O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou um protesto em São Paulo neste domingo (25/2) em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal (PF) sobre um suposto plano de golpe de Estado depois das eleições que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a manifestação de domingo "é uma grande aposta" de Bolsonaro para “mostrar força” e tentar tornar as investigações e decisões da justiça mais "custosas" (leia mais abaixo, nesta reportagem, a análise de cientistas políticos).
"Qual é a efetiva capacidade do bolsonarismo de mobilizar as pessoas e encher as ruas contra o que eles classificam como perseguição política? Essa é a aposta dele", diz Monteiro.
A manifestação ocorre numa semana marcada pelo comparecimento de Bolsonaro à PF, onde foi intimado a depor mas permaneceu em silêncio, e pela repercussão de uma declaração de Lula sobre a guerra que Israel trava em Gaza.
Na última quinta-feira (22/2), Bolsonaro compareceu à PF em Brasília para prestar depoimento no inquérito sobre o suposto golpe de Estado, mas ficou calado sob a justificativa de que sua defesa não teve acesso a todos os documentos da investigação.
Além de Bolsonaro, 22 ex-assessores, militares e aliados do ex-presidente foram intimados a prestar esclarecimentos no mesmo horário.
Dias antes, no domingo (18/2), o presidente Lula gerou rebuliço no mundo político ao comparar as ações de Israel na guerra contra o Hamas com o Holocausto sofrido pelos judeus na 2ª Guerra Mundial.
“O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula a jornalistas em Adis Abeba, capital da Etiópia, onde ele participava de uma cúpula da União Africana.
A fala desencadeou uma crise diplomática com Israel e reverberou ao longo da semana.
Na última sexta-feira (23/2), o ministro de Relações Exteriores israelense, Israel Katz, publicou no X (antigo Twitter) uma ilustração que mostra brasileiros e israelenses abraçados em meio às bandeiras dos dois países e pessoas vestidas de amarelo.
"Ninguém vai separar o nosso povo — nem mesmo você, Lula", escreveu Katz na postagem, publicada em português e em hebraico.
A fala de Lula também teve repercussões domésticas.
Congressistas da oposição protocolaram um pedido de impeachment do presidente por causa da declaração, que foi criticada até mesmo por alguns aliados do governo, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Outros congressistas da base governista, no entanto, defenderam a fala de Lula.
Agora, as atenções estão voltadas à possibilidade de que a polêmica impulsione o ato deste domingo. Muitos judeus brasileiros e associações judaicas criticaram a declaração de Lula.
Fabio Wajngarten escreveu no X (ex-Twitter) que iria sugerir ao ex-presidente que convidasse o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, que seria "muito bem recebido e acolhido".
A iniciativa é vista por analistas como uma forma de tentar usar a crise provocada por Lula com Israel para inflar a manifestação.
Além disso, a defesa de Israel é uma bandeira cara a muitos evangélicos - um dos grupos mais próximos de Bolsonaro.
Uma das mais influentes lideranças evangélicas do país, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, diz que estará no ato e que alugou um carro de som para a manifestação.
Em entrevista à revista Veja, Malafaia pediu que os manifestantes não levem faixas contra autoridades políticas ou ministros do STF, que foram recorrentes em outros atos bolsonaristas.
"Toda manifestação tem uns alienados, uns radicais que a gente não concorda, que levam faixa dizendo que tem que fechar o STF, fechar o Congresso. Aí a imprensa tira foto e chama de ato antidemocrático", disse o pastor.
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'Séria, disciplinada e pacífica'
No vídeo em que convocou o protesto, Bolsonaro pediu que seus apoiadores façam uma manifestação "séria, disciplinada e pacífica" no domingo e que o movimento se restrinja apenas à capital paulista.
Segundo ele, o protesto vai defender "nosso Estado democrático de direito e nossa liberdade".
Ao final da mensagem, Bolsonaro pediu que os manifestantes evitem levar faixas contra "quem quer que seja".
Para cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, o protesto é uma "grande aposta de Bolsonaro" para tentar demonstrar força política, apesar de estar inelegível até 2030.
Segundo os analistas, o efeito desta manifestação vai depender do número de pessoas presentes na avenida Paulista, onde será realizado o ato, e também da participação de outros nomes relevantes da política, como governadores e congressistas.
A adesão de políticos de direita é um dos fatores que tem mobilizado o bolsonarismo nos últimos dias.
Entre os nomes confirmados estão o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), que busca a simpatia da parcela conservadora do eleitorado para se reeleger nas eleições municipais deste ano.
Segundo um levantamento do site Poder 360, três governadores e 93 congressistas haviam confirmado presença no evento até o sábado (17/2).
Além de Tarcísio, os governadores Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, disseram que estarão presentes na Paulista.
Grande aposta de Bolsonaro
Uma pesquisa do instituto AtlasIntel, divulgada no início do mês, aponta que 42,2% dos entrevistados acreditam que as "investigações contra Bolsonaro constituem uma perseguição política". Já 40,5% não acreditam nisso.
Por outro lado, um levantamento do mesmo insituto mostrou que 57% dos entrevistados acreditam que Lula de fato venceu as eleições de 2022, contrariando o discurso bolsonarista de que houve fraude no pleito - algo que nunca foi comprovado.
O cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que Bolsonaro costuma convocar manifestações quando se sente fragilizado.
Sua expectativa é de que o ato não reúna um público tão grande quanto outras manifestações semelhantes do passado, porque Bolsonaro não é mais presidente.
"Para mim, será surpreendente se a manifestação for muito grande", diz.
No entanto, mais importante do que a quantidade de gente na rua, será quem estará ao lado de Bolsonaro no palanque.
"O principal objetivo do protesto é medir sua força entre os profissionais da política. Quanto mais parlamentares e governadores aparecerem, melhor para ele", diz Praça.
"Quem se arrisca a aparecer ao lado dele? Tarcísio, [Romeu] Zema [governador de Minas Gerais]? O que eles vão falar em seus discursos? Ele quer demonstrar que ainda tem força mesmo estando inelegível por oito anos."
Entretanto, o analista não acredita que isso fará alguma diferença no rumo das investigações de que Bolsonaro e seus aliados são alvo ou mesmo nas decisões que a Justiça pode tomar a respeito.
O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que o ato "é uma grande aposta" de Bolsonaro para “mostrar força”.
"Do ponto de vista do Bolsonaro, se o protesto for um sucesso em termos de presença, pode mostrar a capacidade dele de continuar agregando em torno de si a maioria das forças conservadoras."
Para o cientista político, mesmo inelegível, Bolsonaro pode continuar a "ser um grande eleitor" nas eleições municipais deste ano caso a manifestação de domingo tenha grande presença de público.
Mas, se o protesto for pequeno, avalia Monteiro, "inverte-se a equação".
"Bolsonaro então passa a ser apenas mais uma peça do jogo. Por tabela, as forças progressistas vão se reorganizar com a perspectiva de que ele não tem toda essa influência eleitoral."
Para Monteiro, os parâmetros de sucesso ou fracasso para a manifestação de domingo devem ser os atos bolsonaristas de 2022, último ano de Bolsonaro na Presidência.
"Se o protesto for muito menor que os daquele ano, acredito que será um enorme fracasso para Bolsonaro e mostrará que ele não tem mais a capacidade de mobilização popular que já teve."
Um lavantamento da empresa Arquimedes, que monitora as redes sociais, apontou que as menções ao protesto de Bolsonaro foram em quantidade muito menor do que a fala de Lula sobre Israel.
O tema "Lula e Israel" soma 2,4 milhões de publicações nas redes entre os dias 18 e 22 de fevereiro, três vezes a quantidade de posts sobre a manifestação bolsonarista.
Entre 10 e 22 de fevereiro, o protesto contabilizou 829 mil menções nas redes sociais, segundo a Arquimedes.
Em resposta à organização do ato, o diretório do PT (Partido dos Trabalhadores) em São Paulo apresentou representação ao MPE (Ministério Público Eleitoral) do Estado.
O partido alega que o ato pode desencadear um evento semelhante ao de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes da República foram atacadas por apoiadores radicais de Bolsonaro.
Segundo a emissora CNN Brasil, na representação o partido pediu que a Polícia Militar esclareça os protocolos e o contingente que será empregado na manifestação e solicitou a abertura de investigação sobre financiamento irregular dos atos e eventuais ilícitos eleitorais, em especial propaganda eleitoral antecipada, considerando a proximidade das eleições municipais de outubro.
Ao mesmo tempo, o PT, o grupo Prerrogativas, movimentos como MST, UNE, MTST e outros partidos têm organizado seu próprio ato para o mês de março.
“Não queremos impedir o ato de domingo, mas dar uma resposta a manutenção dessa estratégia golpista. Esse ato do dia 25 é uma grande ameaça”, disse o coordenador nacional do MTST e integrante da Frente Povo Sem Medo, Rud Rafael, à CNN Brasil.
Bolsonaro investigado
A manifestação deste domingo acontece após uma série de investigações envolvendo Bolsonaro e sua família, como uma apuração de um suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República.
Também acontece duas semanas depois da operação Tempus Veritatis, que foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes.
A ação teve Bolsonaro como alvo, além de parte de seu clã político e militares supostamente envolvidos na trama golpista.
A operação investiga uma organização acusada de "tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito" nos períodos que antecederam e se seguiram às eleições presidenciais de 2022, em uma tentativa de garantir a "manutenção do então presidente da República (Jair Bolsonaro) no poder".
Quatro pessoas foram presas: Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência; o coronel do Exército Marcelo Câmara; Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército; e o coronel Bernardo Romão Corrêa.
De acordo com a decisão de Alexandre de Moraes, a PF obteve evidências de que:
- Bolsonaro teria se envolvido na confecção de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Lula e mantê-lo no poder;
- Militares teriam organizado manifestações contra o resultado das eleições e atuado para garantir que os manifestantes tivessem segurança;
- O grupo em torno de Bolsonaro teria monitorado os passos de Moraes, incluindo acesso à sua agenda de forma antecipada.
Por ordem da Justiça, Bolsonaro teve seu passaporte apreendido e não pode fazer contato com outros investigados.
Em um vídeo publicado nas redes sociais no dia 9 de fevereiro, Paulo Cunha Bueno, advogado do ex-presidente, negou que qualquer documento apreendido durante a operação da PF implique o ex-presidente em envolvimento em um "golpe de Estado".
Nesta quarta-feira, Bolsonaro voltou a dizer que é alvo de uma "perseguição política".
“Houve a eleição, o TSE anunciou o resultado da mesma, me torna inelegível sem crime, depois se fala em prender…qual o próximo passo, me executar na prisão? Eu devo fazer o que, fugir do Brasil, pedir asilo?“, disse o ex-presidente, em entrevista à rádio CBN Recife.
Manifestações em série
Não é a primeira vez que Bolsonaro convoca manifestações em seu apoio em um momento em que sua relação com o Judiciário se encontra estremecida.
Entre 2019 e 2022, quando era presidente, houve uma série de protestos pró-governo e com críticas ao Judiciário - mesmo durante a pandemia de covid-19.
Em 7 de setembro de 2021, por exemplo, Bolsonaro afirmou, também na avenida Paulista, que não cumpriria mais decisões proferidas por Alexandre de Moraes.
"Dizer a vocês que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais", discursou.
Dois dias depois, diante da repercussão negativa e de conselhos do ex-presidente Michel Temer, Bolsonaro divulgou uma "Declaração à Nação" na qual dizia não ter "intenção de agredir quaisquer dos poderes" e que "as pessoas que exercem o poder não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia".