O corte de R$ 5,6 bilhões feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas emendas de comissão do Congresso Nacional criou um ruído na relação do governo com parte de sua base parlamentar. Deputados ligados ao bloco partidário que compõe o Centrão se queixaram da decisão do petista, e interlocutores entraram em ação para não deixar a divergência avançar.
Lula falou, na segunda-feira (22/1) de sua relação com o Congresso e buscou minimizar o problema. Disse que ia explicar aos parlamentares o motivo do veto e incomodou ao comparar a diferença entre seu governo e o de Jair Bolsonaro no trato desses recursos.
"Na questão das emendas, o ex-presidente (Bolsonaro) não tinha governança neste país. Eu vou repetir: ele não tinha governança, quem governava era o Congresso Nacional. Ele não tinha sequer capacidade de discutir Orçamento, porque não queria ou porque não fazia parte da lógica deles. O que ele queria é que deputados fizessem o que eles quisessem", afirmou, em entrevista à Rádio Metrópole, da Bahia.
O chefe do Executivo comentou que sua relação com os presidentes das duas Casas é democrática e que, se não foi possível aprovar 100% do que o governo queria, esse patamar ficou entre 60% e 70%.
Ante o veto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), convocou uma reunião de líderes para a próxima segunda-feira. Dois outros temas serão incluídos na conversa: a relação do governo com a bancada evangélica e a questão da reoneração da folha de pagamento, medida provisória editada pelo Executivo no apagar das luzes de 2023.
Um dos vice-líderes do bloco do Centrão, José Rocha (União Brasil-BA), da base aliada, enxerga que o veto de Lula provocou insatisfação. "Vejo como falta de sintonia entre o governo e o Congresso", disse ao Correio Braziliense.
Do outro lado, o Planalto avaliou que estão criando um problema desproporcional. Um dos vice-líderes do governo no Congresso, o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) até reconheceu a insatisfação de parte do Parlamento, mas entendeu que é um problema com dias contados. "Acho que é contornável. A relação foi boa no primeiro ano. A tendência é melhorar", frisou.
Com a reunião, a intenção de Lira é medir o tamanho exato desse problema e mensurar como estão os humores dos deputados antes do início do ano legislativo. O presidente da Câmara recebeu ligações de pelo menos dois ministros do governo explicando que o corte nas emendas — caíram de R$ 16,6 bilhões para R$ 11 bilhões — não estava mesmo prevista quando da discussão do Orçamento. Recebeu a explicação de que esses R$ 5,6 bilhões não foram destinados a nenhum outro tipo de gasto na Esplanada. Foi dito a ele que esse recurso simplesmente não existe.
Se, por um lado, Lula cortou emendas, em outra ponta, o presidente sancionou a destinação de R$ 4,9 bilhões para financiar as campanhas eleitorais deste ano. Eleger prefeitos é vital para os atuais congressistas tentar garantir seus retornos à Câmara e ao Senado em 2026 — eles formam a base eleitoral desses parlamentares. O PL, de Jair Bolsonaro, e o PT, de Lula, ficarão com os maiores quinhões da bolada. O PL deverá receber cerca de R$ 860 milhões, e o PT, perto de R$ 604 milhões.
Naturalidade
Especialistas ouvidos pelo Correio Braziliense também não entendem existir qualquer crise entre governo e Congresso por conta do veto do presidente da República.
"Ainda não consigo enxergar uma crise institucional. Esse debate em torno do Orçamento é natural, cada poder puxando a corda para o seu lado. O presidente Lula é extremamente experiente e habilidoso politicamente", destacou José Paes Neto, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. "Parece-me que vem buscando formar acordos pontuais com o Congresso para aprovar pautas de interesse do governo, em vez de formar uma base mais sólida, o que exigiria concessões maiores. Isso acaba custando caro ao governo em algumas outras pautas, como se tem visto na questão da reoneração da folha de pagamento."
O cientista político Rodrigo Prando também descartou qualquer cenário de crise de maior extensão e preferiu dizer que há dificuldades nessa relação entre Executivo e Legislativo.
"Temos disputas bastante acirradas pelo Orçamento, pelo dinheiro e pelo poder. Lula tem que contornar isso com habilidade política, e ele tem ferramentas para isso. Temos eleições municipais este ano, e qualquer candidato gostaria, desde que no mesmo campo ideológico de Lula, do apoio do presidente nas grandes capitais ou nas cidades de médio porte", frisou. "Então, ele tem condições de liberar recursos, tem os seus ministros, ele próprio pode trazer apoio político gravando mensagens, estando ao lado desses candidatos. O governo Lula, terá, neste ano de 2024, de negociar cada pauta individualmente", acrescentou Prando, que é da Universidade Presbiteriana Mackenzie.