Na reunião de ameaças golpistas liderada por Jair Bolsonaro, em julho de 2022, outras 32 autoridades do governo se sentaram à mesa principal ao lado do então presidente. Dos 33 participantes, porém, nem todos usaram a palavra.
A grande maioria — 23 deles — preferiu apenas ouvir os outros 10, que se revezavam em discursos de ataques à Justiça Eleitoral e faziam alusões à intervenção em caso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo com a garantia de Bolsonaro de que apenas a sua fala era gravada, esses convocados para o encontro optaram pelo silêncio.
Ainda de não tenham se manifestado, essa decisão não foi suficiente para deixarem de ser criticados. Há uma discussão sobre a cumplicidade de quem teve conhecimento dessa ação para "melar" as eleições, ou seu resultado, e se omitiram.
Após a divulgação do vídeo da reunião, há duas semanas, poucos participantes, entre os que ficaram em silêncio na reunião, prestaram algum esclarecimento.
O ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga — agora candidato do PL à prefeitura de João Pessoa — negou que o encontro tenha tratado de um golpe de Estado, apesar das falas de Bolsonaro sobre um "plano B" e fala do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para infiltrar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas eleitorais.
"Eu participei não só daquela reunião, como de outras reuniões ministeriais. Em nenhuma delas houve ação para que se instalasse um golpe no Brasil. Seria um golpe inusitado, em que a reunião é gravada", disse o ex-ministro em entrevista à Rádio Correio, de João Pessoa.
Já o ex-comandante da Aeronáutica daquela época, o tenente-brigadeiro do ar Carlos Almeida Baptista Jr., foi sucinto e menos direto. Ele é apontado como um dos comandantes das Forças que se recusaram a embarcar na tentativa golpista e foi alvo de outros militares. Mensagens mostram que o general Braga Netto, que foi vice na chapa de Bolsonaro, orientou a divulgação de mensagens nas redes atacando Baptista.
Em mensagem que foi considerada resposta a Braga Netto, o militar da Aeronáutica escreveu em suas redes sociais: "A ambição derrota o caráter dos fracos. Aliás, revela. Já tendo passado dos 60 anos, não tenho mais o direito de me iludir com o ser humano, nem mesmo aqueles que julgava amigos e foram derrotados por suas ambições".
Embaixador
O Correio procurou outros ex-ministros e autoridades que estavam presentes na reunião, mas que não falaram. O embaixador Fernando Simas Magalhães, então secretário-geral do Itamaraty, não se pronunciou publicamente. Ele ocupa, hoje, o cargo de embaixador do Brasil em Haia, na Holanda. Fontes próximas ao diplomata, porém, disseram que ele cumpriu sua função ao relatar o teor do encontro com o então chanceler Carlos França, que estava viajando e foi substituído pelo diplomata. Como a reunião ministerial não tratou de temas da diplomacia, Magalhães não se manifestou.
Interlocutores do ex-secretário-geral, no entanto, descrevem que ele aconselhou o governo, nos bastidores, a desistir da reunião com embaixadores estrangeiros para atacar as urnas eletrônicas. O evento foi organizado pela Presidência, e não pelo Itamaraty. Na reunião ministerial, Bolsonaro disse já estar marcando a visita dos embaixadores ao Palácio da Alvorada para poucos dias depois. No entendimento de diplomatas, não caberia a um ministro interino questionar a decisão do presidente, já tomada, e que foi desaconselhada em outras ocasiões. Ele nada disse sobre o assunto durante o encontro.
Entre os ministros presentes na reunião e que não se manifestaram, estavam Paulo Guedes (Economia), Marcos Montes (Agricultura), Victor Godoy (Educação) e Fábio Faria (Comunicações). Vários ali eram interinos ou substitutos. Única mulher no encontro, Tatiana Alvarenga participou na condição de ministra interina dos Direitos Humanos, pasta que foi ocupada por Damares Alves, que já tinha se licenciado para disputar o Senado.
Tatiana, hoje, está lotada no gabinete de Damares, no Congresso Nacional. Foi procurada pelo Correio, mas não retornou ao contato. Fábio Faria também foi procurado, mas não se manifestou.
Os falantes e os calados
Na reunião de cunho golpista de Bolsonaro, 33 autoridades de seu governo estavam à mesa principal: 10 usaram a palavra, 23 nada disseram
Quem falou
> Jair Bolsonaro (presidente da República)
> Filipe Barros (deputado federal, PL-PR)
> Anderson Torres (ministro da Justiça)
> Braga Netto (pré-candidato a vice-presidente)
> Célio Faria (ministro da Secretaria de Governo)
> Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (ministro da Defesa)
> Bruno Bianco (ministro da AGU)
> Wagner Rosário (ministro da CGU)
> Mário Fernandes (ministro da Secretaria-Geral da Presidência)
> Augusto Heleno (ministro do GSI)
Quem não falou
> Fernando Simas Magalhães (secretário-geral do MRE)
> Bruno Eustáquio (ministro substituto da Infraestrutura)
> Victor Godoy Veiga (ministro da Educação)
> Ronaldo Vieira Bento (ministro da Cidadania)
> Adolfo Sachsida (ministro de Minas e Energia)
> Paulo César Rezende de Carvalho Alvim (ministro da Ciência e Tecnologia)
> Carlos Alberto Gomes de Brito (ministro do Turismo)
> Carlos Almeida Baptista Jr. (comandante da Aeronáutica)
> André de Souza Costa (ministro da Secom)
> José Vicente Santini (assessor especial da Casa Civil)
> Célio Faria (ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência)
> Paulo Guedes (ministro da Economia)
> Marcos Montes (ministro da Agricultura)
> José Carlos Oliveira (ministro do Trabalho)
> Marcelo Queiroga (ministro da Saúde)
> Fábio Faria (ministro das Comunicações)
>Joaquim Alvaro Pereira Leite (ministro do Meio Ambiente)
> Daniel de Oliveira Duarte Ferreira (ministro do Desenvolvimento Regional)
> Tatiana Alvarenga (ministra substituta da Mulher, Família e Direitos Humanos)
> Marco Antonio Freire Gomes (comandante do Exército)
> Marcelo Francisco Campos (secretário-geral da Marinha)
> Jonathas Assunção (secretário executivo da Casa Civil)
> Adler Anaximandro de Cruz e Alves (secretário-geral de consultoria da AGU)
* Cargos que ocupavam na data da reunião, em 5 de julho de 2022