O pacto de silêncio entre Jair Bolsonaro e os militares chamados a depôr, ontem, na Polícia Federal (PF), sobre a suspeita de articularem um golpe de Estado para manter o ex-presidente à frente do governo, foi rompido pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres. Segundo os advogados de ambos — que foram presos em outros episódios relacionados à possível quartelada —, eles não se calaram diante dos investigadores.
A defesa de Costa Neto observou que o presidente do PL compareceu à PF e "respondeu a todas as perguntas" feitas pelos agentes. Entretanto, não deu maiores detalhes sobre o que teria sido indagado ao cliente.
Em relação a Torres, nota divulgada depois de cinco horas de depoimento salienta que o ex-ministro "respondeu serenamente a todas as perguntas que lhe foram formuladas". "(Ele) esclareceu todas as dúvidas em relação aos fatos investigados e reafirma sua disposição para cooperar com as investigações. O ex-ministro acredita na Justiça e confia nas instituições brasileiras", informou o texto assinado pelo advogado Eumar Novacki.
Apesar de não se saber o que relataram, o conteúdo passado por Costa Neto e Torres aos agentes da PF aumenta as preocupações de Bolsonaro e seus aliados, a pouco mais de 72 horas de um ato, domingo, na capital paulista, no qual o ex-presidente pretende fazer uma veemente defesa de si mesmo junto aos seus apoiadores.
A preocupação é que as respostas dadas pelo presidente do PL e pelo ex-ministro potencializem aquilo que a PF sabe sobre o roteiro do suposto golpe, já entregue pela delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid.
Minuta golpista
Outro que disse ter respondido às perguntas da PF foi Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro para assuntos internacionais. Também em nota divulgada pelos seus advogados, negou ter entregue uma "minuta de golpe" ao ex-presidente e que prestou um depoimento no qual foi "claro e objetivo". Martins está preso desde a deflagração da Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro.
A defesa do ex-presidente, por sua vez, afirmou, à saída do depoimento, que ele nunca foi "simpático" aos movimentos golpistas. Bolsonaro manteve-se em silêncio, de acordo com um dos advogados, Fabio Wajngarten. O ex-chefe do Executivo esteve na PF por aproximadamente 20 minutos e saiu sem falar com os jornalistas.
"Bolsonaro nunca foi simpático a qualquer tipo de movimento golpista", disse Paulo Bueno, também da equipe de defesa do ex-presidente. Conforme enfatizou, o ex-presidente "não cometeu nenhum delito" e "não teme nada porque não fez nada".
"Quero deixar claro que não é simplesmente o uso do exercício constitucional do silêncio, mas uma estratégia baseada no fato de que a defesa não teve acesso a todos os elementos pelos quais está sendo imputado ao presidente a prática de certos delitos. Que fique claro o único motivo pelo qual fez uso do silêncio, foi dado ao fato de ele responder, hoje, a uma investigação semi-secreta", salientou. Bueno acrescentou que a falta de acesso à delação de Mauro Cid e a conteúdos de mídias obtidas em celulares apreendidos nas operações da PF "impedem que a defesa tenha um mínimo de conhecimento de por quais elementos o presidente foi convocado ao depoimento".
Assim como Bolsonaro, também se mantiveram calados os generais Walter Braga Netto (ex-vice na chapa à reeleição do ex-presidente), Augusto Heleno (ex-diretor do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa e Almir Garnier (ex-comandante da Marinha). No total, 23 pessoas se apresentaram para depor em Brasília, Rio de Janeiro, Vitória, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba e Campo Grande.
Parte da investigação é embasada no vídeo de uma reunião ministerial em 5 de julho de 2022 e em documentos de uma minuta golpista encontrados em operações deflagradas pela PF.
*Colaborou Vitória Torres, estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi