Diálogo. Essa foi a palavra que marcou o primeiro encontro entre o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e o presidente Lula (PT). Entre inúmeras vaias e poucos aplausos, o mineiro esteve na cerimônia que marcou a primeira visita do chefe do Executivo brasileiro a Minas Gerais desde as eleições presidenciais. Rivais ideológicos, os dois precisaram romper uma barreira causada por troca de declarações na mídia e nas redes sociais para conversarem sobre os investimentos do governo petista e a dívida mineira com a União.
Zema foi o primeiro a subir ao palco. Ao ter seu nome anunciado, vaias tomaram o Minascentro, na região Central de Belo Horizonte, local onde Lula reuniu membros do Partido dos Trabalhadores (PT) e aliados políticos para fazer um balanço geral dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em uma plateia majoritariamente de opositores, o governador precisou ouvir gritos de “Fora Zema”, “Fascista” e “Vacina Sim”.
Em seguida, Lula chegou ao local. Ovacionado pelos petistas, o presidente sentou-se ao lado do governador, que timidamente o cumprimentou. Enquanto o mestre de cerimônias anunciava Zema para seu discurso, o presidente conversava com o chefe do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da proposta paralela a do governador para a solução da dívida mineira de R$ 162 bilhões com a União.
Zema iniciou seu discurso falando sobre a importância do diálogo, contradizendo uma de suas declarações anteriores. Em 8 de janeiro deste ano - dia que marcou 1 ano dos ataques antidemocráticos na Esplanada dos Ministérios em Brasília - ele afirmou que não participaria de eventos políticos ao lado de Lula. “Em nome dos mineiros, fui eleito pelo povo mais acolhedor do Brasil. Por isso, dou as boas-vindas ao senhor presidente.”
"Em toda minha vida de trabalho e, agora, cinco anos como governador, comecei a trabalhar com quem pensa diferente. Ando por todo o estado, atendendo a todos, não apenas aqueles que votaram em mim. Críticas são naturais. Nós, governantes, temos que aprender com as diferenças. Precisamos ter diálogo”, afirmou.
O governador pontuou também que os investimentos, que marcaram a vinda do presidente a BH, serão muito bem-vindos por Minas Gerais. Essa foi a única vez em que foi aplaudido pela plateia presente. Segundo ele, “obras e investimentos não têm ideologias”. “Para melhorar nosso Estado, Lula, você é muito bem-vindo. Temos problemas graves”, prosseguiu.
Ao fechar o discurso, o governador citou o motivo que o levou a se encontrar com o presidente: a dívida mineira. Zema voltou a citar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), mas, pela primeira vez, fez elogios diretos ao senador Pacheco, enfatizando que a ajuda do presidente do Congresso, ao lado do presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Tadeu Leite (MDB). “Juntos, com a ajuda do presidente, vamos resolver esse problema.”
Lula falou logo depois de Zema. Em um discurso que também pregava o diálogo, o presidente afirmou que seu papel “não é ficar preocupado com qual partido pertence o governador, mas preocupado com o povo do estado que elegeu aquele governador". “Já estive com muitos governadores de Minas Gerais. O último foi o companheiro Aécio [Neves, do PSDB], que governou este estado por oito anos. Depois veio [Fernando] Pimentel [do PT]. Nós não fazemos diferença entre ninguém. O que queremos é que as obras sejam resultado das necessidades das cidades”.
Em menos de uma semana, Lula participou de eventos públicos ao lado de outros adversários políticos, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). O presidente, que chegou a trocar afagos com Tarcísio, negou que o objetivo seja causar um racha no núcleo do bolsonarismo. “Eu não quero dividir nada. Estou conversando com o governo do estado que foi eleito pelo mesmo povo e pela mesma urna que me elegeu”, afirmou o presidente. “Eles tomaram posse e, portanto, têm de governar. Eu nunca vou pedir para um governador ou um prefeito gostarem mais ou menos de mim. O que eu quero é que a gente construa no país uma relação civilizada”.
“Dois políticos podem ser de partidos diferentes, ser de religiões diferentes e torcer para times diferentes”, prosseguiu Lula. “Eu já convivi com tanta gente adversária, com tanta gente que não gostava de mim. Mas a gente precisa ter responsabilidade de relacionamento”.
Mesmo com os discursos e troca de gentilezas, as falas do governador e do presidente não foram suficientes para “quebrar o gelo” entre os dois. Lula chegou a fazer tentativas de diálogo com Zema ao oferecer ao governo pastilhas de menta. Mas, a conversa entre os dois só começou depois que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, único mineiro do governo, fez um discurso recheado de indiretas e alfinetadas ao governador. A fala, que claramente gerou incômodo em Zema, fez o governador trocar seu primeiro diálogo com Lula.
Fontes ligadas aos antigos deputados federais do Novo, Tiago Mitraud e Lucas Gonzalez, afirmam que Zema pediu a réplica da fala de Silveira ao presidente. Lula afirmou não ter como providenciar uma segunda fala do governador, primeiro por logística, e segundo, por segurança.
O fato é que, desde que se sentiu incomodado com Alexandre Silveira, o governador não parou de falar com Lula. Os dois passaram praticamente o evento inteiro trocando conversas.
De acordo com o governo mineiro, estava previsto que Zema e Lula conversassem após o evento petista. O pedido foi feito pelo governador, que afirmou que precisava de apenas “20 minutinhos” com o presidente para expressar a importância da resolução da dívida e de algumas necessidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Embora durante a cerimônia ambos parecessem mais confortáveis, o encontro nos bastidores não aconteceu.
Até às 10h da manhã, um pouco antes de subir ao palanque do Minascentro, a conversa ainda estava em aberto. Mas, por terem trocado conversas em cima do palco, o encontro foi postergado. É o que afirmou o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que já havia recebido Zema em Brasília para discutir a questão da dívida, que disse que os governantes devem se encontrar para discutir a proposta sugerida por Pacheco após um parecer do Ministério da Fazenda. Em novembro, o ministro Fernando Haddad pediu até o fim de março para analisar a viabilidade da alternativa ao RRF.
Depois da visita a Minas, Lula voltou a Brasília e o governador seguiu para Cidade Administrativa.