Dos mais de 2 mil detidos pelos atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado, em Brasília, 187 são nascidos em Minas Gerais (117 homens e 70 mulheres). Os números indicam intensa mobilização, nos primeiros dias de 2023, de bolsonaristas em Belo Horizonte e no interior do estado rumo à capital federal.

Caravanas de manifestantes, parte deles atendendo a convocações de parlamentares e influenciadores de redes sociais, seguiram de ônibus e vans para engrossar a passeata e depois invadir as sedes dos três Poderes.

Um ano depois – quando autoridades do Executivo, Judiciário e Legislativo se juntam a representantes da sociedade civil para realizar amanhã, no Congresso Nacional, um ato em defesa da democracia – muitos dos envolvidos, incluindo os mineiros, respondem na Justiça pelos seus atos ou enfrentam restrições severas de liberdade.


Atualmente, dos 187 mineiros presos, 58 estão sendo monitorados por tornozeleira eletrônica, sujeitos a diversas restrições, como proibição de sair do país e de posse de armas de fogo. De todos os presos mineiros, 36 nomes aparecem na lista de julgamentos já feita pelo Supremo Tribunal Federal. Estes ainda devem passar pelo julgamento.


O Estado de Minas consultou o Ministério da Justiça, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seap) e o Supremo Tribunal Federal (STF) para saber quantos mineiros ainda estão presos, mas essa informação não foi obtida. Da lista inicial, divulgada ao EM pela Seap, dois mineiros tiveram as prisões revogadas e estão soltos. Ambos estavam presos em Juiz de Fora desde o início do ano passado após a Operação Lesa Pátria, suspeitos de participação nos atos.


Foi da capital mineira que saiu, às vésperas do 8 de janeiro de 2023, grande parte dos manifestantes de Minas Gerais em direção a Brasília. Eles já protestavam havia semanas, em frente à sede da 4ª Região Militar, na Avenida Raja Gabaglia, contra o resultado da eleição presidencial. Durante esse tempo, eles fecharam parte da avenida, montaram barracas nas calçadas, hostilizaram pessoas que não eram bolsonaristas e chegaram a agredir jornalistas que cobriam os protestos. Mesmo quando, em 6 de janeiro, a prefeitura mandou retirar as barracas da avenida e desimpedir o trânsito, alguns insistiram em permanecer no local.


Um dos líderes das movimentações golpistas na Raja Gabaglia era o empresário Esdras dos Santos. Um vídeo obtido pelo Estado de Minas na época mostrava ele convocando pessoas a se “alistar” para participar da viagem a Brasília. Segundo o empresário, as passagens custariam R$ 250, com direito a ida e volta.

"Só guerreiros estão indo para Brasília. Só homens fortes. Estão se alistando aqui, agora, diretamente de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Muitas pessoas estão precisando de condições para ir", disse ele, alegando que a intenção era defender o país das ameaças do comunismo. A reportagem tentou ao longo da semana contato com o empresário, mas ele não respondeu às ligações.


Esdras dos Santos não viajou a Brasília para “lutar contra o comunismo”. Disse na época que não poderia abandonar o acampamento da Avenida Raja Gabaglia. Foragido da Justiça desde fevereiro de 2023, o empresário segue ativo nas redes sociais, com vídeos e postagens mostrando a própria rotina, supostamente no exterior. Ele é investigado por incitação a lesão corporal, dano e roubo. A Polícia Civil acredita que ele tenha fugido para os Estados Unidos.


Enquanto o empresário Esdras dos Santos inflava seus seguidores na Raja e nas redes sociais para seguir rumo a Brasília, parlamentares mineiros também faziam o chamado para a manifestação. Entre eles, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). Com forte presença nas redes sociais, Nikolas foi o parlamentar mais bem votado na história do país. Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e apesar dos resultados das urnas em seu favor, ele chegou a questionar a vitória de Lula nas urnas. Na época, o deputado negou ter convocado os atos, mas diversas postagens em sua conta do Instagram dizem o contrário. Por isso, o parlamentar teve suas redes sociais suspensas por dois meses pelo ministro Alexandre de Moraes.


Além de Nikolas, outros bolsonaristas mineiros questionaram a vitória de Lula. Marcelo do Volêi (PL-MG), assim como Nikolas estreante na Câmara, chegou a fazer postagens sobre o assunto e questionar se Lula realmente deveria ocupar a cadeira de presidente do Brasil. Os dois não respondem a processos por incentivar os atos antidemocráticos, mas o mesmo não se pode dizer dos golpistas presos e, que, ao longo do ano passado foram sendo libertados pela Justiça.




Eduardo Antunes Barcelos é advogado, mora em Cataguases, na Zona da Mata. Ele trabalhava como coordenador da assessoria jurídica da Santa Casa de Misericórdia da cidade. Já Marcelo Eberle Motta, por sua vez, é coordenador do movimento “Direita vive!” e mora em Juiz de Fora. Na cidade, ele ficou conhecido por insultar jornalistas. Até agora, cerca de 30 extremistas que participaram dos ataques de 8 de janeiro foram condenados a penas de até 17 anos de prisão. O ex-presidente Jair Bolsonaro é investigado como possível instigador e autor intelectual desses atos.

“SOCIEDADE FRAGMENTADA”

O cientista político Vladimir Feijó explicou que a mobilização de milhares de pessoas para Brasília é resultado de uma sociedade fragmentada, com um considerável contingente de pessoas radicalizadas e desconfiadas das instituições - Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas e mídia. “Esse cenário gerou mobilização contínua por meio das redes sociais, onde diferentes propostas são debatidas, muitas delas carregando visões contrárias à democracia”, explica.


“Existem diversas facções dentro desse movimento, algumas delas demonstram um desrespeito flagrante pelo resultado das urnas, enquanto outras adotam posições radicalizadas a ponto de convocar manifestações ilegais para cometer crimes”, analisa. Segundo Feijó, a ação política nas redes demonstra a necessidade de vigilância constante do Estado de direito, monitoramento atento dos radicais e implementação de medidas preventivas para impedir suas ações. “A atuação preventiva é crucial, e quando necessário, as instituições responsáveis pela administração da justiça no país desempenham um papel fundamental”, concluiu Feijó.


Amanhã, o presidente Lula e outras autoridades dos três Poderes vai participar de uma série de atos que marcam o aniversário da invasão. O principal será no Congresso Nacional, com discursos alusivos à tentativa de golpe de Estado há uma ano. Além da agenda com a população, o presidente também vai encontrar chefes do Legislativo, ministros do STF, governadores, comandantes militares, líderes da sociedade civil e embaixadores.

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