A Abin informou que continuará colaborando com a investigação da PF sobre a espionagem ilegal -  (crédito: Agência Brasil)

A Abin informou que continuará colaborando com a investigação da PF sobre a espionagem ilegal

crédito: Agência Brasil

Entre 2019 e 2021, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vigiou, sem autorização judicial, políticos, assessores parlamentares, ambientalistas, caminhoneiros e acadêmicos. Os dados, conseguidos pelo jornal O Globo, foram registrados no sistema FirstMile, usado pela Abin para monitorar a localização de pessoas por meio de seus aparelhos de celular.

A maior parte das consultas foi realizada entre setembro e outubro de 2020 — período em que foram realizadas 35 mil das mais de 60 mil pesquisas feitas pelo órgão ao longo dos três anos. De acordo com a Abin, o órgão é o maior interessado na apuração dos fatos e continuará colaborando com as investigações da Polícia Federal, que investiga o caso.

Deputados

Foram investigados, em 2019, os ex-deputados federais Jean Wyllys (PSol-RJ) e David Miranda (PDT-RJ), devido a uma polêmica no então Twitter (atual X), envolvendo insinuações falsas sobre os políticos. Um perfil anônimo denominado "Pavão Misterioso" escreveu uma postagem sobre um suposto acordo de venda de mandato de Wyllys para Miranda, que nunca foi comprovado.

Em junho daquele ano, um arquivo nomeado "pavão.pdf" foi criado num sistema da Abin, que continha reprodução de tela de pesquisas realizadas em nomes de Wyllys, Miranda e do jornalista Leandro Demori, que trabalhava no site The Intercept e que também foi citado em publicações do "Pavão Misterioso". Demori foi o responsável pela divulgação de mensagens entre o ex-juiz Sergio Moro, então ministro da Justiça na gestão de Bolsonaro, e procuradores da Operação Lava-Jato.

Em 6 de julho de 2019, três pesquisas foram feitas no FirstMile em busca de celulares vinculados a Wyllys e Miranda, casado com Glenn Greenwald, na época jornalista do The Intercept.

Assessores


Assessores parlamentares também foram alvo de buscas no software. Um dos alvos monitorados foi Alessandra Maria da Costa Aires, do gabinete do senador Confúcio Moura (MDB-RO), no período em que o parlamentar fez críticas a Bolsonaro sobre a pandemia de covid-19 e votou contra a facilitação do porte de armas.

Evandro de Araújo Paula, que trabalhou para a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), foi vigiado. Entre abril e maio de 2020, ele participou de um grupo radical que se alojou na Esplanada dos Ministérios e atirou fogos de artifício contra o Supremo Tribunal Federal, chamado "Os 300 do Brasil".

Agora deputado federal, Gustavo Gayer (PL-GO) também foi monitorado. No sistema da Abin, não há detalhes sobre o motivo da vigilância do parlamentar. Na pandemia, ele ganhou popularidade entre bolsonaristas pela divulgação de vídeos com informações falsas de medidas tomadas contra a covid-19.

Giacomo Romeis Hensel Trento, monitorado em 2019, foi secretário especial de Relações Governamentais da Casa Civil durante a gestão de Onyx Lorenzoni, no governo Bolsonaro. Foram realizadas 146 pesquisas em número de celular vinculado a Trento no FirstMile.

Ambientalistas


A Abin também esteve interessada em ambientalistas: entre os alvos de investigação, estiveram Marcelo José de Lima Dutra, ex-analista ambiental do Ibama e ex-presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), e Newton Coelho Monteiro, engenheiro de queimadas e desmatamento do IPAAM.

Hugo Ferreira Loss, então coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, foi espionado pela Abin por sua ação contra garimpos em terras indígenas no sul do Pará. Ele foi exonerado em abril de 2020.

Acadêmicos


Os dados do sistema do FirstMile ainda revelaram que foram realizadas pesquisas a um número de telefone vinculado à professora da Universidade de Brasília (UnB) Chang Chung Yu Dorea, que leciona no Departamento de Matemática. Ela foi a primeira brasileira a conseguir o título de doutora em matemática no exterior. Procurada pelo Globo, a professora disse que não sabia do monitoramento e não sabe o motivo pelo qual ela teria acontecido.

Em fevereiro de 2020, foi revelado por meio de informações de um clube de descontos de servidores públicos que um integrante da Abin estava lotado na UnB no cargo de vigilante. A função é normalmente desempenhada por funcionários terceirizados.

Caminhoneiros


De acordo com dados do FirstMile, 86 caminhoneiros foram monitorados pela Abin. Destaca-se entre eles Wallace Landim, o Chorão, uma das lideranças da greve da categoria que aconteceu em 2018. Durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro, ele e outros caminhoneiros ameaçaram realizar outra paralisação.

Carlos Alberto Litti Dahmer, um dos dirigentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), também foi monitorado. Em 2019, Dahmer mostrou irritação com a nova tabela do frete rodoviário e chegou a instigar os caminhoneiros a aderirem a uma paralisação nacional, a qual acabou não acontecendo.

Operação Adelito


A Abin ainda realizou o monitoramento de suspeitos em Juiz de Fora (MG), onde Bolsonaro foi alvo de um atentado à faca promovido pelo ex-garçom Adélio Bispo, durante a campanha presidencial de 2018.

A operação, no sistema FirstMile, era denominada "Adelito" e tinha pesquisas de um número de celular associado a uma mulher presa por um ataque a quatro ônibus. Ela seria casada com um detento que se autointitulava integrante de uma facção criminosa paulista.

Apoiadores do ex-presidente e integrantes do governo chegaram a especular sobre a participação de uma facção criminosa no atentado, porém, a hipótese foi descartada pela Polícia Federal.