Roteiro turístico pelo Congresso passou a incluir exposição de peças destruídas na invasão -  (crédito: Evandro Éboli/CB/DA.Press)

Roteiro turístico pelo Congresso passou a incluir exposição de peças destruídas na invasão

crédito: Evandro Éboli/CB/DA.Press

“Vocês acompanharam o que aconteceu no 8 de janeiro. Foi até pior do que vocês viram na televisão. Muita coisa foi destruída, algumas coisas não puderam ser recuperadas”. A fala é de uma das guias turísticas do Congresso Nacional, que conduzia dezenas de visitantes pelas instalações da Câmara e do Senado, nessa terça-feira, e relatava a destruição e as consequências do ataque brutal de seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro aos prédios públicos há pouco menos de um ano atrás.

Cerca de 500 pessoas visitaram o Congresso no primeiro dia útil deste ano e a grande maioria gente de fora de Brasília. Muitos pela primeira vez na capital. Em silêncio, ouviam as informações e eram apresentados às obras de arte que foram objetos de ataques dos vândalos e exibiam curiosidade para entender como tudo aconteceu.

O 8 de janeiro colocou o parlamento brasileiro na rota turística também por esse prisma, o do prédio que entrou para a história – ao lado do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto – como o espaço da tentativa de um golpe, numa sequência de atos premeditados.

Até hoje, os dois lados do Congresso seguem em reformas. O tapete do Salão Verde da Câmara, por exemplo, guarda sinais da destruição, como a marca do disparo de uma esfera pesada contra o Muro Escultórico, um painel na cor verde, histórico, do artista Athos Bulcão, de 1976. Há marcas no carpete, que ainda não foi completamente substituído.

Salão Verde

Somente na Câmara, o prejuízo ficou no mínimo em R$ 3 milhões. Foram destruídos 400 computadores, duas viaturas da Polícia Legislativa foram destruídas, o tapete sofreu queimaduras, áreas foram inundadas, além da danificação e destruição de obras de arte e desaparecimento de presentes protocolares ao presidente da Câmara, expostos no Salão Verde.

Pela primeira vez no Congresso Nacional, a servidora federal Mona Lisa Marangoni teve noção da grandiosidade do espaço, da relevância das obras e do tamanho do risco a que a democracia foi submetida.

“É muito emocionante circular aqui, conhecer e ver tudo de perto e saber que agora está tudo normal. Acho que a força das instituições foi fundamental para o restabelecimento de tudo isso”, disse. Ela acredita que se reduziu muito a chance de algo parecido voltar a acontecer.

“As pessoas agora também estão mais preparadas e quem arriscar sabe que não ficará impune. Se vai acontecer ou não de novo, vai depender das pessoas. Como amante do patrimônio histórico e cultural do país, valorizo tudo isso. Vejo a grandiosidade da obra no espaço. Mas quem não valoriza não liga muito”, completou a servidora, que foi estagiária de pós-graduação na Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e Patrimônio Histórico e Cultural de Belo Horizonte (MG).

Restauração

Em outubro, a Câmara reuniu oito servidores que atuaram na linha de frente do 8 de janeiro, de chefe da segurança à responsável pela recuperação do patrimônio. Gilcy Rodrigues Azevedo coordenou os trabalhos de restauração e recuperação dos objetos e bens e bens culturais destruídos pelos vândalos. Ela se emocionou algumas vezes durante uma roda de conversa com o público.

A servidora chegou ao prédio às 6h30 do dia 9 de janeiro e jamais se esquecerá do que encontrou. “Era muita coisa para fazer, não deu nem tempo para chorar”, relembrou. Especialista em gestão de risco, Gilcy afirmou que foi preciso agir rápido para salvar todas as peças atingidas pelos golpistas. Os produtos químicos e outros produtos atirados contra as obras exigiam pressa para impedir a deterioração do acervo.

“Você não quer chegar na sua casa e ver as coisas fora do lugar, principalmente quando você trabalha com esses bens que são a história e a memória do povo brasileiro. Vendo a memória sendo danificada, vilipendiada e retirada de mim foi uma dor muito grande”.

Evento marcado

Os três poderes preparam um ato para o próximo dia 8. Servidores da segurança e do cerimonial da Câmara e do Senado se reuniram na terça-feira no Salão Verde e começaram a definir a logística. É esperado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado dos também presidentes das duas casas legislativas, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, subam a rampa do Congresso Nacional.

Está prevista também a exposição no Salão Verde de bens que foram para restauro e que ainda não voltaram a ser disponibilizados aos visitantes, como alguns presentes dados a presidentes da Câmara, casos de uma bola de futebol autografada pelo jogador Neymar e uma pérola do Catar, um presente do ministro das Relações Exteriores e vice-primeiro-ministro do Estado do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al-Thani, ao então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em 8 de setembro de 2019.

A bola foi presenteada ao então presidente da Câmara Marco Maia em 10 de abril de 2012, por uma delegação do time do Santos, durante uma sessão solene em comemoração ao centenário do clube.