país se afunde em sangue e em fogo. O que está organizando o crime organizado no Brasil é justamente a situação que nós vivemos no sistema carcerário. Nós não podemos continuar desse jeito.

Essa situação não é fruto da guerra às drogas?

Sim, essa é uma questão de política criminal, não é só o sistema carcerário em si. Mas é a maneira com que o sistema carcerário é administrado, a maneira como as pessoas são inseridas nesse sistema. Onde é que o crime organizado entra? Onde o Estado está ausente. Isso é o que a gente sempre fala. E onde o Estado está ausente? Por incrível que pareça, o Estado está ausente no sistema carcerário, e por isso está virando uma escola do crime. Não é só do ponto de vista do recrutamento de jovens, de uma juventude pobre, que depois se tornam bandidos perigosíssimos; estou dizendo do ponto de vista da formulação de uma ideologia que vai alimentando discursos cada vez mais autoritários e aprofundando esses elementos estruturais.

São 561 mil detentos negros em uma população de 830 mil presos, 370 mil destes ainda sem uma decisão judicial final. Isso não consolida uma expressão de racismo?

É isso, e isso não serve para ninguém. O que acontece dentro do sistema carcerário acaba se espalhando para o resto da sociedade brasileira, para as periferias. A lógica de funcionamento desse sistema acaba indo para a periferia, nos lugares onde não existe Estado, e isso vai alimentando o crime organizado. Onde tem a ausência do Estado? Dentro do sistema carcerário e nas periferias. É lá onde tem organização criminosa do tráfico, onde tem milícia, que se alimenta também dessa situação. E isso vai também reverberando na vida dos seres humanos que merecem todo o nosso respeito, consideração, que são os policiais. Os policiais também são vítimas disso, muitos desses policiais, que são trabalhadores, têm que esconder a farda para ir a esses lugares onde o crime organizado comanda e onde o Estado está ausente. Se a gente não começar a olhar isso de maneira científica — com ciência, e não apenas com ideologia —, nós não vamos conseguir fazer do Brasil um país decente. Nós precisamos olhar para o sistema carcerário e o que está acontecendo lá: falta saúde, tem um índice de tuberculose dentro das unidades prisionais — 75% maior do que na população em geral — e morrem 22 mil pessoas por ano dentro do sistema. Morre-se muito sob a custódia do Estado, morre-se de doença, por violência, são 60 por dia dentro do sistema carcerário. E estou falando de unidades socioeducativas e unidades prisionais, os problemas são quase os mesmos. Se sabe o que está acontecendo, por que não se faz nada? Porque não se quer.

E a privatização dos presídios?

Isso é inaceitável, essa é uma não-discussão. Quando geralmente se fala em privatização, é para tornar as coisas mais eficientes, melhores. Mas não existem exemplos no mundo em que se torna melhor.

Na posse, o senhor falou no estatuto da vítima, mas o bandido é vítima e também faz vítimas. Como vai ser esse estatuto?

Vamos ter ao menos três programas de cuidados para as vítimas de violência, que englobam todas essas questões, ou seja, fortalecem um sistema que há no ministério. As pessoas falam que o Ministério dos Direitos Humanos só cuida de bandido. Isso não é verdade! O nosso maior orçamento é com as vítimas. São os programas de proteção a pessoas ameaçadas; são programas de proteção a defensores de direitos humanos, ambientalistas e comunicadores; são os programas de proteção a crianças ameaçadas de morte. A gente cuida de pessoas que são vítimas, pessoas que são expostas à violência. Temos a nossa Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que cuida das políticas para a infância. O nosso foco fundamental é a primeira infância. Que bandido que a gente está falando na primeira infância? Também temos uma Secretaria Nacional das Pessoas Idosas; uma Secretaria Nacional das Pessoas LGBTQIA , as pessoas que mais morrem, o grupo que é assassinado, violentado, principalmente as pessoas trans. O que está por trás desse discurso de que direitos humanos só protegem o bandido é justamente abrir espaço para a bandidagem. Quem fala que os direitos humanos são para aumentar a criminalidade, na verdade, quer retirar os freios que seguram os bandidos, inclusive os bandidos que estão dentro do Estado, que querem passe livre para fazer o que querem. Em resumo, quem faz discurso contra os direitos humanos ou não entende o que são os direitos humanos, ou são pessoas que querem abrir espaço para a criminalidade e para todo o tipo de incivilidade e de barbaridade que caracteriza a história do Brasil.

Há quem aplauda policiais envolvidos com chacinas...

Eu nem considero esse um policial, porque um policial é aquele que segue a lei, que segue a Constituição e os direitos humanos. Um sujeito que participa de chacina, que mata indiscriminadamente, que discrimina, que violenta usando farda, é um bandido e deve ser punido, inclusive em nome dos bons policiais. Temos que ter um plano de redução de homicídio, como o México está tentando fazer agora, e uma política para o egresso (do sistema carcerário). Precisamos cuidar disso. Hoje, em toda entrevista que eu falo é na condição de ministro e, como ministro, eu vou fazer. Agora, se eu conseguir implementar, se vão me deixar fazer, isso é outra coisa. Mas eu vou lutar até o fim. O que eu estou falando eu vou apresentar para o Brasil. Isso tem que ser feito, ou não posso ser o ministro dos Direitos Humanos no país.

Na sua posse, o senhor falou que "falhamos miseravelmente". Tem esse receio? De falhar?

Espero não ter de dizer que falhamos miseravelmente como sociedade, mas uma coisa eu tenho certeza: vou dizer que tentamos heroicamente, que tentamos como nunca. Só espero não precisar dizer que falhamos como sempre, mas vou dizer que tentamos como nunca.

Quais os obstáculos para não falhar?

Estou falando a partir de um governo, liderado por um homem que já mostrou o que é capaz de fazer pelo Brasil. Eu trabalho simplesmente para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é o meu chefe. Então, eu trabalho numa estrutura de governo. Quando eu estou falando, por exemplo, de uma política de segurança pública e direitos humanos, estou falando de uma parceria inevitável com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Quando eu falo de direitos humanos, eu preciso ter comigo o meu amigo querido, o Camilo Santana, do Ministério da Educação; eu preciso estar junto com a ministra Nísia Trindade (da Saúde); eu preciso estar junto com a ministra Esther Dweck (da Gestão e Inovação em Serviços Públicos), para a gente pensar nos instrumentos da gestão pública. Tenho que estar junto com a Simone Tebet (do Planejamento), com o ministro Fernando Haddad (da Fazenda), porque tudo isso depende também de orçamento, depende de planejamento. O Ministério dos Direitos Humanos coordena as políticas de governo, a política de comunicação também, mas ele não faz sozinho. Essas políticas são de responsabilidade do Estado brasileiro, e todo o governo tem de fazer.

O senhor falou sobre educação. No Pisa, observamos um grande deficit do país na área. Isso é uma questão para os direitos humanos?

Sem dúvida! A educação é também, isso está nos grandes documentos internacionais, nas declarações de direitos, que falam que o direito à educação é um direito humano. Agora, esses números surgem justamente porque o governo faz um balanço de tudo o que aconteceu nos últimos anos. Esses números são fundamentais para que se possa melhorar. O que vimos nos últimos anos foi um apagamento dos dados, que agora estão aparecendo. Esses números nos fazem reorientar e criar uma estratégia nacional para mudar essa realidade. É isso que precisamos fazer, mas precisamos ser confrontados com a verdade. E a verdade é essa que aparece aqui, e vamos agir. Mas a dignidade das pessoas está relacionada a um projeto que também é econômico, não adianta ficar só no campo da abstração. As pessoas têm de ter comida; as pessoas têm de ter saneamento básico — 40% dos brasileiros não têm banheiro dentro de casa, não têm sistema de esgoto. Isso é um descalabro, é um absurdo. É importante que a gente tenha os técnicos, mas tem de ter as pessoas que são capazes de pensar o Brasil. A gente tem de criar um Paulo Freire, um Anísio Teixeira, no Brasil, que pense no futuro. Paulo Freire, quando ele vem com todas as suas ideias, é justamente no pós-guerra. Veja que interessante, depois de 1945, surge toda uma geração que vai ser interrompida pelo golpe de 1964, que foi um golpe contra a inteligência brasileira. Os processos educacionais são para criar essa subjetividade ligada ao Brasil. Esse brasileiro precisa aprender a ler e a escrever, e ele precisa ser educado a partir da realidade dele, para poder transformar a realidade.

A ministra Anielle Franco (da Igualdade Racial) falou sobre policiais negros matando negros e apontou que um dos problemas é a falta desse letramento étnico-racial na formação da polícia. Como o senhor vê isso?

É o que escrevi no meu livro: o racismo é estrutural. Significa que o racismo não pode ser visto a partir dos sujeitos. Os indivíduos são forjados dentro dessa lógica em que o racismo se torna algo que normalizamos, "naturalizamos". Essa distinção entre pessoas negras e brancas tem repercussões na vida e na organização social. Essa sociedade "normal" não é normal, é politicamente construída e internalizada ideologicamente para que nos pareça algo natural. Mas veja: policiais negros, assim como os brancos, são o resultado de uma sociedade racista. O Frantz Fanon (psiquiatra e filósofo francês) dizia que a luta contra o racismo não é apenas a luta contra os atos discriminatórios, mas é a luta contra a lógica que faz com que o mundo seja dividido em negros e brancos. É a superação da raça como um elemento classificador das pessoas. Não é de se estranhar que um negro — e que um policial negro — tenha uma visão atravessada pelo racismo, que implica na visão que ele tem sobre si. Muitas vezes, para que você se sinta parte de um grupo, você precisa agir como esse grupo, e até ser mais rígido para demonstrar o quanto difere das pessoas que o grupo rejeita.

E o letramento étnico-racial na sala de aula?

Temos de produzir um imaginário nacional, dar alternativas a essa prisão, a essa gaiola do presente, a esse deserto do real. Imagina só ficar preso no presente, pensando no dia seguinte: 'Como é que eu vou comer amanhã? Como é que eu vou fazer?' Trabalho, vai e volta. E essa tem sido a vida dos brasileiros. Imagina esse pessoal que trabalha de aplicativo. No pós-guerra, as pessoas fizeram um projeto, para ter um espaço de trabalho, de industrialização, e o espaço do sonho, criando uma indústria cultural. Hoje, estamos suprimindo até esses espaços, é impressionante. Suprimir os espaços onde as pessoas podem sonhar. Se não tiver tempo físico, se a gente não liberar as pessoas desse trabalho repetitivo, não vai haver o espaço do sonho, e não vai haver esperança.

Na Câmara, o senhor foi questionado sobre a autodeclaração do ministro Flávio Dino como pardo. O que aconteceu?

O ministro Flávio Dino é uma das melhores pessoas que eu conheci neste ano, Quem veio da periferia, da quebrada, valoriza muito quem cumpre a palavra, cumpre acordo. Por isso, Flávio Dino é um homem de palavra, um homem íntegro, um homem digno. É um sujeito comprometido com as causas mais nobres do Brasil. Do ponto de vista profissional, é um grande jurista, incontestável. É um homem de muita competência e, se o Senado assim o quiser, e espero que o queira, vai ser um dos maiores ministros da história do Supremo Tribunal Federal. Agora, sobre o que aconteceu, eu acho o fim do mundo, cúmulo do absurdo, Eduardo Bolsonaro vir me questionar sobre a questão racial. Tem coisas que não merecem resposta. Tem coisas que não merecem consideração. Tem coisas que são por pura hipocrisia. Eles não têm nenhum interesse na questão racial. Eles não estão preocupados com a autodeclaração do Flávio Dino. Eles só querem criar constrangimento, porque não têm nenhum projeto para o Brasil, não oferecem nada para o Brasil.

A sua indicação para o ministério foi muito celebrada e simbólica. Como foi para o senhor assumir essa importante missão?

É um grande desafio, é o segundo maior desafio da minha vida este ano, o primeiro foi o nascimento da minha filha, da minha menina Anesu. O meu maior desafio é ser pai, pai de menina, pai de uma mulher preta, entender o que é isso, me preparar para isso. E o segundo maior desafio é ser ministro de Estado de Direitos Humanos num país que está sendo, nos últimos anos, adestrado a odiar os direitos humanos e, portanto, a odiar a si mesmo. Mas sou muito grato por essa oportunidade, com todos os problemas e desafios.

Dá para contar com um Congresso dividido para metas tão ousadas? E o senhor se tornou o alvo preferencial da extrema direita bolsonarista, a que atribui esse "carinho"?

Cada dia é um dia de luta, a gente vai lutando, a gente vai criando estratégias, e muitas coisas não dependem só do Congresso como algumas políticas públicas. Mas a gente tem avançado, por incrível que pareça. Aprovamos o projeto de lei da igualdade salarial entre homens e mulheres; aprovamos na Câmara dos Deputados o projeto da deputada Erika Hilton (PSol-SP), que dá direitos à população em situação de rua; houve a revisão da Lei de Cotas, que aprimorou o sistema. Em relação ao "carinho", que alguns me atribuem, e eu realmente recebo carinho de alguns — não da oposição, mas até na oposição tenho uma conversa muito interessante, muito cordata, muito urbana, muito civilizada com alguns —, isso faz parte do jogo. Mas há outros personagens que não têm nada para apresentar ao Brasil, só sabem instigar o ódio. São bárbaros mesmo, têm hordas. Querem estimular todo o tipo de ódio e ofensa e vão falando para os seus. Não acho que eles me escolheram como alvo, acho que a questão é a política de direitos humanos. A estratégia é dizer que os problemas do Brasil são porque existe uma política de direitos humanos, que abre espaço para a criminalidade, quando, na verdade, é o contrário. Muitos dos que vêm falar estão vinculados a milícias, fazem homenagem para torturadores, empregam assassinos e membros de organizações criminosas, são notórios espalhadores de notícias falsas. Manipulam, não só a noção de direitos humanos, mas até a noção de liberalismo ou de liberdade.

Mas agora eles não defendem o direito da população carcerária?

Ah! Sim. Eu estou até surpreso, eles começaram agora a defender o direito da população carcerária, e eu fico muito feliz. Peço que eles se somem à minha luta para que não aconteçam as tragédias com eles, porque agora as tragédias estão os atingindo diretamente, e lamentamos muito. Eu sou um homem que aprendeu com a minha criação. Não comemoro a morte de ninguém, de jeito nenhum. Eu lamento a morte das pessoas, principalmente pessoas que são enganadas por esse tipo de gente para cometer atos tresloucados, para se jogar contra as instituições democráticas no Brasil, e depois essas pessoas são abandonadas, são deixadas por esses irresponsáveis.

O ministério vem trabalhando nos históricos da escravidão?

Temos uma assessoria de memória e verdade do ministério, que é comandada por um ex-ministro, um grande amigo, o sempre ministro Nilmário Miranda, nosso primeiro ministro de Direitos Humanos do Brasil. E nós temos uma assessoria especial também sobre o tráfico transatlântico e a escravidão negra no Brasil. Com o Ministério da Cultura e o Ministério da Igualdade Racial, criamos os pontos de memória da escravidão no Brasil. A política de memória é fundamental no campo dos direitos humanos. Memória, verdade e justiça, para não repetir. Lembrando que, no ano que vem, vamos ter que lidar com os 60 anos do golpe militar de 1964. Esse é um ponto que nós estamos planejando, ainda vendo como vamos fazer, mas é uma data que, inevitavelmente, teremos de enfrentar.

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