Jair Bolsonaro faz sinal de positivo ao sair de casa -  (crédito: REUTERS/Adriano Machado/Folhapress)

Jair Bolsonaro faz sinal de positivo ao sair de casa

crédito: REUTERS/Adriano Machado/Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Jair Bolsonaro (PL) pode ser preso se fizer apologia ou incitação ao crime durante manifestação convocada por ele na avenida Paulista, em São Paulo, neste domingo (25), afirmam especialistas. 

Os profissionais, entretanto, divergem sobre se a mera convocação do ato já poderia ensejar uma prisão preventiva, uma vez que o ex-presidente é investigado por suposta participação em crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado democrático de Direito e poderia violar a paz pública durante o evento. 

Para Claudio Langroiva, professor de processo penal da PUC-SP, a mera convocação do ato feita por Bolsonaro é "arriscada" e pode motivar a prisão preventiva. Segundo ele, isso acontece porque o ex-presidente é, no momento, investigado pela possível participação em crimes graves contra a democracia.

 

Para o especialista, Bolsonaro é consciente de que existe um risco de violação da paz pública ao convocar a manifestação. Langroiva também afirma que a nova convocação se relaciona com contexto anterior, em que manifestações similares teriam resultado nos ataques do 8 de janeiro. 

"No caso específico dele, como está sendo investigado num inquérito policial de crimes gravíssimos contra o Estado democrático de Direito e tentativa de golpe, essas atitudes se tornam relevantes para o inquérito, podendo incidir numa prisão preventiva nos termos do artigo 312 [do Código de Processo Penal]", afirma Langroiva. 

Dias atrás, quando chamou apoiadores para o ato, Bolsonaro pediu a eles que não levem faixas e cartazes à avenida Paulista em uma estratégia para evitar a ampliação do acirramento com o STF e o ministro Alexandre de Moraes, que deve ser o principal alvo do ato e que preside inquéritos que podem levar Bolsonaro a novas condenações. 

O STF foi alvo preferencial de Bolsonaro ao longo de seu mandato. Ele usou termos como "politicalha", "acabou, porra", ligação com PT, ativismo e militância, em ataques que se intensificaram a partir de 2020, com a pandemia da Covid-19. 

Em atos anteriores, além de atacar STF e Congresso, os apoiadores bolsonaristas também levaram faixas e cartazes de apoio à implantação de um golpe no país, além de enaltecer a ditadura militar (1964-1985). 

De acordo com Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense), a simples convocação do ato por Bolsonaro não pode ensejar a prisão preventiva, uma vez que o político tem direito à livre manifestação mesmo sendo investigado em crimes de ataque à democracia. 

Segundo ele, entretanto, Bolsonaro poderia ser preso em flagrante se, na manifestação, promovesse incitação ao crime, previsto no artigo 286 do Código Penal, ou apologia de crime ou criminoso, previsto no artigo seguinte do mesmo código. 

O especialista cita como exemplos declarações de tom golpista já proferidos pelo ex-presidente, como ataques a ministros do STF e ao processo penal. 

"Se começar a dizer esse tipo de coisa, a situação poderá ser interpretada como uma ameaça ao processo penal. Ele também poderia, logo depois, sofrer contra si uma prisão preventiva", afirma Sampaio. 

Segundo o parágrafo único do artigo 286, "incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade". 

A pena para a incitação ao crime é de detenção de três a seis meses ou multa. A penalidade é a mesma no caso de apologia de crime ou criminoso. 

Na convocação para o ato de domingo, Bolsonaro pediu em vídeo que apoiadores comparecessem ao evento sem portar "faixa ou cartaz contra quem quer que seja". Ele afirmou que pretende, no evento, se defender "de todas as acusações que têm sido imputadas à minha pessoa nos últimos meses". 

Nesta quarta (21), em entrevista a um blogueiro, Bolsonaro afirmou: "Não podemos continuar vivendo aqui naquele impasse. 'Ah, o Bolsonaro vai ser preso amanhã. Pode ser preso a qualquer momento'. Qual crime eu cometi?". 

Para Langroiva, mesmo com a precaução para se proteger juridicamente por meio da orientação dada aos apoiadores, o evento traz risco, uma vez que pode reunir dezenas de pessoas prontas para acatar palavras de ordem do político. 

O especialista, porém, acredita que uma prisão em flagrante seria improvável mesmo em caso de incitação ou apologia ao crime, pois a prisão no local poderia colocar a paz pública ainda mais em risco. 

Apesar de ser uma hipótese nesses casos, o menor potencial ofensivo da incitação ou apologia ao crime tornaria a prisão improvável, afirma Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). 

A prisão pela mera convocação poderia ser aventada, mas também é pouco provável, afirma o especialista. Entretanto, se novos elementos concretos indicarem que a manifestação possa, de fato, trazer perigo à ordem pública, um pedido de prisão preventiva do político seria mais provável. 

Maurício Zanoide, professor de processo penal da USP, afirma que a simples convocação de ato que não tenha nenhuma conotação criminal não enseja prisão, uma vez que a manifestação de pensamento é garantida pela Constituição. "O que não significa dizer que, no bojo das manifestações, o crime possa ser cometido", afirma. 

"A promoção de atos de violência, de comportamentos de insubordinação e de não cumprimento da legislação vigente estimula a ruptura das instituições. Isso não cabe em um contexto de manifestação política", diz. 

Sobre a participação de outros políticos no evento, em caso de ocorrência de crime, Gustavo Sampaio afirma que o fato de eles estarem ao lado de Bolsonaro não quer dizer que compactuem com tudo o que for dito. Mas, se externarem um posicionamento de concordância à incitação ou apologia ao crime, podem também ser responsabilizados. 

Confirmaram a participação na manifestação o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Marcos Pontes (PL-SP). O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, disse que deve ir ao ato. Outros aliados do ex-presidente, como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), desistiram ou silenciaram sobre ir ao evento. 

A Folha questionou Fabio Wajngarten, advogado de Bolsonaro, se o ex-presidente tomaria alguma precaução durante a manifestação e se avalia a possibilidade de o ato ensejar desordem pública, mas o advogado não respondeu às perguntas. 

No mesmo dia, Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes sociais dizendo que o evento é "sério, disciplinado, pacífico" e solicitando que apoiadores não marquem eventos paralelos em outras cidades. "Não marquem, repito, e não compareçam em nenhum movimento fora da capital de São Paulo."