Em 2020, o Amapá viveu quase um mês com o fornecimento de energia prejudicado. No ano passado, foram três apagões de grandes proporções  -  (crédito: Rudja Santos/Amazônia Real)

Em 2020, o Amapá viveu quase um mês com o fornecimento de energia prejudicado. No ano passado, foram três apagões de grandes proporções

crédito: Rudja Santos/Amazônia Real

Fabio Grecchi e Renato Souza - Correio Braziliense

Um apagão nacional em 15 de agosto de 2023 acendeu a luz vermelha no governo federal, que desde então estuda a possibilidade de promover a reestatização de empresas de energia. Para ministros e técnicos, a ausência do Estado atuando diretamente no setor evidencia um problema "sistêmico" — a perda do controle de uma área considerada estratégica.

Naquela manhã de agosto do ano passado, às 8h31, somente Roraima — estado que não está ligado ao sistema nacional, pois seu fornecimento é por meio de linhas que vêm da Venezuela — não foi afetado pelo apagão. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o Ministério de Minas e Energia (MME), a falha foi no Sistema Interligado Nacional.

O foco foi detectado na linha de transmissão que liga a usina de Itaipu às regiões Sul e Sudeste. Ao todo, o corte no fornecimento de energia durou cerca de quatro horas — em algumas unidades da Federação, como Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e a cidade de Brasília, não passou de 20 minutos.

A preocupação com os apagões, porém, não está restrita ao MME. No Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o ministro Flávio Dino tratou do tema com seu sucessor, Ricardo Lewandowski, que assume o comando da pasta nesta semana. A discussão foi na reunião da equipe de transição.

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Processo

Dino adiantou que o secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous — que deve continuar no cargo na gestão de Lewandowski —, instalou um procedimento para avaliar a situação do fornecimento de energia. E que articula um grupo de trabalho, que incluirá o MME e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

"Damous se reuniu com a concessionária do Rio de Janeiro (Enel Energia) e está instaurando uma processo, tendo em vista que houve colapsos seguidos em São Paulo, no Rio e no Rio Grande do Sul. Antes, havia ocorrido no Amapá (em 2020, quando o estado viveu 21 dias quase totalmente se fornecimento de luz em 16 municípios). Então, há algo sistêmico", observou.

Depois do mega-apagão de agosto, o problema se repetiu em São Paulo — foram dois de longa duração, em novembro e dezembro do ano passado. O prefeito da capital, Ricardo Nunes, chegou a pedir que o contrato do estado com a fornecedora Enel fosse suspenso. Prefeitos de outros municípios paulistas cobraram providências do governador Tarcísio de Freitas — que amenizou as críticas à concessionária — e à Aneel.

Para integrantes do governo federal, cuja grande maioria é contrária à privatização do setor — o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou, em maio do ano passado, como "bandidagem" e "crime de lesa-pátria" a venda da Eletrobras à iniciativa privada —, apagões como os de 2023 não podem se repetir este ano. Mesmo porque, podem trazer prejuízos também do ponto de vista eleitoral.

Porém, mais do que um eventual reflexo nas urnas, cresce entre integrantes do primeiro escalão do governo a ideia de reestatizar o setor. A iniciativa, aliás, é vista com simpatia por governadores, deputados e senadores — sobretudo os ligados ao Palácio do Planalto.

Acácio Miranda, doutor em direito constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), reconhece que o setor pode ser privatizado, mas o governo não pode se retirar dele completamente. Mesmo porque, quando o consumidor é prejudicado, o gestor público é o primeiro a ser cobrado para que tome uma atitude em relação à falha no fornecimento e à empresa prestadora do serviço.

Porém, Miranda lamenta que os órgãos públicos não tenham força suficiente para proteger os direitos dos cidadãos. "Milhares são lesados e, muitas vezes, não terão os direitos reparados. E não há, por parte de órgãos como Procon, Ministério da Justiça ou estados, medidas que forcem a correta prestação do serviço", observa.

Para Márcio Coimbra, vice-presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) e mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, o pecado do administrador não está em entregar um serviço público a à iniciativa privada. Ele considera que a ausência de concorrência no setor é o grande mal, algo que não seria resolvido pela reestatização.

"A resposta é concorrência. De nada adianta sair do monopólio público para o privado. No processo de desestatização, além de privatizar, é preciso abrir novas concessões para que haja disputa (entre as empresas interessadas em prestar o serviço). Privatizar sem abrir o mercado para competição em nada favorece o consumidor", lamenta.